Em seu último livro, o Arcebispo de Taranto, Dom Filippo Santoro reflecte sobre a contribuição da Conferência de Aparecida de 2007 e os desafios para o catolicismo latino-americano e italiano
Roma, 29 de Agosto de 2014 (Zenit.org) Luca Marcolivio
Transmitir a experiência da Conferência de Aparecida para os
fiéis de todo o mundo, fora das fronteiras da América Latina. Este é o
objetivo do último livro assinado pelo Arcebispo de Taranto, Dom Filippo
Santoro, intitulado “La forza del fascino Cristiano. Il contributo di um testimone della Conferenza di Aparecida” (A força do encanto cristão. A contribuição de uma testemunha da Conferência de Aparecida (Itaca, 2014).
A obra repercorre e actualiza os pontos principais da V Conferência
do Episcopado Latino-Americano, realizada em 2007, com um papel
importante desempenhado pelo então arcebispo de Buenos Aires, Jorge
Mario Bergoglio.
À margem da apresentação do livro, que aconteceu ontem no Meeting de
Rímini, ZENIT encontrou o autor, que traçou as semelhanças e diferenças
entre os desafios da evangelização na América Latina (Monsenhor Santoro,
além de participar das sessões de Aparecida, durante muitos anos foi
missionário no Brasil) e na Europa, especialmente na Itália.
ZENIT: Vossa Excelência, como surgiu a ideia de um livro sobre a conferência de Aparecida?
Dom Santoro: O livro responde à necessidade de introduzir também na
Itália a Conferência de Aparecida, um evento que, fora da América
Latina, pouco se sabe, a tal ponto que, durante um Sínodo, um bispo
australiano me perguntou: "Who is Aparecida?", como se se
tratasse de uma mulher... a chave de leitura do livro é precisamente a
experiência da beleza e do atractivo cristão. Na conferência de Aparecida
se enfrentam todas as problemáticas da América Latina, no entanto, como
explicitado em um discurso do Cardeal Bergoglio, isso acontece a partir
da experiência da fé, a partir do ser, do coração e do olhar dos
discípulos missionários. Nesta perspectiva os passos indispensáveis são
dados pela formação dos discípulos missionários, depois são propostas
várias opções entre as quais a retomada e o aprofundamento da opção
preferencial pelos pobres.
ZENIT: Poderíamos dizer que Aparecida, em virtude do papel
fundamental desempenhado pelo então cardeal Bergoglio, representa uma
espécie de manifesto programático do pontificado do Papa Francisco, que
teria começado seis anos mais tarde?
Dom Santoro: O verdadeiro documento programático do Papa Bergoglio é a
exortação apostólica Evangelii Gaudium, que não somente está cheia de
citações de Aparecida, mas do espírito de Aparecida. É um documento
cheio da experiência que o cardeal Bergoglio fez, conseguindo sintetizar
vários elementos e desafios que, às vezes de modo conflituante, surgiram
em Aparecida. Na redacção Bergoglio, portanto, reuniu todos os estímulos
vindos da galáxia da Teologia da Libertação, das seitas, do fenómeno da
secularização, da pobreza, da corrupção, dos direitos humanos, da
dignidade da pessoa: tudo isso foi colocado em um contexto que
centraliza a beleza do ser discípulos de Cristo, pessoas que encontraram
o Senhor, ficaram fascinadas e o seguiram, portanto entram no cerne dos
problemas com um coração e um olhar novo. Aparecida é, certamente, uma
das vertentes do Magistério do Papa que não é um magistério sectorial ou
‘local’ mas é proposto para toda a Igreja, porque aprofunda o essencial:
o amor de Cristo que chega através da morte e da Ressurreição, da sua
misericórdia, da proximidade de Deus connosco.
ZENIT: Qual é a maior lição que recebemos da religiosidade dos povos latino-americanos?
Dom Santoro: A primeira lição é aquela da implementação do Concílio,
um objectivo assumido por todas as conferências do episcopado
latino-americano, de Medellín (1968), passando por Puebla (1979) e Santo
Domingo (1992), para chegar finalmente a Aparecida.
Isto foi vivido em um ambiente dominado pela fé católica e por um
marcado entusiasmo, mas a expansão das seitas foi como uma chicotada,
questionou profundamente os católicos sobre o que queriam fazer,
especialmente para as classes mais baixas, onde tinha surgido a Teologia
da Libertação, mas, no final, muitos pobres terminaram acabando nas
seitas.
Há, portanto, um interesse em melhorar as condições humanas e
sociais, mas, sobretudo, de repropor a mensagem de Cristo em sua beleza.
A novidade na Igreja da América Latina se deve à experiência que o
Espírito suscitou através das novas comunidades, movimentos, comunidades
de base (que também se inspiram em parte na Teologia da Libertação),
comunidades paroquiais, pequenas comunidades. Esta experiência coloca a
fé no centro da existência, não apenas como uma premissa, mas também
como dinâmica de agregação, de unidade das pessoas, de atenção aos
dramas das pessoas. Esta é a experiência que anima a Igreja na América
Latina: o encontro com o Senhor vivido no seguimento, no louvor, no
canto, na solidariedade e nesta experiência é possível viver com
intensidade a opção preferencial pelos pobres, que em Aparecida não foi
esvaziado ou empobrecido, mas intensificou-se, porque o coração de
Cristo se faz próximo do povo.
ZENIT: O senhor tem um passado de missionário no Brasil: como revive esta experiência em seu ministério episcopal actual?
Dom Santoro: Assim que eu cheguei em Taranto, encontrei-me diante de
desafios muito grandes. A lição que recebi na América Latina foi
principalmente a proximidade com as pessoas. Uma das primeiras visitas
que fiz em minha diocese actual foi em um hospital, onde me encontrei com
todos os pacientes; mais tarde visitei a prisão onde a directora queira
fazer-me encontrar com 70 dos 700 detidos, mas eu quis visitar todos os sectores, mesmo que me disseram que era perigoso. Quis cumprimentá-los
um por um, apertando as mãos deles através das grades da prisão e lhes
disse: "se você estão aqui é porque fizeram algo, mas a dignidade não
perderam, podem recuperá-la plenamente”. Com a eclosão do caso do ILVA,
coloquei-me em contacto com os trabalhadores em greve e participei de
vários congressos e seminários médicos promovidos para a leucemia e
outras doenças provocadas pela poluição do ILVA e de outras fábricas. O
aspecto missionário, portanto, era deixar acontecer os desafios, mas o
coração é aquele de comunicar a esperança cristã, estar próximo das
pessoas para que encontrem a Igreja não como um conjunto de doutrinas ou
de normas mas como uma vida onde se reflecte a a beleza de Cristo que te
pega e não larga mais.
ZENIT: Quanto à Igreja italiana, quais são seus pontos fortes?
Dom Santoro: A experiência italiana é notável, em particular, do
ponto de vista da catequese. O itinerário catequético até agora
realizado representa uma riqueza, não só para a Itália, mas também para
outros países. Há, portanto, a valorização de certas realidade ligadas à
devoção popular. Em Taranto, por exemplo, encontro uma grande
religiosidade popular que sintoniza fortemente com um dos mais belos
capítulos de Aparecida, que é a piedade popular. Na Itália, muitas vezes
tenho encontrado uma agudeza na fé, uma inteligência da fé, profunda,
sistemática, intensa, que desempenha melhor o nível próprio da
experiência e, portanto, da proximidade com os problemas vividos pelas
pessoas.
(29 de Agosto de 2014) © Innovative Media Inc.
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