16 Mai 19 | Destaques, Espiritualidades, Espiritualidades - homepage, Newsletter, Últimas |
Jean Vanier foi para todos nós um amigo, um companheiro realista e um profeta do humano.
(Padre António Martins)
Recordamos com alguma tristeza, mas também de forma agradecida, Jean Vanier, este grande mestre e homem da Igreja que morreu a 7 de Maio, com 90 anos, e cujo funeral será esta quinta-feira, 16, em Trosly, França (a cerimónia será transmitida em directo na página internet da televisão KTO; no Santuário de Fátima haverá uma celebração eucarística às 12h30, na Capelinha das Aparições).
É grande a saudade que nos fica com a partida do Jean, fundador das comunidades d’A Arca e do Movimento Fé e Luz, que promovem a integração de pessoas com deficiência na Igreja.
Maior ainda é a gratidão pelo tesouro que nos deixa e cuja herança recebemos. Herdamos a alegria do encontro e da partilha com os mais pequeninos. Herdamos a relação e a amizade com as pessoas com deficiência. Herdamos e partilhamos a experiência da “Comunidade [com]o lugar do perdão e da festa”[1].Herdamos o seu anúncio profético, escrevendo com palavras dos nossos dias que “cada pessoa é uma história sagrada”[2].
Nestes dias tanto e tantos escrevem e nos falam de Jean Vanier. Falam da sua vida fecunda atravessada por diversas carreiras, de sucesso profissional e social até 1964. Impossível conhecer Jean sem percorrer passo a passo a sua história pessoal. Escreveram-se palavras fortes que ilustram a sua presença no mundo e na Igreja, reconhecendo a sua sabedoria, o fundamentado conhecimento filosófico e teológico, a sua dimensão social e multicultural.
Mas, sabendo que está tudo dito, fica uma pobre palavra ainda por dizer. Palavra minha provocada pela sua mensagem, no cruzar do Evangelho com os mais frágeis e mais pequeninos.
Aprendi com o Jean: “as pessoas que o mundo considera inúteis servindo só para encher instituições – as que são consideradas como um fardo e um problema financeiro, são na realidade nascentes de luz e de vida. Transformam-nos em profundidade”. É a revolução copernicana, como lhe chamou Le Figaro.
Encantei-me com a sua forma de contar a cada um de nós, a mim ouvinte e a mim leitora, as histórias dos seus amigos improváveis, tantas e tantos com quem foi crescendo e reconstruindo a sua vida. Escolha a escolha, larga o sucesso e deixa-se atrair por pessoas abandonadas, rejeitadas, excluídas e escondidas. Tocam-no particularmente grandes grupos de pessoas fechadas em asilos, e grandes instituições com doentes mentais e pessoas com deficiência intelectual. Atento à solidão e à necessidade de pertença, descobre a cura pela travessia “da exclusão para a inclusão”que é também o “caminho para a liberdadee o perdão”; com estes temas, em 1997, publica o livro “Becoming Human”[3].
Atento ao “grito do pobre, grito de Deus[4]”, Jean dá a sua voz e clama alto que se ouve um grito[5] estridente ou mudo de quem está na angústia da total solidão, o silêncio do mais pequenino, do mais só que o atrai para Cristo.
“A comunhão com a pessoa humilhada abre-me ao infinito”
Na troca de correspondência com Julia Kristeva[6], escreve Jean Vanier: “A evolução do olhar da Igreja e da humanidade é muito lenta. Começamos por rejeitar quem é diferente; algum tempo depois queremos cuidar dos «pobres», garantir alojamento e alimentação. Depois, ajudamo-los a desenvolverem-se, a trabalhar, a ter autonomia. (…) A quem se ocupa deles revelam então a bondade de Deus e de cada pessoa humana. Descobrimos, pouco a pouco que as pessoas com deficiência têm o dom de nos ajudar a entrar num mundo de relação, feito de comunhão, que conduz a uma transformação do nosso coração”.
Referindo-se à sua experiência de longos anos de vida com pessoas com deficiência, Jean Vanier testemunha o muito que nos ensinam e revelam, se as acolhermos[7]: “A comunhão com a pessoa humilhada abre-me ao infinito, faz-me tocar o que é maior que eu e o outro. A comunhão jorra do que está para além da ‘normalização’. Constitui mesmo uma experiência ‘anormal’, fora de todas as normas, é puramente pessoal e única. Donde vem este poder transformador duma tal comunhão? Ela faz-me descobrir que sou amado a um nível muito mais elevado que todos os muros que erigi para me defender, para ser reconhecido e para parecer forte. Experimento então aquilo que é essencial da minha pessoa e que me abre à comunhão trinitária.”
Conheci pessoalmente o Jean num retiro com as suas meditações sobre o Evangelho de S. João, em 2012. Recordo: era o mês de Novembro, na pequena capela de La Ferme, em Trosly-Breuil. Jean abria o seu coração com a palavra de S. João e servia a “Jesus Vulnerável”[8].
O seu fascínio e a sua arte era falar de coração a coração, não para um grupo, uma assembleia ou uma multidão, mas como sendo só para mim, e também só para ti leitor, porque podes lê-lo ou mesmo ouvi-lo. Das suas palavras decorria uma serenidade forte e tranquila de um homem que tornava próxima a mensagem de Jesus. A presença evocada de cada amigo frágil era uma presença de Jesus vivo, um dom e uma graça próxima, real e eficaz aceite como sacramento.
Concluo com algumas palavras de Marie-Hélène Mathieu[9], que com ele fundou o Movimento Fé e Luz, que congrega famílias de pessoas com deficiência: «Para Jean Vanier cada um era um ser único chamado a uma missão única.» E refere, como o legado do Jean para nós hoje: “Jean Vanier chama-nos a dar a mão a uma pessoa frágil: ao vizinho que perdeu a vista, a uma avó com Alzheimer, aos pais do bebé que se descobriu, ainda antes de nascer, que tinha uma deficiência…Jean, que foi acolhido na feliz companhia dos seus pobres, recorda-nos a mensagem essencial do Evangelho, é o próprio Jesus que acolhemos em cada uma das pessoas fracas.”
Informação e contactos: Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência; sppd.portugal@gmail.com
Notas
[1] La Communauté-Lieu du Pardon et de la Fête – Ed abrégée et illustrée, ed. Mame, Paris. 2017 (Há uma edição portuguesa das Paulinas, praticamente esgotada)
[9] https://fr.aleteia.org/2019/05/10/marie-helene-mathieu-pour-jean-vanier-chacun-etait-un-etre-unique-appele-a-une-mission-unique
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