O filósofo Fabrice Hadjadj fala sobre sua conversão ao cristianismo em uma época dominada pelo niilismo e a tecnologia
Roma, 21 de Novembro de 2014 (Zenit.org) Maria Gabriella Filippi
"O nosso mundo está cada vez mais caracterizado pela desencarnação. Estamos na era do in vitro veritas,
tanto nas telas quanto nas provetas. O pai é substituído pelo
especialista (e isso acontece até mesmo aos bispos que renunciam muitas
vezes a paternidade para ficarem só com a superioridade hierárquica); a
mãe é gradualmente substituída pela matriz electrónica. Vão dizer que
agora um casal do mesmo sexo pode ter filhos da mesma forma que têm um
homem e uma mulher. E mais, vão dizer que podem tê-los muito melhor do
que um homem com uma mulher, porque estes se entregam à procriação
através da escuridão arriscada de um abraço e de uma gravidez, enquanto
que um casal do mesmo sexo é mais responsável, mais ético, porque
recorre aos engenheiros para fabricar uma criança sem defeitos, com um
código genético verificado, muito mais condizente com o mundo que o
circunda. O que borbulha em nossos laboratórios é uma verdadeira
contra-anunciação: já não se trata de acolher o mistério da vida na
escuridão de um útero, mas reconstituir na transparência de um tubo de
ensaio”.
Esta é a descrição feita pelo filósofo Fabrice Hadjadj, nascido de
uma família judia, ex-niilista e anti-clerical, actualmente casado, pai
de seis filhos, professor de literatura e filosofia, bem como
dramaturgo. Desde sua conversão, deu início à sua obra filosófica e
literária. Hadjadj argumenta que dentro da Igreja aconteceu a melhor
compreensão e valorização do corpo e da sexualidade e pensa que a morte
tenha a sua dignidade. Entre seus muitos livros estão Mistica della carne. La profonditá dei sessi (Milão, Medusa, 2009), e Farcela com la morte. Anti-metodo per vivere, editora Cittadella, que venceu o Grande Prémio da literatura católica em 2006.
Por ocasião do terceiro Congresso Mundial dos movimentos eclesiais e
das novas comunidades, organizado em Roma pelo Pontifício Conselho para
os Leigos, do qual o filósofo francês é membro, em resposta ao apelo de
conversão missionária que o Papa Francisco dirigiu na Evangelium
Gaudium, Hadjadj respondeu algumas perguntas para ZENIT.
***
ZENIT: Qual é a história de sua conversão do judaísmo para o cristianismo?
Hadjadj: Poderia contar-lhe uma longa história ... Deus nos converte
com toda a sua criação. A conversão é simplesmente uma tomada de
consciência, porque a realidade é sempre a realidade.
Quando a pessoa se converte, por outro lado, não quer dizer que
chegou, o baptismo é o ponto de partida. Sempre poderei me tornar pior do
que era antes: continuo a ter os meus pecados, portanto, é sempre
necessário prestar atenção à conversão. Na verdade, não é verdade que eu
me converti do judaísmo para o cristianismo, porque nunca fui
religioso: vim de uma família judia sim, mas de esquerda, marxista. Em
casa não tínhamos nenhuma bíblia, só obras de Marx, Hegel e Gramsci; eu,
pessoalmente, me aproximei muito cedo de Nietzsche e de autores ateus
mas, curiosamente, é por meio desses autores anti-cristãos que descobri o
cristianismo e, curiosamente, foi sendo cristão que descobri de forma
mais real o meu ser hebreu.
Eu tinha a sensação de que a grandeza do homem estivesse relacionada à
sua vulnerabilidade e que não se desenvolve com um tipo de poder
horizontal, mas por meio de um grito vertical, um grito para o céu, como
na tragédia grega. Ali está claro que a dignidade trágica do homem
reside no fato de que ele se dirige a um Deus e interpela o céu.
