Radio Wa: odiada pelos senhores da guerra
Uma vez convertidos em assassinos, os pequenos ficam à mercê dos senhores da guerra. |
Actualizado 12 de Julho de 2014
Egidio Picucci / Tempi.it
A globalização não podia ignorar África: de facto, invadiu-a de norte a sul. Demonstra-o a utilização do telemóvel, que já alcançou as aldeias mais remotas e que segundo os especialistas está nas mãos de 80 por cento dos africanos, muitos dos quais o usam para escutar a rádio, grande paixão das pessoas. Quem não tem telemóvel leva consigo um transístor, ainda que seja para escutar música.
"Pode-se dizer — escreveu Alberto Eisman na publicação mensal missionária Mundo Negro — que este foi (e é) o instrumento privilegiado para difundir o bem e o mal. Sem Rádio Livre das Mil Colinas e Rádio Muabura, por exemplo, o genocídio ruandês não só não se teria estendido tão rapidamente, mas sim que não se teriam cometido as atrocidades que o ensanguentaram de maneira tão monstruosa. A rádio é como uma faca que pode ser utilizada tanto para cortar um bom doce como para cometer um crime atroz".
Rádio Wa, vinte anos resgatando crianças
A sua difusão, de todas as formas, fez e faz um bom serviço também às emissoras católicas, presentes já em cada uma das dioceses do continente. Uma das mais conhecidas e seguidas é a ugandesa Rádio Wa (Nossa Rádio, em língua luo), da diocese de Lira, benemérita desde os tempos da guerra desencadeada pelo Exército de Resistência do Senhor, o Lord’s Resistance Army (Lra), activo desde 1987, quando indicava os movimentos dos soldados, permitindo às pessoas esconder-se na selva, refugiar-se nas missões católicas, nas cidades ou pedir ajuda ao exército do governo.
Egidio Picucci / Tempi.it
A globalização não podia ignorar África: de facto, invadiu-a de norte a sul. Demonstra-o a utilização do telemóvel, que já alcançou as aldeias mais remotas e que segundo os especialistas está nas mãos de 80 por cento dos africanos, muitos dos quais o usam para escutar a rádio, grande paixão das pessoas. Quem não tem telemóvel leva consigo um transístor, ainda que seja para escutar música.
"Pode-se dizer — escreveu Alberto Eisman na publicação mensal missionária Mundo Negro — que este foi (e é) o instrumento privilegiado para difundir o bem e o mal. Sem Rádio Livre das Mil Colinas e Rádio Muabura, por exemplo, o genocídio ruandês não só não se teria estendido tão rapidamente, mas sim que não se teriam cometido as atrocidades que o ensanguentaram de maneira tão monstruosa. A rádio é como uma faca que pode ser utilizada tanto para cortar um bom doce como para cometer um crime atroz".
Rádio Wa, vinte anos resgatando crianças
A sua difusão, de todas as formas, fez e faz um bom serviço também às emissoras católicas, presentes já em cada uma das dioceses do continente. Uma das mais conhecidas e seguidas é a ugandesa Rádio Wa (Nossa Rádio, em língua luo), da diocese de Lira, benemérita desde os tempos da guerra desencadeada pelo Exército de Resistência do Senhor, o Lord’s Resistance Army (Lra), activo desde 1987, quando indicava os movimentos dos soldados, permitindo às pessoas esconder-se na selva, refugiar-se nas missões católicas, nas cidades ou pedir ajuda ao exército do governo.
Um dia a emissora mandou para o ar o programa Karibu (Bemvindo, na língua suahili), destinado aos meninos e adolescentes que nos anos 85-90 eram sequestrados e alistados por essas milícias. Sabia-se com segurança que eles tinham conseguido pequenos transístores clandestinos que escutavam com interesse, também porque nos microfones da rádio diocesana se alternavam os familiares e as pessoas das suas aldeias, enviando notícias, saudações, ânimo e convites à reconciliação.
Como voltar ao lugar onde assassinaste?
Porque os rapazes demonstravam tanto interesse? Todos sabiam que durante o assalto às cabanas os soldados do Lra, para assegurar-se de que os rapazes não voltavam jamais às suas aldeias, os obrigavam a matar as pessoas, incluindo às vezes os seus próprios parentes. Por conseguinte, nenhum deles teria cometido a imprudência de voltar depois de ter eliminado um irmão, um amigo, um companheiro de escola. A redacção da rádio conhecia esta táctica e começou a transmitir mensagens de perdão para quem quisesse voltar ao lugar onde tinha sido sequestrado.
