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domingo, 23 de junho de 2019

Quando eles se foram

Dentre as tantas invejas de que eventualmente padecemos e presenciamos, uma delas é aquela relacionada à capacidade superior dos outros. Pode-se invejar a beleza, a juventude, o poder, a riqueza, mas todas estas qualidades se perdem ou podem desaparecer. O saber e o talento, contudo, desde que livres das doenças do envelhecimento, não se perdem e por isto o invejoso não satisfará seu desejo de aniquilação daquilo que inveja. Terá de suportar a superioridade de outrem até a extinção física, do invejado ou do invejoso. Saber e talento são características de elite, seja no desporto ou em qualquer terreno da atividade humana.

A palavra elite, entretanto, provoca arrepios em alguns. Sofre implacável perseguição das esquerdas, no terreno político, que lhe prometem guilhotina, cicuta e pelotão de fuzilamento. Quando um de seus rancorosos representantes não têm maiores recursos para atacar o objeto de sua ira, seja ele qual for, apela para as elites, culpadas pelos males passados e vindouros. É engraçado que se fale da elite do futebol como algo óbvio e elogioso - quando se fala da Champions League, por exemplo-, e não se acolha a palavra elite no terreno social. Esta é apenas mais uma das tantas inconsistências de quem prega o igualitarismo ao mesmo tempo em que assume o discurso da diversidade. Não somos iguais, nem gémeos univitelinos o são. E isto é maravilhoso. E se assim não o fosse, Deus não teria criado o mundo desta forma.

Sobretudo nas cidades pequenas é comum que um café no centro das mesmas seja local de encontro, de troca de informações e mesmo de maledicentes fofocas. Nossa vila não é diferente. Teobaldo passa horas na calçada. Vez por outra até entra e toma um café. Paga por ele, mas prefere o diz-que-diz. Porque é gratuito, perigosamente gratuito. Sempre que um conhecido se aproxima, olha automaticamente para os dois lados e se aprochega para contar a última ... Nunca multiplica um elogio, antes desanca o mundo. Suas críticas têm a crueza das Catilinárias. É pau e pedra para todo lado. Tudo, é claro, para consertar a vila, o país e o universo ...

Teobaldo não tem a menor ideia do que seja murmuração e parece desconhecer que jacaré não entrou no Céu porque tem a boca grande. Ainda que soubesse, estaria disposto a imolar-se pelo bem da vila! E do mundo! Dias atrás me disse que sabia quando a Varig começou a decair. Aguçou minha curiosidade, justo eu que deploro até hoje termos assistido, sentados, a agonia de uma companhia que teve respeito internacional. Sua opinião é convicta, mas vaga. Segundo ele, tudo se deu porque os descendentes de alemães foram embora! Não rebati, seja por desconhecer os meandros da companhia, seja porque Rubem Berta não parece ter a origem enaltecida. Mas acho que entendi o que pretendeu transmitir: a companhia começou a declinar quando a busca da perfeição, a laboriosidade e o rigor administrativo foram para o espaço.

Não percebi um desdém por descendentes de italianos e portugueses ou mesmo por brasileiros mas sim, creio, o elogio a uma elite funcional. Por quase três décadas trabalho com alemães e aprendi a admirá-los no que diz respeito à dedicação, ao capricho e ao profissionalismo. Por conta disto não posso simplesmente desconsiderar o comentário de Teobaldo.

Lembrei então do que li algures sobre o Egipto. Aquele país do norte da África viveu dias melhores quando governado pela minoria copta, à qual pertencia Bouthros-Gali, político e secretário geral das Nações Unidas na década de noventa. Atualmente os coptas são alvo frequente de perseguições e atentados, o que os empurra para outros países. Sem a elite copta o Egipto saiu de Hosni Mubarak para cair nas mãos da Irmandade Muçulmana e agora está mergulhado numa ditadura, sob o tacão de militares encabeçados pelo marechal Al-Sissi.

Quando eles se foram” pode ser título de muita coisa que se vê quando os melhores, os mais capazes, os mais fortes, são achincalhados em decorrência de causas injustificadas. O discurso contra as elites têm o condão de intimidar iniciativas, empreendimentos e a melhor gestão. Não se eleva a mediocridade com isto, antes se rebaixa o que era bom. E nem precisamos ir longe para constatar esta realidade. Olhe à sua volta e responda se predominam bons gestores públicos ou se estes constituem exceção. Não podemos jamais prescindir dos melhores, em campo algum da atividade humana. O preço é muito alto. E o estamos pagando com juros ...

J. B. Teixeira



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