Além disso, estava intelectualmente atraído pelo mistério da cruz. Um
dia meu pai ficou muito doente. Estava prestes a morrer e minha mãe me
chamou. Era impotente diante daquela situação e entrei em uma igreja,
onde rezei à Virgem: era uma Nossa Senhora rodeada de muitos ex voto, e
apenas duas semanas depois, entrando na mesma igreja com um amigo meu,
tinha ridicularizado esses ex voto: ‘obrigado daqui, obrigado dali...
ridículo!’. Zombava diante daquelas imagens. Mas, na tarde em que meu
pai estava mal, fui àquela Nossa Senhora, e naquele momento não
aconteceu nada de extraordinário, as coisas extraordinárias são as mais
simples: tive a sensação estar no meu lugar e descobri que a posição do
homem que reza é a posição do homem por excelência; a partir daquele
momento tive a certeza da verdade da oração.
ZENIT: Porque a adesão ao cristianismo é algo diferente da adesão a um partido ou a uma ideia política?
Hadjadj: Passamos de uma época de extremismos ideológicos a um
período no qual todas as ideologias morreram, um período de padronização
tecnológica: é o momento em que se pega a diversidade do real, a
multiplicidade das coisas, também a biodiversidade e se manipula, se
quebra.
A missão da Igreja não tem nada a ver com um processo de
padronização, porque é a mesma missão do Criador: é o Criador e o
Redentor de todas as coisas, portanto, não quer esmagar a
individualidade das coisas com a uniformidade, reduzi-las a uma ideia,
mas permitir ser plenamente o que somos, do jeito que foram criadas e
salvas, nas suas diferenças.
O fundamento da fé cristã é que a unidade é uma unidade de comunhão,
mas a comunhão não é uma fusão. A comunhão é comunhão de um com o outro,
e o outro continua a ser um outro, não é absorvido e nem diminui. Isso
se manifesta da mesma forma no mistério da Trindade: há um só Deus, uma
só natureza divina, mas ao mesmo tempo existem três pessoas, e estas
pessoas, justamente porque são três, são pessoas eternamente diferentes.
Nós pensamos na unidade de Deus como uma unidade que leva em si a
diversidade eterna. Isso nos convida a considerar a missão da Igreja não
mais como propaganda ideológica que reduz à uniformidade, mas como
hospitalidade que permite cada ser de ser reconhecido plenamente a si
mesmo.
ZENIT: Tanto Bento XVI quanto o Papa Francisco disseram que a
evangelização não cresce por proselitismo, mas por atracção: o que isso
significa essa expressão e quais são, na sua opinião, os perigos do
proselitismo?
Hadjadj: Podem parecer só duas formas de dizer o mesmo conceito: o
proselitismo e a atracção, em oposição a sair de si mesmos. Atrair para
si mesmos ou sair de si mesmos?
Ambos estão bem, porque a relação entre o exterior e o interior na
missão não é a de dizer que “somos uma seita, nós temos a verdade e
saímos para leva-la às pessoas que estão completamente fora’: o mistério
consiste no fato de que quem está fora da Igreja, foi, ao mesmo tempo
criado por quem está dentro da Igreja, não existe nada de absolutamente
fora da Igreja; as coisas existem, e não estão fora da Igreja; mas é a
Igreja que foi criada pelo Criador. A missão para nós não é aquela do
proselitismo, para encontrar alguém e reduzi-lo às nossas ideias, mas é,
ao mesmo tempo, um sair e atrair. Uma saída porque vamos rumo ao outro,
mas uma atracção porque sentimos, com o seu coração uma certa
ressonância: isso é importante para os cristãos, crer nas palavras de
Jesus: ‘atrairei a mim todos os homens da terra’. É verdade, todos os
homens são atraídos por Cristo, devemos confiar na palavra aqui! Eu
confio e sabem por quê? Porque eu era o homem mais distante de Cristo,
era aquele cuja conversão era a mais improvável, era amargamente
anticlerical. Devemos ter confiança de que o coração do não-cristão, o
coração do inimigo, o coração do perseguidor, é atraído por Cristo.
(21 de Novembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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