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sábado, 23 de agosto de 2014

Uma emissora católica ugandesa resgatava meninos-soldados transmitindo-lhes o perdão pelos seus crimes

Radio Wa: odiada pelos senhores da guerra 

Uma vez convertidos em assassinos, os pequenos ficam
à mercê dos senhores da guerra.
Actualizado 12 de Julho de 2014

Egidio Picucci / Tempi.it
A globalização não podia ignorar África: de facto, invadiu-a de norte a sul. Demonstra-o a utilização do telemóvel, que já alcançou as aldeias mais remotas e que segundo os especialistas está nas mãos de 80 por cento dos africanos, muitos dos quais o usam para escutar a rádio, grande paixão das pessoas. Quem não tem telemóvel leva consigo um transístor, ainda que seja para escutar música.

"Pode-se dizer — escreveu Alberto Eisman na publicação mensal missionária Mundo Negro — que este foi (e é) o instrumento privilegiado para difundir o bem e o mal. Sem Rádio Livre das Mil Colinas e Rádio Muabura, por exemplo, o genocídio ruandês não só não se teria estendido tão rapidamente, mas sim que não se teriam cometido as atrocidades que o ensanguentaram de maneira tão monstruosa. A rádio é como uma faca que pode ser utilizada tanto para cortar um bom doce como para cometer um crime atroz".

Rádio Wa, vinte anos resgatando crianças
A sua difusão, de todas as formas, fez e faz um bom serviço também às emissoras católicas, presentes já em cada uma das dioceses do continente. Uma das mais conhecidas e seguidas é a ugandesa Rádio Wa (Nossa Rádio, em língua luo), da diocese de Lira, benemérita desde os tempos da guerra desencadeada pelo Exército de Resistência do Senhor, o Lord’s Resistance Army (Lra), activo desde 1987, quando indicava os movimentos dos soldados, permitindo às pessoas esconder-se na selva, refugiar-se nas missões católicas, nas cidades ou pedir ajuda ao exército do governo.

Um dia a emissora mandou para o ar o programa Karibu (Bemvindo, na língua suahili), destinado aos meninos e adolescentes que nos anos 85-90 eram sequestrados e alistados por essas milícias. Sabia-se com segurança que eles tinham conseguido pequenos transístores clandestinos que escutavam com interesse, também porque nos microfones da rádio diocesana se alternavam os familiares e as pessoas das suas aldeias, enviando notícias, saudações, ânimo e convites à reconciliação.

Como voltar ao lugar onde assassinaste?
Porque os rapazes demonstravam tanto interesse? Todos sabiam que durante o assalto às cabanas os soldados do Lra, para assegurar-se de que os rapazes não voltavam jamais às suas aldeias, os obrigavam a matar as pessoas, incluindo às vezes os seus próprios parentes. Por conseguinte, nenhum deles teria cometido a imprudência de voltar depois de ter eliminado um irmão, um amigo, um companheiro de escola. A redacção da rádio conhecia esta táctica e começou a transmitir mensagens de perdão para quem quisesse voltar ao lugar onde tinha sido sequestrado.

Graças à Karibu, muitos rapazes conseguiram escutar semanalmente a voz dos seus pais, parentes e amigos, que os convidavam a ter confiança num futuro distinto do que viviam no bando se voltassem a casa, onde seriam acolhidos com os braços abertos porque todos tinham esquecido o que tinha sucedido.

A insistência destes convites não só aliviava os rapazes, mas animava-os a descobrir o modo de fugir dos campos de reclusão, desafiando as incógnitas da selva. Os soldados redobraram a vigilância, mas não conseguiram eliminar as fugas.

Quando em Setembro de 2002 entenderam de onde vinha este convite que ameaçava deixá-los sem os seus colaboradores de maior confiança e mais obedientes, atacaram de surpresa a sede da rádio, destruindo-a totalmente.

Afortunadamente, o único empregado que estava trabalhando nesse dia conseguiu salvar-se. Depois de seis meses de silêncio a Rádio Wa retomou regularmente todas as transmissões, incluindo o programa Karibu, graças à ajuda de amigos longínquos e emissoras irmãs, mas emitindo desde um lugar mais seguro e protegido.

Quantificando resultados
Nenhum membro da redacção tinha chegado a saber a influência que teve o programa sobre os rapazes prisioneiros; soube-o quando fontes militares, encarregadas de estudar os “estranhos” afastamentos, revelaram que mil e quinhentos pequenos soldados tinham fugido do cativeiro para volver às suas aldeias. A prova de que tinha sido precisamente Karibu a que os tinha empurrado à fuga teve-se quando, durante as negociações para a paz entre o governo e os militantes do Lord’s Resistance Army, estes pediram que o programa fosse suprimido. A condição foi aceite, se bem que este continua com um nome diferente, mas mais ou menos com o mesmo objectivo.

Actualmente é a organização Meninos Invisíveis a que manda as mensagens em língua acholi e em língua luo aos últimos meninos-soldados que estão ainda nas mãos do exército, dispersos nas selvas dos países vizinhos.

Tradução de Helena Faccia Serrano.


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