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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Turquia: é cada vez mais necessário encontrar formas de convivência

Entrevista com o sacerdote Claudio Monge, o.p., residente em Istambul e consultor do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso


Roma, 27 de Novembro de 2014 (Zenit.org) Rocio Lancho García


Turquia se prepara para receber a visita do Santo Padre neste fim de semana. E lá se encontra Claudio Monge o.p., um dominicano que mora em Istambul e é residente na Turquia há mais de 10 anos, mas frequenta o país desde 1997. Além da vida da comunidade, da qual foi superior durante 7 anos, é responsável do DOST-I, um centro cultural que permite acolher estudantes, em grande parte turcos, para ajuda-los nas suas pesquisas e estudos. Por outro lado, criou uma pequena biblioteca que lida com questões de teologia ocidental e teologia do diálogo inter-religioso, mística comparada, e outro pequeno sector de história da presença das ordens religiosas nesta região do Oriente Médio. Também, há vários anos, se ocupa da animação de uma oração ecuménica com um grupo de jovens. Além do trabalho pastoral, é também professor de teologia das religiões e o diálogo inter-religioso na Universidade de Fribourg (Suíça). Em Abril, foi nomeado pelo Papa Francisco como consultor do Pontifício Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso.

ZENIT conversou com ele para aprofundar alguns aspectos sobre a viagem do Papa a um país predominantemente muçulmano, que também recebeu a visita de Bento XVI em 2006. Por outro lado, o padre Claudio explicou como é a situação dos cristãos neste país, e o que significa ser uma minoria. Um grande trabalho o do ecumenismo e do diálogo inter-religioso é o que se deve realizar na nação turca que, embora ainda haja muito trabalho pela frente "temos esperança porque o Espírito Santo continua soprando”.

ZENIT: Menos de 1 por cento da população turca é cristão. Como é que esta pequena comunidade está se preparando para a viagem do Santo Padre?
- Pe. Monge: Esta premissa é muito importante. Não é possível imaginar algo muito visível. É uma pequena comunidade que tenta prepara as coisas. Não somente somos uma ínfima minoria, é preciso ter em conta a variedade de igrejas e de ritos. Na origem desta viagem papal está o convite do patriarca ortodoxo Bartolomeu, dentro de uma relação muito fraterna que há entre eles e de uma tradição que inclui a presença de representantes das duas igrejas nas festividades patronais. Obviamente, o Papa vem como chefe da Igreja Católica e como católicos tentamos preparar-nos da melhor forma possível e viver plenamente o encontro com Francisco na eucaristia do sábado, 29. Uma preparação muito complicada, porque só os católicos nos expressamos em quatro ritos diferentes – latino, arménio, siríaco, caldeu – porque a diversidade linguística e cultural é muito importante. O fato de estar juntos em uma única celebração eucarística é já uma prova.

ZENIT: Quais lembranças você traz da visita do Papa Bento XVI à Turquia em 2006? Que frutos teve?
- Pe. Monge: A primeira lembrança que tenho é que essa visita se contextualizava em um momento muito especial, onde a figura do Papa na Turquia não tinha "boa publicidade". Estávamos há algumas semanas do famoso discurso em Regensburg. Estávamos em plena crise internacional por causa das caricaturas de Maomé. Havia uma tensão enorme e certo mundo islâmico não considerava o chefe da Igreja Católica como amigo. Hoje, Francisco chega com outro tipo de "publicidade", embora agora também não estejamos em uma situação ideal. Por vários motivos, as duas viagens se situam em momentos delicados. Da viagem de Bento XVI lembro que, apesar deste ponto de partida difícil, foi realmente uma recuperação quase milagrosa da relação do Papa com o mundo turco. Em poucas horas, da página 15 passou à primeira página dos jornais, também graças a gestos surpreendentes que não imaginavam de Bento Bento XVI.

Sobre os frutos é difícil responder. Uma viagem, por si só, ainda que seja importante, não pode fazer primavera. Pode ser um momento importante de impulso, convite à reflexão, mas o problema é a capacidade de concretizar no dia a dia estes estímulos e entusiasmo. Neste sentido, é importante destacar o Sínodo sobre o Oriente Médio que nos deu premissas importantes, se insistiu que a unidade e colaboração fossem o primeiro testemunho e não apenas alternativas ao testemunho.

ZENIT: Qual é o ambiente na Turquia antes da viagem apostólica? Qual é a opinião sobre o Papa?
- Pe. Monge: É preciso compreender que da viagem não se sabe muito. Um papa católico não pode ter na Turquia, um país 99 por cento muçulmano, o mesmo impacto que tem no Ocidente. Para as pessoas, o Papa Francisco é um líder religioso... tem o mesmo efeito que se um líder islâmico de um grupo particular fosse ao Ocidente. Certamente, nos dias da visita, do ponto de vista mediático, será suficiente uma palavra ou um encontro para aumentar a atenção.

