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domingo, 23 de junho de 2019

Hora de acordar

Minhas duas filhas mais velhas, que nasceram e moram em São Paulo, estudavam pela manhã. Tinham de pular cedo da cama. O trânsito não era fácil e a escola ficava num bairro distante. Era uma briga arrancar as duas do quarto e não raro cumpri o papel de estraga prazer ... Acender a luz, falar alto, puxar as cobertas e fazer cócegas eram armas de um arsenal diário contra a inércia. Hoje trabalham e tanto quanto sei não perdem a hora. Acordaram, enfim.

A situação lastimável em que nos encontramos, na economia e na política, parece nos encontrar no leito, refúgio para as durezas que nos aguardam a cada manhã. Parece que nossa vontade de levantar é pequena. Dias atrás escutei pessoas dissipando seu tempo acerca de um guru que a mídia apresentou como um fenómeno. Previu queda de avião, descaminhos na política e até a morte de um apresentador famoso. Cá entre nós, previsões escritas nas estrelas ... Nossa sina política, que decorre em última instância da frouxidão da sociedade e de seu viés macunaímico, induz previsões com forte predomínio negativo. Não se faz necessário vestir um turbante ou adquirir uma bola de cristal numa casa de usados. Há “profecias” que não merecem o nome.

Quanto a acidentes aéreos, bem, desde Santos Dumont, aqui e acolá, de vez em quando se esborracha um exemplar. A queda da aeronave que conduzia o time brasileiro a Medellin não resultou dos desígnios da constelação de Orion, nem dos maus humores de Vênus. A omissão da verdade foi o ponto final do drama. A falta de combustível, erro gravíssimo na aviação, teve o agravante da solicitação de aterrissagem de emergência de outra aeronave. Ainda assim, houvesse o piloto confessado sua imprudência, teria certamente contado com a ajuda da torre de controle. Quase até o fim omitiu a verdade, somente pronunciando “Jesus” quando tudo ruiria. Invocou Cristo, sem porém valer-se de sua máxima “A verdade vos libertará”. Voltemos ao guru.

Torci meu adunco nariz enquanto os circunstantes enumeravam as façanhas do vidente. Alguém lembrou que a profecia é um dom. Sem dúvida. Isaías, Jeremias e Ezequiel, apenas para citar os maiores, confirmam a afirmação. Mas nem eles nem seus pares menores, como Amós, Oséias, Zacarias e Jonas, dissiparam seu tempo falando de amenidades de seu tempo, que equivaleriam, por exemplo, a previsões sobre a morte de um apresentador de televisão. Como porém dizia o Padre Oscar Quevedo, com quem certa feita tive o prazer de conversar, os artistas da futurologia sempre se valem de previsões que de uma ou de outra forma se materializarão. Ou seja, se morrer Sílvio Santos, a “profecia” ter-se-á cumprido, mas Raul Gil também serve ...

Estamos entorpecidos por uma viscosa preguiça mental, mantida pelos que detêm o poder e nele chegaram exatamente pela supressão operacional de nossos neurónios.  Como se admirar do aparecimento de ilusionistas quando as pessoas quase imploram para serem enganadas? Ora, a fada madrinha dos tolos atende seus pedidos. Para não dissiparmos o que temos de tão precioso e atende pelo nome de tempo, lembre-se que dons são dádivas de Deus, que não as concede para quem delas fará mau uso. Assim, como Deus não brinca, quando chafurdamos em espiritualidades que beiram o besteirol não estamos exatamente a serviço das hostes celestiais.

Santo Agostinho não era cristão. Era maniqueu. Certo dia presenciou um debate entre o líder de seu credo e um prócer católico. O embate foi vexatório para o líder maniqueu. Ainda assim não foi naquele momento que Agostinho converteu-se ao cristianismo, mas deixou de ser maniqueu na mesma hora. Não descobrira ainda a verdade, mas reconhecera o embuste.

Nem mesmo as falcatruas espirituais são monopólio brasileiro. Já assisti demonstrações patéticas de charlatanismo na televisão alemã, terra de Kant, Hegel e Heidegger. Nem todos saem ilesos das tentações místicas. Algumas “explicam” tudo e a razão adormece. Depois  hesita em saltar da cama. Revira-se, mas não acorda. Esfrega os olhos, mas não os abre.

Alexandre, o Grande, discípulo de Aristóteles, consultava oráculos e os temia mais que a espada de Dario. Se a fé não nos mover, nossas fraquezas serão o trampolim para as mistificações. Para arrematar, tomo emprestadas as palavras de Chesterton: “Quando um homem já não crê em Deus, não é que ele não acredite em mais nada: ele acredita em tudo”.

J. B. Teixeira



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