Um sobrevivente de 86 anos fala dos terríveis sofrimentos padecidos pelos confessores da fé durante a ditadura comunista. Em Shkoder um memorial recorda os cristãos torturados e mortos
Roma, 17 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Stefano Pasta
O Papa Francisco, ao anunciar que no dia 21 de Setembro
estará em Tirana, disse: "Com esta curta viagem eu gostaria de confirmar
na fé a Igreja na Albânia e testemunhar o meu encorajamento para um
país que tem sofrido por muito tempo como resultado das ideologias do
passado".
Em Shkoder, norte da Albânia e centro católico de um país
predominantemente muçulmano, há um memorial da perseguição contra os
católicos, juntamente com os ortodoxos e muçulmanos, durante o regime
comunista de Enver Hoxha, que chegou - o único caso na Europa – a
proclamar o ateísmo de Estado em 1967. É o edifício da Sigurimi, a cruel
polícia secreta que, depois da queda do regime voltou aos antigos
proprietários, os Franciscanos. Desde o 2005, foi confiado às Irmãs
Pobres de Santa Clara (Clarissas), que fundaram um mosteiro e agora são
tanto albanesas quanto italianas.
Narra a irmã Sónia, recém chegada do mosteiro da fundação de Otranto:
"No começo, era um lugar abandonado, coberto por dois metros de
escombros, sem portas e com as paredes derrubadas. Tentamos fazer
reflorescer o deserto para conservar um dos poucos lugares de testemunho
e de martírio visitáveis na Albânia. Tentamos ser um mosteiro na cidade
dos homens, combinando a vida contemplativa e de oração com o encontro
contínuo”. Recentemente, financiado pelo Estado, foi realizada a
restauração da antiga prisão. Há ainda os instrumentos de tortura e, nas
paredes das celas, os sinais esculpidos por prisioneiros de diferentes
credos: cruzes ao lado de suras do Alcorão. "Este piso", explica a irmã Sónia", foi banhado pelo sangue dos mártires; ali era a cela de Maria
Tuci, uma das 40 mártires albaneses das quais já se começou o processo
de beatificação. Não havia nem luz, nem água; quando chovia, a água
atingia os colchões". Aspirante das estigmatinas presa em 1949, quando
se opôs ao estupro, um carrasco lhe disse: “Te reduzirei a um estado tal
que nem sequer os teus familiares vão te reconhecer”. Continua a irmã:
“Um homem, que conhecia a jovem e foi preso no mesmo período, nos disse
que cruzou-se com ela sem tê-la reconhecido. Ao ver esta jovem de 18
anos – totalmente desfigurada pelas torturas – pensou: “Também atacam os
velhos”.
Até Gjovalin Zezaj, oitenta e seis anos, que hoje mora com a sua
esposa Cesarina a poucos metros das Clarissas, conhece bem aquele lugar:
foi preso duas vezes – “a segunda, em 1959, bem no dia da visita de
Khrushchev na Albânia" - e passou 11 anos entre a prisão e os campos de
concentração. Com ele deve-se falar com a voz bem alta. E narra:
“Enfiavam fios nos ouvidos e a corrente balançava todo o meu corpo.
Pegaram o meu ouvido, não o meu coração”. Quando não escuta, Cesarina dá
um jeito – também ela teve parentes demitidos e presos porque eram
cristãos – para repetir a pergunta. “A primeira vez foi preso aos 17
anos porque fazia parte da União Albanese, um grupo anticomunista guiado
pelo seminarista Mark Cuni, fuzilado em 1946”. Recorda “noites que
nunca terminavam” e o conforto da fé: “Estava só no quarto, rezava todo o
dia, especialmente para que não acontecesse nada com os meus parentes.
Tinha feito um Terço de papel e o recitava cinco vezes por dia”.
Gjovalin me mostra um dicionário de francês e uma gramática italiana
escritos durante a prisão e me explica o truque da tampa: “Tinha
encontrado uma navalha com a qual cortava a tampa da garrafa de leite
que me enviava a minha família; pela fresta eu colocava a
correspondência, escrita com caracteres muito pequenos no papel dos
cigarros”. Para a Páscoa, no entanto, padre Leon Kabashi conseguiu
enviar pela irmã um corporal com 50 hóstias, escondido nos chinelos.
Entre os corredores das celas, Gjovalin viu muitos cristãos, como o
seu professor e reitor do seminário, o padre jesuíta Danjel Dajani, “que
passava com a batina coberta de sangue”, ou Ana Daja, de 18 anos,
condenada a 4 anos porque tinha se recusado a retirar do peito o
distintivo da Acção Católica. “Entre os carcereiros”, narra, “conhecemos
Fadil, um bom soldado, que deixava que agente conversasse com os
companheiros ou que descansássemos quando nos mandavam ficar 48 horas de
pé. Um dia me dei conta de que, indo ao banheiro, poderia encontrar-me
com um sacerdote italiano. No fétido banheiro encontrei o padre jesuíta
Giovanni Fausti, muito conhecido na época". Gjovalin se comoveu ao
lembrar que lhe ofereceu duas laranjas, mas as rejeitou dizendo: “Fique
com elas porque você é muito jovem”. Acrescentando: “Também Jesus sofreu
por nós, temos que seguir o seu caminho”.
Enquanto isso, todos os lugares de culto foram fechadas e
transformados em um cinema ou academias, o santuário de Nossa Senhora do
Bom Conselho foi destruído totalmente e o leito do rio Kir se tornou um
lugar de fuzilamento e uma fossa comum. "No entanto", continua
Gjovalin. “mesmo sob a liderança da ditadura, estes religiosos não
apostatavam e perdoavam os seus assassinos”. Padre Dajani, antes de ser
fusilado, disse, "Eu perdoo aqueles que me fizeram o mal". Fausti, morto
junto com ele disse: "Estou muito contente de que a morte chegue,
enquanto estou cumprindo o meu dever".
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[Fonte: Credere, quinta-feira, 18 de Setembro, 2014/ Tradução ZENIT]
(17 de Setembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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