Vigário apostólico de Aleppo explica a actual situação da cidade e a degeneração da primavera árabe em guerra de milícias estrangeiras
Roma, 27 de Agosto de 2014 (Zenit.org) Sergio Mora
O pior não é apenas a ocupação armada, mas o fato de que as
milícias do Estado Islâmico levem os pregadores até as mesquitas e
templos para pregar o ódio e envolver as mentes mais frágeis, afirmou
ontem, terça-feira, numa conferência de imprensa no Meeting de Rimini, o vigário
apostólico de Aleppo, dom George Abou Khazen, acompanhado pelo seu
antecessor, o bispo Giuseppe Nazzaro.
Respondendo a ZENIT sobre a impressão existente de que os
muçulmanos desses países sejam todos extremistas, ele disse: “Na Síria, a
população muçulmana é muito moderada e continua sendo”. Mas as milícias
estrangeiras “não somente trouxeram as tropas, como também os ulemás e
os sauditas que começaram a pregar um islão absolutamente diferente,
tentando cooptar até as crianças”. Os extremistas instituíram tribunais
islâmicos em que um sírio pode ser julgado por um radical checheno, por
exemplo. Se um pai vir a filha sendo sequestrada por um islâmico,
encontrará no tribunal outro miliciano igual ao agressor.
Para dar ideia de quem são esses radicais, dom Nazzaro lembrou que,
no ano passado, o Grande Mufti da Arábia Saudita emitiu uma fatwa
[decreto islâmico, ndr], divulgada nos jornais, em que declarava: “Quem
acreditar que a terra gira em torno do sol é um infiel, porque assim o
disse o meu predecessor dos anos 1970, e quem omite este fato não merece
viver”.
Sobre a situação actual de Aleppo após três anos de guerra, dom Kazhen
respondeu a ZENIT que há muitos problemas de abastecimento de água e
luz e que a falta de segurança é crítica: mísseis continuam sendo
lançados e há novos mortos todos os dias. A cidade está dividida, com
bairros dominados pelos rebeldes e outros pelo governo. Os rebeldes
tinham sitiado e dominado toda a cidade, mas o exército recuperou uma
parte e hoje consegue abastecê-la. O aeroporto está fechado porque os
combatentes “disparam também contra os voos civis”. Até hoje, recordou
Kazhen, não se sabe nada sobre os dois bispos e sacerdotes sequestrados.
Por outro lado, os mosteiros de religiosas residentes em Aleppo
continuam em actividade.
Quanto ao financiamento dessas milícias, o vigário apostólico
explicou a ZENIT que “todos sabem: vem da Arábia Saudita e do Qatar. A
Turquia dá menos apoio, só de tipo logístico. Se eles realmente
quisessem que esta situação terminasse, não enviariam gente, não
treinariam gente, não armariam essa gente”. Dom Kazhen afirmou “também
há mais algum país envolvido”.
“Até um ano atrás, quando os rebeldes eram somente sírios, as coisas
eram outras, havia respeito, não havia esta violência nem este
extremismo. Agora os milicianos são maioritariamente estrangeiros. Muita
gente que esperava que essa primavera florescesse já viu que não era
bem assim”.
A respeito da visita do papa à Terra Santa, o vigário apostólico
disse que a população ficou sabendo da viagem apostólica. “As
informações ainda chegam quando há luz, o que permite ver os
noticiários. Além disso, nós também informamos. As pessoas diziam:
‘Tomara que o papa venha aqui também’”.
Sobre a emigração dos cristãos, dom Khazen disse que em 1968, quando o
governo anterior ao do pai de Bashar Al-Assad nacionalizou as escolas,
houve o primeiro êxodo de cristãos rumo ao Líbano, porque eles queriam
dar instrução cristã aos filhos numa época que era de terror. “O pai de
Assad foi duro no início, mas, nos últimos anos de vida, começou a
abrandar as coisas. Com seu filho, a abertura foi maior, quase total em
alguns sectores como o turismo e o comércio, e havia bastante segurança”,
contou o vigário apostólico.
Dom Khazen acrescentou que "não há estatísticas sobre os cristãos que
ficaram na Síria, mas, antes da guerra, totalizavam cerca de 250 mil,
numa cidade com 4,5 milhões. Hoje, aproximadamente 60% dos cristãos
foram embora".
“Que a Síria actual, como país laico, pluralista e moderado, possa continuar existindo”, desejou, encerrando a entrevista.
(27 de Agosto de 2014) © Innovative Media Inc.
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