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sábado, 1 de novembro de 2014

Levar a comunhão aos divorciados ou os divorciados à comunhão? (I Parte)

A comunhão aos recasados foi o problema de uma época em que as pessoas ainda valorizavam o Sacramento do Matrimónio


Rio de Janeiro, 31 de Outubro de 2014 (Zenit.org) Pe. Anderson Alves


Temos assistido a um intenso debate sobre a possibilidade de se admitir à comunhão eucarística as pessoas divorciadas que convivem com outras como se fossem casadas (tendo adquirido ou não o matrimónio civil). A origem dessas discussões está no dia 20 de Fevereiro de 2014, quando o cardeal alemão W. Kasper apresentou no concistório extraordinário uma longa conferência sobre o tema, a pedido do papa. Naquele dia o cardeal Kasper pretendeu “apresentar apenas algumas perguntas”, as quais foram evidentemente acompanhadas por sugestões concretas. Em seguida, diversos cardeais, bispos e revistas teológicas[i], seguindo o desejo do papa, intervieram no debate. Nosso propósito aqui é participar na mesma discussão, seguindo as indicações do papa e um método semelhante ao do cardeal Kasper: apresentar apenas algumas questões que deveriam ser consideradas na discussão desse tema.

A primeira coisa a ser dita é que, ao contrário do que muitos afirmam, essa questão não é actual: de facto, era uma discussão intensa já nos anos 70 do século passado. Para respondê-la, São João Paulo II fez algo único na História: deu 129 catequeses sobre a sexualidade, o amor humano e a família durante os anos de 1979 até 1984 – catequeses que deveriam ser redescobertas e propostas actualmente[ii]; e, em 1981, após um sínodo sobre as famílias (em 1980), no qual o tema foi amplamente debatido, publicou uma exortação apostólica, a Familiaris Consortio. Nesse documento, obra daquele grande santo e pastor, foi definido que a Igreja não poderia dar a comunhão a pessoas que vivem numa segunda união após um matrimónio válido, pois «o estado e a condição de vida delas contradiz objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja significada e actuada pela Eucaristia» (FC, 84). Por isso, o esforço pastoral da Igreja deve ser o de levar à comunhão total com Ela as pessoas que vivem numa situação objectivamente contrária à vida e ao pensar da Igreja.

Isso é possível desde que se consiga demonstrar num processo canónico a nulidade do primeiro matrimónio. Isso deixaria livre a pessoa de contrair matrimónio canónico. Se isso não for possível, essa pessoa poderá voltar a comungar desde que se separe da pessoa com a qual convive, ou pelo menos que convivam como irmãos[iii]. Nesse caso, a Igreja deve ajudar os fiéis a levar a sua cruz de cada dia, sem negá-la ou rejeitá-la. Não é possível, porém, viver numa situação que contradiga a santidade e a indissolubilidade do matrimónio e receber a Eucaristia, um sacramento que significa e realiza a comunhão de vida e de amor do fiel com a Igreja[iv]. A solução indicada é verdadeiramente pastoral, se funda no ensinamento de Cristo[v] e não é de nenhum modo discriminatória[vi]. Não basta, portanto, levar a comunhão a um divorciado; é preciso levar o divorciado à comunhão plena com a Igreja antes de oferecer a ele o corpo e sangue de Cristo.

E mais do que ser uma questão antiga, essa é uma questão antiquada e própria de algumas áreas da Igreja, aquelas mais secularizadas. Pois o problema principal da pastoral da Igreja não é esse, e há um bom número de documentos do Magistério da Igreja que já definiram a questão.

O principal problema actual não é o de dar a comunhão aos “recasados”, mas sim o facto de que nos nossos dias o casamento se torna cada vez mais raro. Actualmente os jovens não chegam nem mesmo a uma primeira união matrimonial, quanto mais a uma segunda. A comunhão aos “recasados” foi o problema de uma época em que as pessoas ainda valorizavam o Sacramento do Matrimónio, coisa que na maior parte do mundo actual não ocorre. Hoje parece que quem pode se casar não quer; e quem quer se casar não pode. Basta ver os noticiários: anunciam incessante e alegremente o fato de famílias “tradicionais” que se rompem (divórcio) e, ao mesmo tempo, se observa grupos e projectos políticos que procuram equiparar outros tipos de uniões ao matrimónio. E assim ocorre a intrínseca contradição de se afirmar que o matrimónio é algo tão ruim e superado que deve ser destruído através da “livre união”, do adultério, do divórcio; e também se julga que o matrimónio é tão bom que deve ser considerado um direito de todos.

Nesse contexto, não seria melhor se concentrássemos as nossas energias para formar os jovens para se casarem de modo consciente, sabendo que são chamados a viver uma união de vida e de amor total e fecunda por toda a vida, e que o matrimónio é um verdadeiro caminho de santidade? Não deveria também lembrar ao mundo que o matrimónio único e indissolúvel entre um homem e uma mulher é uma instituição natural, conhecida pela razão como a mais adequada ao bem dos cônjuges e dos filhos?

[i] Um dos principais artigos publicados sobre o tema em revistas teológicas está na revista dos dominicanos dos EUA, Nova et Vetera. Cf. http://nvjournal.net/files/essays-front-page/recent-proposals-a-theological-assessment.pdf

[ii] Essas catequeses estão disponíveis em: http://diocesedecoimbra.pt/sdpfamiliar/teologiadocorpo.htm

[iii] Os fiéis divorciados novamente casados que, por sérios motivos – quais, por exemplo, a educação dos filhos – não podendo «satisfazer a obrigação da separação, assumem o compromisso de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos actos próprios dos cônjuges» (Familiaris consortio, n.º 84), e que, com base em tal propósito, tenham recebido o sacramento da Penitência podem receber a Comunhão eucarística, desde que seja removida a possibilidade de se causar escândalo.

[iv] O mesmo ensinamento aparece no Catecismo da Igreja Católica e no Magistério de Bento XVI: «Se a Eucaristia exprime a irreversibilidade do amor de Deus em Cristo pela sua Igreja, compreende-se por que motivo a mesma implique, relativamente ao sacramento do Matrimónio, aquela indissolubilidade a que todo o amor verdadeiro não pode deixar de anelar».Cf. Bento XVI, Sacramentum caritatis, n. 29 e Catecismo da Igreja Católica, n. 1640.

[v] «O Sínodo dos Bispos confirmou a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura (Mc 10, 2-12), de não admitir aos sacramentos os divorciados recasados, porque o seu estado e condição de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia. Todavia os divorciados recasados, não obstante a sua situação, continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos». Bento XVI, Sacramentum caritatis, n. 29.

[vi] Esses fiéis não estão excluídos de nenhum modo da Igreja. Essa «preocupa-se por acompanhá-las pastoralmente e convidá-las a participar na vida eclesial na medida em que isso seja compatível com as disposições do direito divino, sobre as quais a Igreja não possui qualquer poder de dispensa (F. C. 12). Por outro lado, é necessário esclarecer os fiéis interessados para que não considerem a sua participação na vida da Igreja reduzida exclusivamente à questão da recepção da Eucaristia. Os fiéis hão de ser ajudados a aprofundar a sua compreensão do valor da participação no sacrifício de Cristo na Missa, da comunhão espiritual (F. C. 13), da oração, da meditação da palavra de Deus, das obras de caridade e de justiça (F. C. 14).

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