Minhas duas
filhas mais velhas, que nasceram e moram em São Paulo, estudavam pela manhã.
Tinham de pular cedo da cama. O trânsito não era fácil e a escola ficava num
bairro distante. Era uma briga arrancar as duas do quarto e não raro cumpri o
papel de estraga prazer ... Acender a luz, falar alto, puxar as cobertas e
fazer cócegas eram armas de um arsenal diário contra a inércia. Hoje trabalham
e tanto quanto sei não perdem a hora. Acordaram, enfim.
A situação
lastimável em que nos encontramos, na economia e na política, parece nos
encontrar no leito, refúgio para as durezas que nos aguardam a cada manhã.
Parece que nossa vontade de levantar é pequena. Dias atrás escutei pessoas
dissipando seu tempo acerca de um guru que a mídia apresentou como um fenómeno.
Previu queda de avião, descaminhos na política e até a morte de um apresentador
famoso. Cá entre nós, previsões escritas nas estrelas ... Nossa sina política,
que decorre em última instância da frouxidão da sociedade e de seu viés macunaímico,
induz previsões com forte predomínio negativo. Não se faz necessário vestir um
turbante ou adquirir uma bola de cristal numa casa de usados. Há “profecias” que não merecem o nome.
Quanto a
acidentes aéreos, bem, desde Santos Dumont, aqui e acolá, de vez em quando se
esborracha um exemplar. A queda da aeronave que conduzia o time brasileiro a
Medellin não resultou dos desígnios da constelação de Orion, nem dos maus
humores de Vênus. A omissão da verdade foi o ponto final do drama. A falta de
combustível, erro gravíssimo na aviação, teve o agravante da solicitação de
aterrissagem de emergência de outra aeronave. Ainda assim, houvesse o piloto
confessado sua imprudência, teria certamente contado com a ajuda da torre de
controle. Quase até o fim omitiu a verdade, somente pronunciando “Jesus” quando tudo ruiria. Invocou
Cristo, sem porém valer-se de sua máxima “A
verdade vos libertará”. Voltemos ao guru.
Torci meu adunco
nariz enquanto os circunstantes enumeravam as façanhas do vidente. Alguém
lembrou que a profecia é um dom. Sem dúvida. Isaías, Jeremias e Ezequiel, apenas para citar os maiores,
confirmam a afirmação. Mas nem eles nem seus pares menores, como Amós, Oséias,
Zacarias e Jonas, dissiparam seu tempo falando de amenidades de seu tempo, que equivaleriam,
por exemplo, a previsões sobre a morte de um apresentador de televisão. Como
porém dizia o Padre Oscar Quevedo, com quem certa feita tive o prazer de
conversar, os artistas da futurologia sempre se valem de previsões que de uma
ou de outra forma se materializarão. Ou seja, se morrer Sílvio Santos, a “profecia” ter-se-á cumprido, mas Raul
Gil também serve ...
Estamos entorpecidos
por uma viscosa preguiça mental, mantida pelos que detêm o poder e nele
chegaram exatamente pela supressão operacional de nossos neurónios. Como se admirar do aparecimento de
ilusionistas quando as pessoas quase imploram para serem enganadas? Ora, a fada
madrinha dos tolos atende seus pedidos. Para não dissiparmos o que temos de tão
precioso e atende pelo nome de tempo, lembre-se que dons são dádivas de Deus,
que não as concede para quem delas fará mau uso. Assim, como Deus não brinca, quando
chafurdamos em espiritualidades que beiram o besteirol não estamos exatamente a
serviço das hostes celestiais.
Santo Agostinho
não era cristão. Era maniqueu. Certo dia presenciou um debate entre o líder de
seu credo e um prócer católico. O embate foi vexatório para o líder maniqueu. Ainda
assim não foi naquele momento que Agostinho converteu-se ao cristianismo, mas deixou
de ser maniqueu na mesma hora. Não descobrira ainda a verdade, mas reconhecera
o embuste.
Nem mesmo as
falcatruas espirituais são monopólio brasileiro. Já assisti demonstrações
patéticas de charlatanismo na televisão alemã, terra de Kant, Hegel e Heidegger.
Nem todos saem ilesos das tentações místicas. Algumas “explicam” tudo e a razão adormece. Depois hesita em saltar da cama. Revira-se, mas não acorda.
Esfrega os olhos, mas não os abre.
Alexandre, o
Grande, discípulo de Aristóteles, consultava oráculos e os temia mais que a
espada de Dario. Se a fé não nos mover, nossas fraquezas serão o trampolim para
as mistificações. Para arrematar, tomo emprestadas as palavras de Chesterton: “Quando um homem já não crê em Deus, não é
que ele não acredite em mais nada: ele acredita em tudo”.
J. B. Teixeira |
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