Já várias vezes o Papa Francisco condenou severamente o comércio de
armas como fator que contribui para o eclodir e agravar de muitas guerras. Uma
boa parte desse comércio é clandestino e decorre à margem dos governos, mas
outra é por estes autorizada.
A Comissão Nacional Justiça e Paz, em ação concertada com as comissões
Justiça e Paz europeias (Justiça e Paz
Europa), lançou recentemente um apelo aos deputados que vierem a ser
eleitos para o Parlamento Europeu, onde, entre outras causas, define como
prioritária uma ação contra a exportação de armas que possam vir a ser
utilizadas em guerras e conflitos.
Os países da União Europeia no seu conjunto são o segundo maior
exportador de armas do mundo. As exportações gerais de armas de países da União
Europeia aumentaram 10% no período de 2013 a 2017 em relação ao período de 2008
a 2012 e esse aumento foi de 103% no que se refere ao Médio Oriente.
A Posição Comum sobre exportação de armas na União Europeia veda essa
exportação para países envolvidos em guerras e conflitos, que cometam sérias
violações dos direitos humanos, que apoiem organizações terroristas, ou em que
os altos custos dos equipamentos de defesa possam afetar seriamente as suas
perspetivas de desenvolvimento. Estes critérios não têm sido observados.
A questão tem sido levantada a propósito da venda de armas à Arábia
Saudita, que mantém uma guerra no Iémen onde são sistematicamente provocados
danos em vítimas civis. Entre os maiores exportadores de armas para a Arábia
Saudita estão, para além dos Estados Unidos, países europeus como o Reino
Unido, a França, a Alemanha e a Itália. A decisão recente do governo alemão de
suspender essa exportação suscitou a oposição dos governos francês e britânico.
Para serem utilizadas no Iémen pelo exército da Arábia Saudita, seguem
armas provindas de fábricas da Sardenha. Este facto tem suscitado a
mobilização, local e nacional, de várias organizações da sociedade civil,
católicas e laicas. Disseram a propósito os bispos dessa região: «A gravíssima situação económico-social não
pode legitimar uma qualquer atividade económica e produtiva, sem que se avalie
responsavelmente a sua sustentabilidade, a sua dignidade e o seu respeito pelos
direitos de cada pessoa. Em particular, não podem ser equiparadas a produção de
bens necessários à vida com a que certamente provoca a morte. É o que se
verifica com as armas construídas no nosso território regional e usadas para
uma guerra que provocou, e continua a provocar, no Iémen, milhares de mortos,
na sua maior parte civis indefesos.»
Sobre esta questão, foi
publicado, já há vários anos (em 1994), um documento do Conselho Pontifício
Justiça e Paz, O Comércio Internacional
de Armas – Uma reflexão ética. Aí se afirma: «Nenhum Estado exportador de armas pode renunciar à sua própria responsabilidade
moral perante os efeitos negativos eventuais desse comércio. Os diversos
organismos e instâncias interessadas nunca são eximidos da obrigação de se
perguntarem porque se comprometem com esse comércio. E, sempre que se apresente
a eventualidade de uma transferência, devem perguntar-se com toda a lucidez:
porquê exportar tais armas a tal país? A quem aproveita este comércio? O
argumento, tantas vezes invocado, de que se um Estado se recusa a fornecer
armas, um outro o fará, está privado de todo o fundamento moral».
Reconhece tal documento a licitude do comércio de armas destinadas a
fins defensivos dos governos importadores, mas segundo «um estrito critério de suficiência».
Em suma, podemos dizer que não estamos perante uma atividade económica
como qualquer outra, em que uma solicitação da procura deva ser
sistematicamente satisfeita e em que os ganhos da balança comercial, ou mesmo a
manutenção de postos de trabalho, possam justificar uma qualquer venda.
A ética de defesa da vida e da paz impõe que se considere sempre a
utilização previsível das armas que são vendidas. Está em causa uma eventual
cumplicidade quanto a essa utilização.
Pedro Vaz Patto
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