Observador permanente da Santa Sé em Genebra diz que a comunidade internacional deve evitar o genocídio no Oriente Médio
Roma, 28 de Agosto de 2014 (Zenit.org) Deborah Castellano Lubov
O observador permanente da Santa Sé junto à Organização das
Nações Unidas em Genebra, o arcebispo dom Silvano Tomasi, afirmou que o
recrudescimento da violência no Iraque despertou o mundo. Ele instou a
comunidade internacional a defender e proteger os direitos humanos
fundamentais de todas as pessoas atingidas.
Em entrevista concedida a ZENIT nesta terça-feira, durante o
Encontro para a Amizade entre os Povos na cidade italiana de Rímini, o
arcebispo não apenas opinou sobre a violência no Oriente Médio, mas
explicou o que está acontecendo e o que deveria ser feito diante das
atrocidades.
***
ZENIT: Na conferência de imprensa em Rímini, perguntaram ao
senhor o que a Santa Sé está fazendo para responder à crise no Oriente
Médio. O senhor disse que ela propôs uma reunião em que os bispos dos
territórios afectados no Iraque poderiam se encontrar com o presidente
dos Estados Unidos para falar sobre a situação. Pode nos contar mais
sobre isso?
Dom Tomasi: Eu não sei se haverá essa reunião com o presidente Obama.
Vai haver uma reunião dos bispos, em Washington, com representantes das
Igrejas do Oriente Médio. Provavelmente eles vão se reunir com os
bispos dos Estados Unidos, mas isso é uma suposição minha. Fora isso, eu
não tenho uma agenda concreta. Vamos ter que esperar um pouco para ver.
Poderia ser na segunda semana de Setembro.
ZENIT: O senhor acha importante que o presidente dos Estados
Unidos participe, para termos resultados concretos e uma resposta do
país?
Dom Tomasi: Acho que seria útil ele escutar as pessoas que contam o
que viveram em primeira pessoa, que trazem a experiência do que acontece
nas suas comunidades, especialmente entre os cristãos e outros grupos
religiosos que estão presentes na área da planície de Nínive e em
Mossul. O conhecimento direto é sempre útil para tomar decisões muito
concretas e prudentes.
ZENIT: O informe do enviado do papa ao Iraque, falando das violações cometidas pelo Estado Islâmico, vai ser apresentado à ONU?
Dom Tomasi: Poderia ser. Em Genebra, foi convocada para 1º de Setembro uma sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A
Santa Sé poderia apresentar, por exemplo, o testemunho do cardeal
Filoni, que visitou recentemente as comunidades religiosas e étnicas do
norte do Iraque e os acampamentos de refugiados, para onde as vítimas do
chamado califado se viram obrigadas a fugir para sobreviver. A
comunidade internacional tem que defender energicamente os direitos
fundamentais de todas as pessoas no norte do Iraque e proporcionar a
ajuda humanitária de que eles precisam nessa situação desesperada, já
que tiveram que fugir só com a roupa do corpo. Os cristãos têm os mesmos
direitos humanos que qualquer outro cidadão e a identidade religiosa
não pode ser desculpa para a indiferença.
ZENIT: O que o cardeal Filoni disse no informe?
Dom Tomasi: Nas entrevistas que ele deu e nos comentários públicos, o
cardeal falou da dor que o auto-denominado califado vem causando a todos
os refugiados, do assassinato de gente inocente, da necessidade de a
comunidade internacional responder com os recursos necessários, como
água e comida para a sobrevivência dessas comunidades desprotegidas. Ele
também fez um apelo para proteger essas comunidades e para elas
voltarem para casa em condições seguras. A comunidade internacional não
pode aceitar que os cristãos, os yazidis e outros grupos religiosos
simplesmente tenham que aceitar o exílio por se identificarem como
grupos religiosos. As duas observações mais importantes eu acho que são:
ajuda humanitária de emergência e protecção. Os patriarcas das Igrejas
orientais, tanto ortodoxos como católicos, destacaram que é necessária,
por um tempo, a intervenção dos "capacetes azuis" da ONU para
estabilizar a situação e garantir a protecção das pessoas que voltam para
as suas aldeias.
