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terça-feira, 4 de novembro de 2014

Levar a comunhão aos divorciados ou os divorciados à comunhão? (II Parte)

A comunhão aos recasados foi o problema de uma época em que as pessoas ainda valorizavam o Sacramento do Matrimónio


Rio de Janeiro, 03 de Novembro de 2014 (Zenit.org) Pe. Anderson Alves


Dissemos anteriormente que a questão da comunhão dada aos divorciados e novamente casados não é central na pastoral familiar, além de ser uma discussão anacrónica. O mesmo ensino da Familiaris Consortio aparece no Catecismo da Igreja Católica, n.º 1650 (de 1992); na Carta Annus internationalis Familiae da Congregação para a Doutrina da Fé de 1994[1]; e no documento de 1998 da mesma Congregação, o qual respondia às objecções levantadas àqueles documentos[2]. Importante também é um documento do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos sobre a admissão à santa Comunhão dos fiéis divorciados que contraíram novas núpcias, de 24 de Junho de 2000[3]; o mesmo tema foi discutido no Sínodo sobre a Eucaristia do ano 2005 e a mesma decisão foi expressa no número 29 da Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis[4].

A declaração do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos esclarece o sentido do cânon 915 do Código de Direito Canónico, o qual declara: «Não sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto». E interpreta aquele texto com a seguinte norma: «A proibição feita no citado cânone, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja». E adiante esclarece o sentido da mesma norma: «considerando a natureza da já mencionada norma, nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes que a contradigam».

Poderia, pois, ser alterada a disciplina da Igreja sobre a Comunhão dada aos divorciados que contrariam novas núpcias? Se isso ocorresse, não há dúvidas de que causaria muita confusão entre os fiéis e pastores da Igreja. Pois objectivamente implantaria contradições no Magistério da Igreja e criaria um clima de instabilidade doutrinal a ser curado em longo prazo. Mas vale a pena assumir uma contradição para resolver um problema que é cada vez mais raro? Além disso, a questão principal não é estatística, mas da verdade revelada. E a dita contradição não poderia levar os fiéis a pensar que a doutrina e a disciplina católicas dependem do gosto pessoal do legislador do momento, e que não seria algo objectivo e desenvolvido harmonicamente, a partir dos ensinamentos de Jesus Cristo?

E os pastores que sempre pretendem obedecer ao Magistério teriam que enfrentar um grave problema de consciência: a qual posicionamento obedecer? Ao mais antigo ou ao mais recente? Se há rupturas no ensinamento, caberia a pergunta: qual deles está expressando a sabedoria e a vontade de Cristo? Isso não levaria a cada um fazer o que bem entender? Os que não tiverem essas dificuldades e se adaptarem sem dificuldades à última legislação, mesmo se contraditória com as anteriores, demonstrariam falta de convicções sólidas. Mas isso ajudaria realmente o povo católico ou causaria mais confusão?

Na sua viagem à Coreia do Sul o papa Francisco disse aos bispos asiáticos algo admirável: «o relativismo actual obscurece o esplendor da verdade e, abalando a terra sob os nossos pés, impele-nos para areias movediças: as areias movediças da confusão e do desespero»[5]. De fato, o relativismo é como uma areia movediça que lentamente elimina toda vida que nele se move. Entretanto, ao vermos decisões magisteriais tão recentes e seguras sendo discutidas em público, não poderíamos suspeitar de que as areias movediças do relativismo avançam em direcção à mesma Igreja Católica?

Em síntese, a possibilidade de dar a comunhão aos divorciados que vivem em uma nova união não causaria mais danos do que bens à Igreja? Uma possível mudança na disciplina não incidiria uma espécie de desprezo por aqueles fiéis que foram abandonados no seu casamento e mesmo assim vivem castamente por fidelidade ao Sacramento do Matrimónio e da Eucaristia? E os que passam dificuldades no próprio matrimónio, não poderiam se sentir incentivados a se separar e se unir a outra pessoa, uma vez que isso não os afastaria da Comunhão eucarística? Em outras palavras, a dita mudança disciplinar não poderia fazer aumentar a mentalidade “divorcista” entre os mesmos católicos, aumentando a actual crise do matrimónio, em vez de enfrentá-la? O remédio não seria pior do que a enfermidade?

Mais do que isso: se esses fiéis que vivem numa situação objectiva de pecado podem receber a Eucaristia, por que outros também não poderiam? Por que não poderia recebê-la quem convive sem ser casado, ou quem vive na poligamia? O documento do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos do ano 2000 disse que dar a comunhão aos “recasados” seria «um comportamento que atenta aos direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa comunhão»[6]. De fato, se esses fiéis podem viver de forma incoerente com a própria fé, por que outros não o poderiam? Não estaríamos assim nos acomodando à mentalidade da época, cedendo a certo “populismo mediático” em vez de elevar as culturas a Cristo? E o que seria do Sacramento da Penitência? Para que nos confessarmos, se nenhum pecado romperia no fundo a comunhão do fiel com a Igreja? Mas se for assim, o que significariam para nós as palavras de São Paulo: «E, assim, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se cada qual a si mesmo e, então, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação» (1 Cor 11, 27-29)?


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