Outra coisa é a nível de autoridades religiosas ou do mundo político. Cada um o vê da sua óptica ou dos seus interesses. Mas, certamente, acontecerá como em 2006, que nos dias da visita estará nas primeiras páginas dos jornais.

ZENIT: Em um país como a Turquia, onde os cristãos são uma minoria, como é trabalhado o diálogo inter-religioso?
- Pe. Monge: É preciso entender o que compreendemos por diálogo inter-religioso. Mais e mais estou convencido de que o diálogo islâmico cristão como tal não existe, porque não existe um diálogo de sistemas. O que sim existe, e sou testemunha, é um diálogo quotidiano entre os crentes, entre pessoas. E antes de tudo se expressa com uma necessidade de cidadania compartilhada, morar juntos. Cada vez é mais necessário encontrar modos de convivência. Depois, obviamente, existem iniciativas que são mais a nível dos crentes. Existem indivíduos, mais do que instituições, e certos grupos que fazem deste intercâmbio espiritual teológico a sua principal vocação.

Nos últimos anos, na Turquia, houve um crescimento da importância simbólica desta terra, terra de Abraão, pai comum na fé. E há também existem cursos, seminários ... em que se aborda este tema.

ZENIT: E nesta realidade, os cristãos se sentem discriminados como uma minoria?
- Pe. Monge:  Certamente, o fato de que ainda existem grupos minoritários que não se beneficiam de reconhecimento legal levou a discriminações. Discriminações que, ao longo dos anos, se têm acentuado porque há a obrigação de se colocar no documento de identidade a pertença religiosa. Nesse sentido, sim. A discriminação ainda está presente hoje. Além disso, neste momento, se multiplicam as dificuldades que vão além da discriminação religiosa e afectam especialmente os estrangeiros. Estamos em um momento em que conseguir um visto de residência ficou muito difícil.

ZENIT: Como se deve trabalhar no ecumenismo, tão importante em um país onde há variedades de ritos?
- Pe. Monge: Devemos observar que as relações no vértice, entre os responsáveis das Igrejas, não correspondem necessariamente com as relações na base. Estou convencido de que a primeira coisa urgente é o encontro recíproco. O facto de encontrar momentos para rezar juntos como cristãos, não rezar ao lado cada um fazendo a sua oração, mas rezar juntos; é o primeiro. Além do mais, para avançar no processo ecuménico seria preciso fazer um projecto mais estruturado de formação. Creio que isso é um problema geral: ter uma verdadeira formação. Outro tema a se ter em conta é a fratura entre as gerações. Esta é causada por uma histórica tendência das Igrejas orientais a identificar fé e identidade étnico-culturais: a história das Millet otomanas, as Igrejas-nações que reivindicavam uma autonomia com relação ao mundo turco identificado com o Islão. O fervor religioso que se torna em operador identitário contribui à firmeza dos ritos e das crenças que dizem pouco ou nada às jovens gerações. Este romper com as Igrejas identitárias tem a romper com a fé em breve.

É um caminho longo e difícil, mas temos esperança porque o Espírito Santo continua soprando e ele trabalha, mas também temos que deixa-lo trabalhar.

ZENIT: Oriente Médio está passando por uma situação muito delicada e dolorosa, como isso é vivido na Turquia?
- Pe. Monge: Na Turquia se vive muito fortemente a crise palestina-israelense.  Sabemos que nos últimos anos houve uma nova posição oficial das autoridades turcas que, historicamente, sempre estiveram perto do governo de Israel. O problema é que, no momento, não parece que este assunto avance. E estamos convencidos de que a solução de muitos problemas da região depende muito da solução do problema palestino-israelita porque se torna numa espécie de símbolo que justifica muitas violências.

Depois, nós também vivemos o drama humanitário dos imigrantes. Turquia hospeda mais de um milhão de refugiados sírios, alguns também do norte do Iraque... não é possível fechar os olhos com relação a esta situação. E há uma sensação de impotência, e o que impressiona é a tragédia humanitária, que não é só dos cristãos. Não é possível ver o drama só do ponto de vista confessional. Não há um futuro sem o reconhecimento de uma humanidade comum de todas as vítimas destas tragédias e na ausência de uma condenação sem desprezo da sacralidade da vida feito, muitas vezes, em nome de Deus, que afirmamos como Criador.

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