ZENIT: O que a Santa Sé pode fazer?
Dom Tomasi: Diante de todas as explosões de violência em muitas
partes do mundo, mas em particular no Oriente Médio, a Santa Sé tem
participado activamente, através da voz do Santo Padre, que não vem
poupando esforços nem palavras para dizer que a única solução para o
futuro é uma forma de diálogo e de negociação, para que as pessoas
respeitem as outras, reconhecendo as suas diferenças e também a
humanidade básica que todos nós compartilhamos.
O primeiro passo para responder a esta cultura da violência é
reconhecer a dignidade e a igualdade de cada um, como membros da família
humana. Por isso, o Santo Padre acrescenta a urgência da oração e da
mobilização dos recursos espirituais da comunidade em todo o mundo, para
pedir a Deus o dom da paz, porque a paz é um dom de Deus.
E também temos que motivar a comunidade internacional a assumir a sua
responsabilidade, porque quando um país não pode proteger os próprios
cidadãos por uma variedade de razões, é importante que a comunidade
internacional cumpra o seu dever de proteger essas pessoas.
ZENIT: E o dever de proteger essas pessoas envolveria armas?
Dom Tomasi: Escolher os meios de protecção é determinado pelos países,
pelos membros da comunidade internacional. Não é tarefa da Igreja
indicar os meios específicos que eles devem usar para proteger as
pessoas. A Igreja recordará o dever de proteger, e esta responsabilidade
tem que ser exercida através do mecanismo que a comunidade
internacional deu a si mesma para enfrentar situações de emergência como
esta do norte do Iraque.
ZENIT: O que as comunidades cristãs do mundo todo podem fazer para ajudar?
Dom Tomasi: O Santo Padre tem pedido orações e dito que é necessário
criar uma opinião pública favorável à protelação dos seres humanos em
risco. A comunidade internacional é chamada a proteger as vítimas da
opressão que não são defendidas pelo seu próprio governo ou que estão em
risco de genocídio, independentemente de serem cristãs, xiitas ou
sunitas.
ZENIT: O que a Europa está fazendo para ajudar essas pessoas?
Dom Tomasi: Como parte da comunidade internacional, a União Europeia
deveria participar da busca de uma resposta adequada à crise.
ZENIT: Uma vista do papa às Nações Unidas poderia fazer diferença?
Dom Tomasi: Bom, as experiências do passado mostram que as visitas
dos papas à ONU sempre geraram não só interesse dos meios de
comunicação, mas também uma grande sensibilidade, um senso renovado de
responsabilidade da comunidade internacional como tal. Se o papa
Francisco decidir visitar a sede da ONU, eu tenho certeza de que poderia
gerar não só um interesse pelos problemas relacionados com a paz e a
justiça no mundo, mas também seria provável que despertasse um senso de
dever na comunidade internacional, para proteger as vítimas de todo tipo
de violência e de toda injustiça.
ZENIT: O papa Francisco disse que a situação no Oriente Médio é “a Terceira Guerra Mundial em episódios”. O senhor concorda?
Dom Tomasi: O Santo Padre captou a imaginação do mundo com esta
expressão e nos obriga a reflectir sobre os diversos conflitos que há em
todo o mundo: na República Centro-Africana, na Líbia, no Congo, na
Síria, no norte do Iraque, só para mencionar alguns. Esta explosão de
violência condiciona o mundo todo. É verdade que agora há muitos centros
de poder com interesses diferentes ou divergentes, mas a globalização
de uma cultura em que prevalecem interesses pessoais ou nacionais
facilita o recurso às armas como solução para as diferenças. O papa
Francisco nos chama a abraçar uma cultura diferente, a da solidariedade e
do diálogo, como a única maneira de construir um futuro comum de paz e
progresso.
(28 de Agosto de 2014) © Innovative Media Inc.
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