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domingo, 23 de junho de 2019

Viver para bem morrer

         Iniciamos este artigo polémico com palavras recolhidas do livro do Papa Bento XVI, “A Contracorriente y por Amor”[1] : ao escrever a encíclica Humanae Vitae, Paulo VI “tinha a intenção de defender o amor contra a sexualidade como consumo, o futuro contra a pretensão exclusiva do presente e a natureza do homem contra a sua manipulação”.

         A encíclica atrás nomeada foi muito contestada meio século atrás, mas revelou-se profética como se constata na frase do Papa emérito recolhida no parágrafo anterior. Mas a Humanae Vitae ou melhor, os ensinamentos de Jesus Cristo recolhidos e entendidos pelos apóstolos e centenas de anos de tradição, continuam a produzir frutos admiráveis de humanidade e amor, unindo fé e ciência. Conversas recentes sobre dois factos, acontecidos em países diferentes, um no final do séc. XX, e outro já no séc. XXI, mereceram a nossa atenção. Aqui os resumo, numa só história, escondendo nomes e contextos.

         Camila e Zenão esperavam o seu sexto filho, mas bem cedo foram informados de que a gravidez era de alto risco e o bebé, se chegasse ao final da gestação, teria poucas probabilidades de sobreviver ao parto devido às múltiplas deformidades do seu débil corpo. Os pais tinham uma prioridade: que o seu filho nascesse com vida para poder ser batizado  e pediram ao médico que os ajudasse, com a sua ciência, a alcançar esse objectivo. E conseguiram! Foram longas semanas de oração e sacrifícios em que toda a família esteve empenhada. Rezava-se o terço em família, pais e filhos, e estes comiam coisas que não lhes agradavam. Irmãos e cunhados apareciam por casa e ajudavam nas compras e tarefas domésticas. O médico seguia com atenção a vitalidade do feto. Combinou-se optar por uma cesariana na esperança de o bebé nascer com vida. E chegou o grande dia.

         Uma “pequena grande” equipa de pessoas emocionadas esperava o final da cesariana: cirurgiões, anestesista, instrumentista, enfermeiros, familiares e um sacerdote. Aquela pessoa minúscula e deformada estava viva. Foi batizada e crismada pelo sacerdote consciente de que estava a participar, a ser ministro, de mais uma das misericórdias de Deus. Testemunhou o carinho que rodeou aquela criança durante as suas breves  horas de vida. Pais e irmãos puderam abraçá-la, e beijá-la, e tirar fotografias com ela. Médicos e enfermeiros empenharam-se em enobrecer a sua profissão ao serviço da vida; estavam emocionados ao consciencializar que tinham colaborado na missão de dar a Vida, aquela que dá sentido à vida e à morte.

         Dois dias depois, foi celebrada a Missa de corpo presente. Ali estava toda a família, o pároco que batizara o bebé, médicos e enfermeiros, amigos, e até professores e o coro dos colégios onde andavam os irmãos. O luto era diferente de todos os outros. Estava ali o corpo de alguém que fora um dos filhos prediletos de Deus e dos homens. Nem ideologias, nem política, nem ambiente abortista, nem leis puderam algo contra esta pessoa. Parecia indefesa, mas teve a seu favor a ciência e, sobretudo, uma enorme manifestação de Amor: a contagiante paternidade responsável de seus pais.

Isabel Vasco Costa




[1] Citado em “Humanae Vitae! Cincuenta años después”, Nuestro Tiempo, nº701, pg. 88.



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