A comunhão aos recasados foi o problema de uma época em que as pessoas ainda valorizavam o Sacramento do Matrimónio
Rio de Janeiro, 03 de Novembro de 2014 (Zenit.org) Pe. Anderson Alves
Dissemos anteriormente
que a questão da comunhão dada aos divorciados e novamente casados não é
central na pastoral familiar, além de ser uma discussão anacrónica. O
mesmo ensino da Familiaris Consortio aparece no Catecismo da Igreja Católica, n.º 1650 (de 1992); na Carta Annus internationalis Familiae da Congregação para a Doutrina da Fé de 1994[1]; e no documento de 1998 da mesma Congregação, o qual respondia às objecções levantadas àqueles documentos[2].
Importante também é um documento do Conselho Pontifício para os Textos
Legislativos sobre a admissão à santa Comunhão dos fiéis divorciados que
contraíram novas núpcias, de 24 de Junho de 2000[3]; o mesmo tema foi discutido no Sínodo sobre a Eucaristia do ano 2005 e a mesma decisão foi expressa no número 29 da Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis[4].
A declaração do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos esclarece o sentido do cânon 915 do Código de Direito Canónico,
o qual declara: «Não sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados
e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros
que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto». E
interpreta aquele texto com a seguinte norma: «A proibição feita no
citado cânone, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o
âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir
modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja». E
adiante esclarece o sentido da mesma norma: «considerando a natureza da
já mencionada norma, nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em
caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar
directrizes que a contradigam».
Poderia, pois, ser alterada a disciplina da Igreja sobre a Comunhão
dada aos divorciados que contrariam novas núpcias? Se isso ocorresse,
não há dúvidas de que causaria muita confusão entre os fiéis e pastores
da Igreja. Pois objectivamente implantaria contradições no Magistério da
Igreja e criaria um clima de instabilidade doutrinal a ser curado em
longo prazo. Mas vale a pena assumir uma contradição para resolver um
problema que é cada vez mais raro? Além disso, a questão principal não é
estatística, mas da verdade revelada. E a dita contradição não poderia
levar os fiéis a pensar que a doutrina e a disciplina católicas dependem
do gosto pessoal do legislador do momento, e que não seria algo
objectivo e desenvolvido harmonicamente, a partir dos ensinamentos de
Jesus Cristo?
E os pastores que sempre pretendem obedecer ao Magistério teriam que
enfrentar um grave problema de consciência: a qual posicionamento
obedecer? Ao mais antigo ou ao mais recente? Se há rupturas no
ensinamento, caberia a pergunta: qual deles está expressando a sabedoria
e a vontade de Cristo? Isso não levaria a cada um fazer o que bem
entender? Os que não tiverem essas dificuldades e se adaptarem sem
dificuldades à última legislação, mesmo se contraditória com as
anteriores, demonstrariam falta de convicções sólidas. Mas isso ajudaria
realmente o povo católico ou causaria mais confusão?
Na sua viagem à Coreia do Sul o papa Francisco disse aos bispos
asiáticos algo admirável: «o relativismo actual obscurece o esplendor da
verdade e, abalando a terra sob os nossos pés, impele-nos para areias
movediças: as areias movediças da confusão e do desespero»[5]. De
fato, o relativismo é como uma areia movediça que lentamente elimina
toda vida que nele se move. Entretanto, ao vermos decisões magisteriais
tão recentes e seguras sendo discutidas em público, não poderíamos
suspeitar de que as areias movediças do relativismo avançam em direcção à
mesma Igreja Católica?
Em síntese, a possibilidade de dar a comunhão aos divorciados que
vivem em uma nova união não causaria mais danos do que bens à Igreja?
Uma possível mudança na disciplina não incidiria uma espécie de desprezo
por aqueles fiéis que foram abandonados no seu casamento e mesmo assim
vivem castamente por fidelidade ao Sacramento do Matrimónio e da
Eucaristia? E os que passam dificuldades no próprio matrimónio, não
poderiam se sentir incentivados a se separar e se unir a outra pessoa,
uma vez que isso não os afastaria da Comunhão eucarística? Em outras
palavras, a dita mudança disciplinar não poderia fazer aumentar a
mentalidade “divorcista” entre os mesmos católicos, aumentando a actual
crise do matrimónio, em vez de enfrentá-la? O remédio não seria pior do
que a enfermidade?
Mais do que isso: se esses fiéis que vivem numa situação objectiva de
pecado podem receber a Eucaristia, por que outros também não poderiam?
Por que não poderia recebê-la quem convive sem ser casado, ou quem vive
na poligamia? O documento do Conselho Pontifício para os Textos
Legislativos do ano 2000 disse que dar a comunhão aos “recasados” seria
«um comportamento que atenta aos direitos da Igreja e de todos os fiéis
de viver em coerência com as exigências dessa comunhão»[6]. De
fato, se esses fiéis podem viver de forma incoerente com a própria fé,
por que outros não o poderiam? Não estaríamos assim nos acomodando à
mentalidade da época, cedendo a certo “populismo mediático” em vez de
elevar as culturas a Cristo? E o que seria do Sacramento da Penitência?
Para que nos confessarmos, se nenhum pecado romperia no fundo a comunhão
do fiel com a Igreja? Mas se for assim, o que significariam para nós as
palavras de São Paulo: «E, assim, todo aquele que comer o pão ou beber o
cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor.
Examine-se cada qual a si mesmo e, então, coma desse pão e beba desse
cálice. Aquele que come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e
bebe a própria condenação» (1 Cor 11, 27-29)?
[1] Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_14091994_rec-holy-comm-by-divorced_po.html
[2] Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19980101_ratzinger-comm-divorced_po.html
[3] Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html
[4] Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/apost_exhortations/documents/hf_ben-xvi_exh_20070222_sacramentum-caritatis_po.html
[5] Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/august/documents/papa-francesco_20140817_corea-vescovi-asia.html
[6] Cf. http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html
(03 de Novembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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