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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"Nós, torturados por Cristo na Albânia"

Um sobrevivente de 86 anos fala dos terríveis sofrimentos padecidos pelos confessores da fé durante a ditadura comunista. Em Shkoder um memorial recorda os cristãos torturados e mortos


Roma, 17 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Stefano Pasta


O Papa Francisco, ao anunciar que no dia 21 de Setembro estará em Tirana, disse: "Com esta curta viagem eu gostaria de confirmar na fé a Igreja na Albânia e testemunhar o meu encorajamento para um país que tem sofrido por muito tempo como resultado das ideologias do passado".

Em Shkoder, norte da Albânia e centro católico de um país predominantemente muçulmano, há um memorial da perseguição contra os católicos, juntamente com os ortodoxos e muçulmanos, durante o regime comunista de Enver Hoxha, que chegou - o único caso na Europa – a proclamar o ateísmo de Estado em 1967. É o edifício da Sigurimi, a cruel polícia secreta que, depois da queda do regime voltou aos antigos proprietários, os Franciscanos. Desde o 2005, foi confiado às Irmãs Pobres de Santa Clara (Clarissas), que fundaram um mosteiro e agora são tanto albanesas quanto italianas.

Narra a irmã Sónia, recém chegada do mosteiro da fundação de Otranto: "No começo, era um lugar abandonado, coberto por dois metros de escombros, sem portas e com as paredes derrubadas. Tentamos fazer reflorescer o deserto para conservar um dos poucos lugares de testemunho e de martírio visitáveis na Albânia. Tentamos ser um mosteiro na cidade dos homens, combinando a vida contemplativa e de oração com o encontro contínuo”. Recentemente, financiado pelo Estado, foi realizada a restauração da antiga prisão. Há ainda os instrumentos de tortura e, nas paredes das celas, os sinais esculpidos por prisioneiros de diferentes credos: cruzes ao lado de suras do Alcorão. "Este piso", explica a irmã Sónia", foi banhado pelo sangue dos mártires; ali era a cela de Maria Tuci, uma das 40 mártires albaneses das quais já se começou o processo de beatificação. Não havia nem luz, nem água; quando chovia, a água atingia os colchões". Aspirante das estigmatinas presa em 1949, quando se opôs ao estupro, um carrasco lhe disse: “Te reduzirei a um estado tal que nem sequer os teus familiares vão te reconhecer”. Continua a irmã: “Um homem, que conhecia a jovem e foi preso no mesmo período, nos disse que cruzou-se com ela sem tê-la reconhecido. Ao ver esta jovem de 18 anos – totalmente desfigurada pelas torturas – pensou: “Também atacam os velhos”.

Até Gjovalin Zezaj, oitenta e seis anos, que hoje mora com a sua esposa Cesarina a poucos metros das Clarissas, conhece bem aquele lugar: foi preso duas vezes – “a segunda, em 1959, bem no dia da visita de Khrushchev na Albânia" - e passou 11 anos entre a prisão e os campos de concentração. Com ele deve-se falar com a voz bem alta. E narra: “Enfiavam fios nos ouvidos e a corrente balançava todo o meu corpo. Pegaram o meu ouvido, não o meu coração”. Quando não escuta, Cesarina dá um jeito – também ela teve parentes demitidos e presos porque eram cristãos – para repetir a pergunta. “A primeira vez foi preso aos 17 anos porque fazia parte da União Albanese, um grupo anticomunista guiado pelo seminarista Mark Cuni, fuzilado em 1946”. Recorda “noites que nunca terminavam” e o conforto da fé: “Estava só no quarto, rezava todo o dia, especialmente para que não acontecesse nada com os meus parentes. Tinha feito um Terço de papel e o recitava cinco vezes por dia”. Gjovalin me mostra um dicionário de francês e uma gramática italiana escritos durante a prisão e me explica o truque da tampa: “Tinha encontrado uma navalha com a qual cortava a tampa da garrafa de leite que me enviava a minha família; pela fresta eu colocava a correspondência, escrita com caracteres muito pequenos no papel dos cigarros”. Para a Páscoa, no entanto, padre Leon Kabashi conseguiu enviar pela irmã um corporal com 50 hóstias, escondido nos chinelos.

Entre os corredores das celas, Gjovalin viu muitos cristãos, como o seu professor e reitor do seminário, o padre jesuíta Danjel Dajani, “que passava com a batina coberta de sangue”, ou Ana Daja, de 18 anos, condenada a 4 anos porque tinha se recusado a retirar do peito o distintivo da Acção Católica. “Entre os carcereiros”, narra, “conhecemos Fadil, um bom soldado, que deixava que agente conversasse com os companheiros ou que descansássemos quando nos mandavam ficar 48 horas de pé. Um dia me dei conta de que, indo ao banheiro, poderia encontrar-me com um sacerdote italiano. No fétido banheiro encontrei o padre jesuíta Giovanni Fausti, muito conhecido na época". Gjovalin se comoveu ao lembrar que lhe ofereceu duas laranjas, mas as rejeitou dizendo: “Fique com elas porque você é muito jovem”. Acrescentando: “Também Jesus sofreu por nós, temos que seguir o seu caminho”.

Enquanto isso, todos os lugares de culto foram fechadas e transformados em um cinema ou academias, o santuário de Nossa Senhora do Bom Conselho foi destruído totalmente e o leito do rio Kir se tornou um lugar de fuzilamento e uma fossa comum. "No entanto", continua Gjovalin. “mesmo sob a liderança da ditadura, estes religiosos não apostatavam e perdoavam os seus assassinos”. Padre Dajani, antes de ser fusilado, disse, "Eu perdoo aqueles que me fizeram o mal". Fausti, morto junto com ele disse: "Estou muito contente de que a morte chegue, enquanto estou cumprindo o meu dever".

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[Fonte: Credere, quinta-feira, 18 de Setembro, 2014/ Tradução ZENIT]

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