«Se se abre a garrafa, é difícil volver a meter o génio»
Muitos
dos eutanasiados na Holanda pedem-no por pressão familiar, não por sentir-se onerosos à sua família, ou por sentir-se sós... Já não há limites. |
Actualizado 17 de Julho de 2014
ReL
Theo Boer, professor de ética da universidade holandesa de Groningen, apoiou durante muitos anos as políticas de eutanásia (matar doentes) do governo holandês, e falava com frequência dos controles supostamente estritos e os equilíbrios rigorosos.
Mas depois de 9 anos e 4.000 casos analisados como membro de um Comité Regional de Revisão desde 2005, Boer saiu do seu engano. Agora difundiu este texto com as suas novas convicções, a partir do que constatou.
Em 2001, a Holanda foi o primeiro país do mundo que legalizou a eutanásia e, com ela, o suicídio assistido.
À lei acrescentaram-lhe vários “salvo-condutos” que indicavam quem estava qualificado e para que os médicos que actuassem segundo estes “salvo-condutos” não fossem processados.
Como cada caso é único, criaram-se cinco comités regionais de revisão para avaliar cada caso e decidir se cumpriam a lei. Durante os cinco anos posteriores à implementação da lei, o número de mortes induzidas medicamente manteve-se igual, inclusive baixou durante alguns anos.
Em 2007 escrevi que “respeito a eutanásia não é necessário que nos encontremos ante um beco sem saída. Uma boa lei de eutanásia, combinada com um procedimento de revisão da eutanásia, garante um número relativamente baixo e estável de eutanásias”. Muitos dos meus colegas chegaram à mesma conclusão.
Mas estávamos equivocados, terrivelmente equivocados.
A posteriori, a estabilização dos números foi uma pausa temporal.
Começando pelo ano 2008, o número destas mortes mostram um aumento de 15% anual, ano após ano. O relatório anual dos comités para o ano de 2012 registou 4.188 casos (comparados com os 1.882 de 2002). 2013 viu uma continuação nesta tendência e espero que a linha dos 6.000 se cruze este ano com o próximo. A eutanásia está no caminho de converter-se no modelo “predeterminado” de morte para os pacientes com cancro.
Junto a esta escalada, outras novidades tiveram lugar.
Debaixo o nome ‘End of Life Clinic,’ (Clínica para o Final da Vida), a Sociedade Holandesa para o Direito a Morrer (NVVE) fundou uma rede de médicos itinerantes que praticam a eutanásia. Ainda que a lei pressupõe (mas não o requer) que se estabeleça uma relação médico-paciente, na qual a morte possa ser o fim de um período de tratamento e interacção, os médicos da End of Life Clinic só planeiam duas opções: ou administrar os fármacos que terminem com a vida do paciente ou enviá-lo de volta para casa.
Como média, estes médicos vêem o paciente três vezes antes de administrar-lhes o fármaco que acabará com a sua vida.
Esta clínica teve centenas de casos. Mas a NVVE não mostra sinais de estar satisfeita nem sequer com estas novidades: de facto, não descansará até que a pílula letal esteja disponível para todas as pessoas acima dos 70 anos que queiram morrer. Alguns becos realmente não tem saída.
Outras novidades incluem uma mudança no tipo de pacientes que recebem estes “tratamentos”.
Enquanto nos anos imediatamente posteriores a 2002 quase nenhum paciente com doença psiquiátrica ou demência aparece nos relatórios, agora o número cresce bruscamente. Há relatórios de casos que indicam que uma grande parte do sofrimento das pessoas às quais se lhes administra a eutanásia ou o suicídio assistido consiste em ser anciãos, estar sós ou viúvos. Alguns destes pacientes poderiam ter vivido anos ou décadas.
Enquanto a lei vê o suicídio assistido e a eutanásia como uma excepção, a opinião pública esta mudando e os considera direitos, com os correspondentes deveres que os médicos devem realizar.
Um projecto de lei actual obriga os doutores que se negam a administrar a eutanásia a transferir o paciente para um colega disposto a administra-la.
A pressão para que os doutores aceitem os desejos dos pacientes (e em alguns casos, dos seus parentes) pode ser forte. A pressão dos parentes, combinada com a preocupação do paciente pelo bem-estar da sua família, é em alguns casos um factor importante detrás de um pedido de eutanásia.
Nem sequer os Comités de Revisão, apesar do seu trabalho duro e consciencializado, puderam deter estas mudanças.
Eu costumava apoiar a lei holandesa. Mas agora, com doze anos de experiência, tenho uma opinião diferente.
Pelo menos, espero uma análise honesta e satisfatória intelectualmente sobre as razões por detrás do enorme aumento nos números. Deveria ter tido a lei melhores salvo-condutos?
Ou é o facto de que a mera existência desta lei é um convite a ver o suicídio assistido e à eutanásia como uma normalidade, no lugar de ser o último recurso?
Não vais aí antes que seja dada resposta a estas perguntas. Uma vez que o génio saiu da garrafa, é muito difícil fazer que volte a entrar nela.
Theo Boer foi Membro do Comité Regional de Revisão desde 2005. Para o governo holandês estes cinco comités avaliam se o caso de eutanásia foi levado a cabo segundo a lei. Nos últimos nove anos, o Prof. Boer avaliou quase quatro mil casos de eutanásia. A opinião aqui expressa é a sua própria opinião e não representa a de nenhuma instituição.
