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sábado, 30 de agosto de 2014

Do Brasil à Puglia: uma missão perpétua

Em seu último livro, o Arcebispo de Taranto, Dom Filippo Santoro reflecte sobre a contribuição da Conferência de Aparecida de 2007 e os desafios para o catolicismo latino-americano e italiano


Roma, 29 de Agosto de 2014 (Zenit.org) Luca Marcolivio


Transmitir a experiência da Conferência de Aparecida para os fiéis de todo o mundo, fora das fronteiras da América Latina. Este é o objetivo do último livro assinado pelo Arcebispo de Taranto, Dom Filippo Santoro, intitulado “La forza del fascino Cristiano. Il contributo di um testimone della Conferenza di Aparecida” (A força do encanto cristão. A contribuição de uma testemunha da Conferência de Aparecida (Itaca, 2014).

A obra repercorre e actualiza os pontos principais da V Conferência do Episcopado Latino-Americano, realizada em 2007, com um papel importante desempenhado pelo então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio.

À margem da apresentação do livro, que aconteceu ontem no Meeting de Rímini, ZENIT encontrou o autor, que traçou as semelhanças e diferenças entre os desafios da evangelização na América Latina (Monsenhor Santoro, além de participar das sessões de Aparecida, durante muitos anos foi missionário no Brasil) e na Europa, especialmente na Itália.

ZENIT: Vossa Excelência, como surgiu a ideia de um livro sobre a conferência de Aparecida?
Dom Santoro: O livro responde à necessidade de introduzir também na Itália a Conferência de Aparecida, um evento que, fora da América Latina, pouco se sabe, a tal ponto que, durante um Sínodo, um bispo australiano me perguntou: "Who is Aparecida?", como se se tratasse de uma mulher... a chave de leitura do livro é precisamente a experiência da beleza e do atractivo cristão. Na conferência de Aparecida se enfrentam todas as problemáticas da América Latina, no entanto, como explicitado em um discurso do Cardeal Bergoglio, isso acontece a partir da experiência da fé, a partir do ser, do coração e do olhar dos discípulos missionários. Nesta perspectiva os passos indispensáveis são dados pela formação dos discípulos missionários, depois são propostas várias opções entre as quais a retomada e o aprofundamento da opção preferencial pelos pobres.

ZENIT: Poderíamos dizer que Aparecida, em virtude do papel fundamental desempenhado pelo então cardeal Bergoglio, representa uma espécie de manifesto programático do pontificado do Papa Francisco, que teria começado seis anos mais tarde?
Dom Santoro: O verdadeiro documento programático do Papa Bergoglio é a exortação apostólica Evangelii Gaudium, que não somente está cheia de citações de Aparecida, mas do espírito de Aparecida. É um documento cheio da experiência que o cardeal Bergoglio fez, conseguindo sintetizar vários elementos e desafios que, às vezes de modo conflituante, surgiram em Aparecida. Na redacção Bergoglio, portanto, reuniu todos os estímulos vindos da galáxia da Teologia da Libertação, das seitas, do fenómeno da secularização, da pobreza, da corrupção, dos direitos humanos, da dignidade da pessoa: tudo isso foi colocado em um contexto que centraliza a beleza do ser discípulos de Cristo, pessoas que encontraram o Senhor, ficaram fascinadas e o seguiram, portanto entram no cerne dos problemas com um coração e um olhar novo. Aparecida é, certamente, uma das vertentes do Magistério do Papa que não é um magistério sectorial ou ‘local’ mas é proposto para toda a Igreja, porque aprofunda o essencial: o amor de Cristo que chega através da morte e da Ressurreição, da sua misericórdia, da proximidade de Deus connosco.

ZENIT: Qual é a maior lição que recebemos da religiosidade dos povos latino-americanos?
Dom Santoro: A primeira lição é aquela da implementação do Concílio, um objectivo assumido por todas as conferências do episcopado latino-americano, de Medellín (1968), passando por Puebla (1979) e Santo Domingo (1992), para chegar finalmente a Aparecida.

Isto foi vivido em um ambiente dominado pela fé católica e por um marcado entusiasmo, mas a expansão das seitas foi como uma chicotada, questionou profundamente os católicos sobre o que queriam fazer, especialmente para as classes mais baixas, onde tinha surgido a Teologia da Libertação, mas, no final, muitos pobres terminaram acabando nas seitas.

Há, portanto, um interesse em melhorar as condições humanas e sociais, mas, sobretudo, de repropor a mensagem de Cristo em sua beleza. A novidade na Igreja da América Latina se deve à experiência que o Espírito suscitou através das novas comunidades, movimentos, comunidades de base (que também se inspiram em parte na Teologia da Libertação), comunidades paroquiais, pequenas comunidades. Esta experiência coloca a fé no centro da existência, não apenas como uma premissa, mas também como dinâmica de agregação, de unidade das pessoas, de atenção aos dramas das pessoas. Esta é a experiência que anima a Igreja na América Latina: o encontro com o Senhor vivido no seguimento, no louvor, no canto, na solidariedade e nesta experiência é possível viver com intensidade a opção preferencial pelos pobres, que em Aparecida não foi esvaziado ou empobrecido, mas intensificou-se, porque o coração de Cristo se faz próximo do povo.

ZENIT: O senhor tem um passado de missionário no Brasil: como revive esta experiência em seu ministério episcopal actual?
Dom Santoro: Assim que eu cheguei em Taranto, encontrei-me diante de desafios muito grandes. A lição que recebi na América Latina foi principalmente a proximidade com as pessoas. Uma das primeiras visitas que fiz em minha diocese actual foi em um hospital, onde me encontrei com todos os pacientes; mais tarde visitei a prisão onde a directora queira fazer-me encontrar com 70 dos 700 detidos, mas eu quis visitar todos os sectores, mesmo que me disseram que era perigoso. Quis cumprimentá-los um por um, apertando as mãos deles através das grades da prisão e lhes disse: "se você estão aqui é porque fizeram algo, mas a dignidade não perderam, podem recuperá-la plenamente”. Com a eclosão do caso do ILVA, coloquei-me em contacto com os trabalhadores em greve e participei de vários congressos e seminários médicos promovidos para a leucemia e outras doenças provocadas pela poluição do ILVA e de outras fábricas. O aspecto missionário, portanto, era deixar acontecer os desafios, mas o coração é aquele de comunicar a esperança cristã, estar próximo das pessoas para que encontrem a Igreja não como um conjunto de doutrinas ou de normas mas como uma vida onde se reflecte a a beleza de Cristo que te pega e não larga mais.

ZENIT: Quanto à Igreja italiana, quais são seus pontos fortes?
Dom Santoro: A experiência italiana é notável, em particular, do ponto de vista da catequese. O itinerário catequético até agora realizado representa uma riqueza, não só para a Itália, mas também para outros países. Há, portanto, a valorização de certas realidade ligadas à devoção popular. Em Taranto, por exemplo, encontro uma grande religiosidade popular que sintoniza fortemente com um dos mais belos capítulos de Aparecida, que é a piedade popular. Na Itália, muitas vezes tenho encontrado uma agudeza na fé, uma inteligência da fé, profunda, sistemática, intensa, que desempenha melhor o nível próprio da experiência e, portanto, da proximidade com os problemas vividos pelas pessoas. 

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