Há duas
manifestações contemporâneas que clamam pelo bom senso. Uma delas é a que traz
de volta a discussão sobre paternidade responsável. No mundo já se viu de tudo,
desde as campanhas de esterilização em massa na Índia, sob condições precárias
que levaram muitas mulheres à morte, por hemorragia e infecção, até a acusação
de que a Agência de Desenvolvimento
Internacional dos EUA (USAID) planeou interferências desta natureza na América
Latina, como parte do Memorando 200, um documento secreto da década de setenta.
A crer no teor
atribuído ao documento, que também ficou conhecido como "Relatório Kissinger", os EUA
estariam preocupados com o crescimento populacional em países pobres
responsáveis pelo suprimento de recursos minerais, dentre os quais o Brasil.
Instabilidades políticas, provocadas pelo crescimento populacional
desestruturado, poderiam comprometer a livre exploração dos recursos
necessários à economia norte-americana.
Não parece
mesmo à toa o debate em torno da atribuição do Nobel da Paz a Kissinger, em
1973. A revista Time lembra que a premiação foi a mais controversa até então,
porquanto os críticos acusavam Kissinger de suposto envolvimento como
Secretário de estado na operação Condor e a campanha de bombardeio no Camboja.
Para complicar um pouco mais a situação, o prémio foi atribuído também ao
norte-vietnamita Le Duc Tho, que o recusou.
Indecências da
política externa à parte, o fato é que discutir paternidade responsável no
Brasil é puro aborrecimento. Quantos filhos pode ter um chefe de família que
percebe um salário-mínimo? A rigor, sob o ponto de vista económico, nenhum. Pois
bem, uma pesquisa do IBGE, divulgada em 2017 – a partir de dados obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua em 2016,- revelou que metade dos brasileiros tem renda
menor que um salário mínimo. Assim sendo, devemos concluir e pregar que esta
metade não deve ter filhos?
Estivessem os
governos brasileiros interessados de fato na paternidade responsável não seriam
cúmplices da promiscuidade, estimulada pela distribuição de preservativos. Não
fossem omissos com o futuro do país, trabalhariam em prol da família, esta
instituição inseparável da estabilidade e do progresso humano, atingida no
fígado pela ideologia de género.
A outra
patacoada bem atual é a fantasia de viver em Portugal, possível para uma
minoria. O curioso é que até bem pouco os portugueses eram achincalhados como
responsáveis pelo nosso atraso. Pois agora Portugal é cantado em verso e prosa
e nossos patrícios sonham em viver no Algarve ou em Lisboa. Conhecido que
esteve recentemente por lá mostrou-se indignado com nossa situação. Converteu
seu património no Brasil em euros e concluiu que sua situação, abastada por
aqui, o situaria como um cidadão de segunda classe na Europa. A que ponto
chegou a classe privilegiada do Brasil! Abdicou da luta por um país melhor e
vive como nefelibata, a fazer cálculos, sonhando
fugir do Brasil e viver na mansidão da península ibérica.
Claro está que
de fato não avançaremos diante do fatalismo a que nos entregamos. O que mais
escuto é que nem nossos netos verão um país melhor. Tamanha renúncia ao
desenvolvimento saudável de nossa sociedade é obra rematada do fracasso de
gerações. Muitos dos que se entregaram à derrota ainda têm o desplante de
mencionar a virada que a Coreia do Sul deu em duas décadas. Ora, descontada a
indisciplina do povo que terá de ser combatida, havemos de convir que o Brasil
tem condições que nada devem aquele pequeno país asiático.
Maria Helena
Martins, em monografia orientada por Guilhermino César, lembra que o romance “Numa e a Ninfa”, de Lima Barreto, “espelha vícios e costumes da sociedade
política” e denuncia uma tendência que desafia o tempo no Brasil, o
arrivismo: “Arte sem a qual não se
poderiam explicar o triunfo e a evidência de indivíduos insignificantes,
incultos, ridículos que, entretanto, ocupam cargos de extrema responsabilidade”.
No romance citado, o deputado Numa Pompilho é um velhaco, um patife arranjador
de empregos. Mudamos pouco, não é mesmo? Nossos dramas têm a idade do Brasil,
mas certamente recrudesceram nas últimas duas décadas, o mesmo período de tempo
em que a Coreia do Sul saiu da miséria e da obscuridade.
J. B. Teixeira |
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