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terça-feira, 23 de setembro de 2014

O que Karl Rahner pensava da literatura e do livro religioso

Os insights do grande teólogo e jesuíta alemão condensados ​​por Antonio Spadaro em uma colecção de três ensaios intitulado "Literatura e Cristianismo"


Roma, 23 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Robert Cheaib


O que torna um texto literário em um texto religioso? - Alguém poderia dizer que a resposta é óbvia. Mas Karl Rahner, teólogo de grande discernimento e sensibilidade, não era o tipo de homem que respondia com clichés e com a banal aparente evidência. Para ele, um texto literário é "religioso" na medida dupla na qual ele relaciona o homem a si mesmo e além de si mesmo.

Resumindo o pensamento de Rahner sobre as características de um bom texto religioso, Antonio Spadaro diz que "a literatura religiosa deve apelar para a real experiência do homem e deve trazê-lo de volta a si, não leva-lo “a bons pensamentos” ou a “bons sentimentos”; deve sempre perguntar-se: “Onde e como, no leitor, se encontra o que eu tenho a intenção de levar-lhe?".

Spadaro observa que a abordagem da literatura religiosa, de acordo com Rahner está bem longe de ser uma canalização nas estreitas vias da doutrinação ideológica-religiosa epidérmica e superficial. A literatura é uma experiência de iniciação à interioridade e à transcendência, ao mesmo tempo. Em suma, a obra é religiosa na medida em que estimule e “constitua” no leitor a experiência religiosa da transcendência.

Diante deste critério, necessariamente muda a divisão entre livro religioso ou não. Muitos livros etiquetados religiosos estão longe desta iniciação e desta urgência de interioridade e transcendência. Por outro lado, muitos livros não-religiosos, que talvez não mencionem nada sobre “Deus”, sejam verdadeiras mistagogias.

Muitas são as intuições – na verdade, as provocações – de Rahner condensadas por Spadaro em uma colecção de três ensaios intitulado “Letteratura e cristianesimo” (Literatura e cristianismo) precedidos por um denso “convite à leitura”. Recolhemos dois.

Chega de cosméticos
A nossa época tem feito grandes progressos (não é uma nota necessariamente positiva) na arte dos cosméticos, ou seja, na alteração da aparência e da exterioridade. Não é minha intenção lançar-me nas areias movediças de uma reflexão teológica sobre a cirurgia plástica. Falo do caso para trazer à tona uma advertência de Rahner sobre um perigo análogo que poderia afectar a apresentação e a representação do proprium cristão. Há, de fato, o perigo de “apresentar o conteúdo da fé de forma ideologicamente transportada, apelando ao fato de que ele é “revelado” e aproximando-o do homem, portanto, “externamente”.

Em face dessa tentação, Rahner recorda que a revelação "é justamente a destruição da aparência ideológica, atrás da qual se esconde o homem e sufoca a realidade de Deus e a sua própria."

Em outras palavras, a carga religiosa da literatura não deve ser medida pela percentagem de palavras que vêm do jargão religioso, mas pela sua capacidade evocativa de um retorno a uma profundidade negligenciada.

Iniciação mistagógica
A literatura se torna cheia de significado religioso se puder despertar novamente no homem o desejo da autenticidade, da interioridade, se consegue abrir o seu ouvido à escuta de uma Palavra. Rahner evoca, neste caso, a experiência histórico-salvífica da graça no Espírito, antes da manifestação carnal.

Por outro lado, Rahner alarga os horizontes sonhando e esperando um futuro possível do livro religioso: “Não será, portanto, um mal se o livro religioso do futuro tenha como base as coisas aparentemente de primeiro plano e que constituem a vida real: a acção, o trabalho, o amor, a morte, e todas as pobres coisas que enchem a vida; se partirá da “incredulidade” céptica que reside no coração e que teme as “ilusões”, que a fé em aparência sofre. Se o livro religioso recalcar os aspectos ocultos das coisas “superficiais” que existem univocamente (e só assim será um verdadeiro livro religioso), terá que, por isso, começar do “superficial”, que somente leva à verdadeira profundidade. Por isso, o livro do amanhã terá que tomar cuidado para não se transformar muito rapidamente em “teologia especulativa”. Além disso, a própria Escritura se desvia dos padrões especulativos e sistemáticos do livro religioso.

Assim, a esperança de Rahner é que a teologia se torne menos “científica” e menos prisioneira para a arte, e a literatura se torne mais religiosa, ou seja, capaz de colocar o homem de forma honesta e radical diante das questões últimas. A literatura, digna do nome, deve ser capaz de levar o mundo do homem à sua verdade, “tornando-o transparente, dirigindo-se, assim, ao factor tipicamente humano subsistente no homem”. Deve tornar-se - quase sem seu conhecimento e anonimamente, mas espontaneamente – uma preparatio evangelii que fale não só aos "cristãos anónimos", mas a um “mundo cristão anónimo”.

A literatura, afinal de contas, é ela mesma se fala ao homem, e se, falando ao homem do homem, leva o homem ao limiar do sentido da sua própria humanidade. 

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