(Tradução de Helena Faccia Serrano, Alcalá de Henares)
ReL
Theo Boer, professor de ética da universidade holandesa de Groningen, apoiou durante muitos anos as políticas de eutanásia (matar doentes) do governo holandês, e falava com frequência dos controles supostamente estritos e os equilíbrios rigorosos.
Mas depois de 9 anos e 4.000 casos analisados como membro de um Comité Regional de Revisão desde 2005, Boer saiu do seu engano. Agora difundiu este texto com as suas novas convicções, a partir do que constatou.
Em 2001, a Holanda foi o primeiro país do mundo que legalizou a eutanásia e, com ela, o suicídio assistido.
À lei acrescentaram-lhe vários “salvo-condutos” que indicavam quem estava qualificado e para que os médicos que actuassem segundo estes “salvo-condutos” não fossem processados.
Como cada caso é único, criaram-se cinco comités regionais de revisão para avaliar cada caso e decidir se cumpriam a lei. Durante os cinco anos posteriores à implementação da lei, o número de mortes induzidas medicamente manteve-se igual, inclusive baixou durante alguns anos.
Em 2007 escrevi que “respeito a eutanásia não é necessário que nos encontremos ante um beco sem saída. Uma boa lei de eutanásia, combinada com um procedimento de revisão da eutanásia, garante um número relativamente baixo e estável de eutanásias”. Muitos dos meus colegas chegaram à mesma conclusão.
Mas estávamos equivocados, terrivelmente equivocados.
A posteriori, a estabilização dos números foi uma pausa temporal.
Começando pelo ano 2008, o número destas mortes mostram um aumento de 15% anual, ano após ano. O relatório anual dos comités para o ano de 2012 registou 4.188 casos (comparados com os 1.882 de 2002). 2013 viu uma continuação nesta tendência e espero que a linha dos 6.000 se cruze este ano com o próximo. A eutanásia está no caminho de converter-se no modelo “predeterminado” de morte para os pacientes com cancro.
Theo Boer vê agora o que muitos previram e disseram |
Debaixo o nome ‘End of Life Clinic,’ (Clínica para o Final da Vida), a Sociedade Holandesa para o Direito a Morrer (NVVE) fundou uma rede de médicos itinerantes que praticam a eutanásia. Ainda que a lei pressupõe (mas não o requer) que se estabeleça uma relação médico-paciente, na qual a morte possa ser o fim de um período de tratamento e interacção, os médicos da End of Life Clinic só planeiam duas opções: ou administrar os fármacos que terminem com a vida do paciente ou enviá-lo de volta para casa.
Como média, estes médicos vêem o paciente três vezes antes de administrar-lhes o fármaco que acabará com a sua vida.
Esta clínica teve centenas de casos. Mas a NVVE não mostra sinais de estar satisfeita nem sequer com estas novidades: de facto, não descansará até que a pílula letal esteja disponível para todas as pessoas acima dos 70 anos que queiram morrer. Alguns becos realmente não tem saída.
Outras novidades incluem uma mudança no tipo de pacientes que recebem estes “tratamentos”.
Enquanto nos anos imediatamente posteriores a 2002 quase nenhum paciente com doença psiquiátrica ou demência aparece nos relatórios, agora o número cresce bruscamente. Há relatórios de casos que indicam que uma grande parte do sofrimento das pessoas às quais se lhes administra a eutanásia ou o suicídio assistido consiste em ser anciãos, estar sós ou viúvos. Alguns destes pacientes poderiam ter vivido anos ou décadas.
Enquanto a lei vê o suicídio assistido e a eutanásia como uma excepção, a opinião pública esta mudando e os considera direitos, com os correspondentes deveres que os médicos devem realizar.
Um projecto de lei actual obriga os doutores que se negam a administrar a eutanásia a transferir o paciente para um colega disposto a administra-la.
A pressão para que os doutores aceitem os desejos dos pacientes (e em alguns casos, dos seus parentes) pode ser forte. A pressão dos parentes, combinada com a preocupação do paciente pelo bem-estar da sua família, é em alguns casos um factor importante detrás de um pedido de eutanásia.
Nem sequer os Comités de Revisão, apesar do seu trabalho duro e consciencializado, puderam deter estas mudanças.
Eu costumava apoiar a lei holandesa. Mas agora, com doze anos de experiência, tenho uma opinião diferente.
Pelo menos, espero uma análise honesta e satisfatória intelectualmente sobre as razões por detrás do enorme aumento nos números. Deveria ter tido a lei melhores salvo-condutos?
Ou é o facto de que a mera existência desta lei é um convite a ver o suicídio assistido e à eutanásia como uma normalidade, no lugar de ser o último recurso?
Não vais aí antes que seja dada resposta a estas perguntas. Uma vez que o génio saiu da garrafa, é muito difícil fazer que volte a entrar nela.
Theo Boer foi Membro do Comité Regional de Revisão desde 2005. Para o governo holandês estes cinco comités avaliam se o caso de eutanásia foi levado a cabo segundo a lei. Nos últimos nove anos, o Prof. Boer avaliou quase quatro mil casos de eutanásia. A opinião aqui expressa é a sua própria opinião e não representa a de nenhuma instituição.
(Tradução de Helena Faccia Serrano, Alcalá de Henares)
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