Graças à Karibu, muitos rapazes conseguiram escutar semanalmente a voz dos seus pais, parentes e amigos, que os convidavam a ter confiança num futuro distinto do que viviam no bando se voltassem a casa, onde seriam acolhidos com os braços abertos porque todos tinham esquecido o que tinha sucedido.
A insistência destes convites não só aliviava os rapazes, mas animava-os a descobrir o modo de fugir dos campos de reclusão, desafiando as incógnitas da selva. Os soldados redobraram a vigilância, mas não conseguiram eliminar as fugas.
Quando em Setembro de 2002 entenderam de onde vinha este convite que ameaçava deixá-los sem os seus colaboradores de maior confiança e mais obedientes, atacaram de surpresa a sede da rádio, destruindo-a totalmente.
Afortunadamente, o único empregado que estava trabalhando nesse dia conseguiu salvar-se. Depois de seis meses de silêncio a Rádio Wa retomou regularmente todas as transmissões, incluindo o programa Karibu, graças à ajuda de amigos longínquos e emissoras irmãs, mas emitindo desde um lugar mais seguro e protegido.
Quantificando resultados
Nenhum membro da redacção tinha chegado a saber a influência que teve o programa sobre os rapazes prisioneiros; soube-o quando fontes militares, encarregadas de estudar os “estranhos” afastamentos, revelaram que mil e quinhentos pequenos soldados tinham fugido do cativeiro para volver às suas aldeias. A prova de que tinha sido precisamente Karibu a que os tinha empurrado à fuga teve-se quando, durante as negociações para a paz entre o governo e os militantes do Lord’s Resistance Army, estes pediram que o programa fosse suprimido. A condição foi aceite, se bem que este continua com um nome diferente, mas mais ou menos com o mesmo objectivo.
Actualmente é a organização Meninos Invisíveis a que manda as mensagens em língua acholi e em língua luo aos últimos meninos-soldados que estão ainda nas mãos do exército, dispersos nas selvas dos países vizinhos.
Tradução de Helena Faccia Serrano.
Como voltar ao lugar onde assassinaste?
Porque os rapazes demonstravam tanto interesse? Todos sabiam que durante o assalto às cabanas os soldados do Lra, para assegurar-se de que os rapazes não voltavam jamais às suas aldeias, os obrigavam a matar as pessoas, incluindo às vezes os seus próprios parentes. Por conseguinte, nenhum deles teria cometido a imprudência de voltar depois de ter eliminado um irmão, um amigo, um companheiro de escola. A redacção da rádio conhecia esta táctica e começou a transmitir mensagens de perdão para quem quisesse voltar ao lugar onde tinha sido sequestrado.
Graças à Karibu, muitos rapazes conseguiram escutar semanalmente a voz dos seus pais, parentes e amigos, que os convidavam a ter confiança num futuro distinto do que viviam no bando se voltassem a casa, onde seriam acolhidos com os braços abertos porque todos tinham esquecido o que tinha sucedido.
A insistência destes convites não só aliviava os rapazes, mas animava-os a descobrir o modo de fugir dos campos de reclusão, desafiando as incógnitas da selva. Os soldados redobraram a vigilância, mas não conseguiram eliminar as fugas.
Quando em Setembro de 2002 entenderam de onde vinha este convite que ameaçava deixá-los sem os seus colaboradores de maior confiança e mais obedientes, atacaram de surpresa a sede da rádio, destruindo-a totalmente.
Afortunadamente, o único empregado que estava trabalhando nesse dia conseguiu salvar-se. Depois de seis meses de silêncio a Rádio Wa retomou regularmente todas as transmissões, incluindo o programa Karibu, graças à ajuda de amigos longínquos e emissoras irmãs, mas emitindo desde um lugar mais seguro e protegido.
Quantificando resultados
Nenhum membro da redacção tinha chegado a saber a influência que teve o programa sobre os rapazes prisioneiros; soube-o quando fontes militares, encarregadas de estudar os “estranhos” afastamentos, revelaram que mil e quinhentos pequenos soldados tinham fugido do cativeiro para volver às suas aldeias. A prova de que tinha sido precisamente Karibu a que os tinha empurrado à fuga teve-se quando, durante as negociações para a paz entre o governo e os militantes do Lord’s Resistance Army, estes pediram que o programa fosse suprimido. A condição foi aceite, se bem que este continua com um nome diferente, mas mais ou menos com o mesmo objectivo.
Actualmente é a organização Meninos Invisíveis a que manda as mensagens em língua acholi e em língua luo aos últimos meninos-soldados que estão ainda nas mãos do exército, dispersos nas selvas dos países vizinhos.
Tradução de Helena Faccia Serrano.
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