Páginas

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

"A Casa Nazaré é a última esperança das crianças crucificadas"

Entrevista com o Padre Ignacio Maria Doñoro, sacerdote espanhol na selva amazónica do Peru. Caso esta obra seja fechada por falta de recursos, os pequenos voltarão às minas como escravos ou aos bordéis como prémio para os pedófilos


Roma, 24 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Ivan de Vargas


A vida do Padre Ignacio Maria Doñoro mudou cerca de vinte anos atrás, ao ver crianças morrerem de desnutrição nas montanhas de Panchimalco (San Salvador). Alguns destes pequeninos eram vendidos para traficar os seus órgãos. Em Bogotá, também viu muitas crianças perambulando pelas ruas, drogando-se como pagamento. Conheceu crianças que ganhavam a vida bebendo gasolina, para depois acendê-la na boca, e assim poder chamar a atenção e pedir umas moedas nos sinais. Sofreu o indizível ao entrar em contacto com estas crianças submetidas a abusos de todo tipo. Ao conhecer estas situações de extrema miséria moral e material, este sacerdote espanhol ficou sem escolha e pediu uma licença de ausência como capelão militar e fundar, em Puerto Maldonado (Peru) o Hogar Nazaret (Lar Nazaré) para morar pobre entre os pobres.

Nesta entrevista a ZENIT, o padre Ignacio Maria Doñoro diz que vê Jesus em cada um dos pequenos que atende diariamente. As crianças vêm para o Lar em situações muito diferentes, mas com um denominador comum: são crianças crucificadas. Sem ajuda e com muito pouco recursos, este sacerdote se desgasta levando a mensagem da redenção a um dos lugares do mundo com maior tráfico de menores. Agora, se não acontecer um milagre, o padre terá que fechar esta Obra devido à falta de recursos. Algo terrível, porque essas crianças voltarão às minas como escravos ou aos bordéis como recompensa para os pedófilos.

ZENIT: O que foi que você perdeu na selva amazónica do Peru?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Puerto Maldonado, capital de Madre de Dios, com mais de 300.000 habitantes, é um dos lugares com maior tráfico de crianças do mundo.

O sistema familiar é quase inexistente. Os casais se conformam com a convivência momentânea, sem maior vínculo, e se desfazem por qualquer motivo.

Trazem meninos e meninas das áreas mais pobres de Cuzco, prometendo-lhes "uma vida melhor". Quando chegam a Puerto Maldonado são levados para a mineração ilegal.

Concebem seus filhos, na maioria das vezes, como resultado de estupro ou em meio à violência forte, álcool e drogas.

Matam crianças como pagamentos à terra. Eles acreditam que, se matam uma criança, “a mãe terra” lhes devolverá mais ouro. Ou também os abandonam porque são frutos de relações não desejadas, ou de outros pais. Utilizam os meninos e meninas como escravos nas minas ou como atracções sexuais nos bordéis. É o limiar do inferno.

ZENIT: Por que decidiu fundar o Lar Nazaré?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Eu tinha tantas perguntas... a decisão não foi fácil.
O cardeal Robert Sarah, sendo secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos, tinha lido o projecto do Lar Nazaré. Me chamou a Roma. Ao entrar em seu escritório foi muito directa: "Isso é exactamente o que o Santo Padre pede".

Deus me pedia. Não tinha que pensar mais.

ZENIT: Quem são os beneficiários desta Obra?
- P. Ignacio Maria Doñoro: As crianças crucificadas. Esta casa é sua última esperança.

Abri o Lar Nazaré no dia 1 de Janeiro de 2011 em 2011. Durante o ano de 2011, o Lar Nazaré alojou temporariamente um total de 23 crianças. Durante o ano de 2012, abrigamos 52 crianças e, em 2013, passaram pelo Lar Nazaré 93 crianças.

Todas as crianças são transitórias, ou seja, por muito felizes que possam viver no Lar Nazaré, acreditamos que pertencer a uma família é um direito inalienável.

Uma vez que a criança está recuperada, trabalhando com a família, sempre encontramos uma tia, avó ou irmã maior que cuida da criança com todas as garantias.

As crianças podem ficar apenas o tempo suficiente até que sua situação de abandono moral ou material seja resolvida.

Quando chegam ao Lar Nazaré, além de dar-lhes uma grande boas-vindas, sempre lhes abraço e lhes digo a mesma coisa: "Já passou, filho, ninguém mais vai te machucar, já passou”. O arrancar-lhes da morte já é um grande passo. Depois é preciso se virar para arrumar a sua situação legal.

Inscrevê-los no registo civil. Obter sua certidão de nascimento e, em seguida, o seu DNI. A partir daí, a criança já existe, não podem traficar com ele... análises médicas, alguns ficam internados no hospital. Aos poucos, vão sendo escolarizados. Vão curando as feridas da alma, até sentir-se como em uma família normal. Ao ser família, unidos pelo sangue de Cristo e por uma mesma vocação de amor, os jovens deixarão a casa de uma forma natural: para contrair matrimónio, por interesses laborais... Nós somos uma instituição que quando cheguem à maior idade devem abandonar. São parte da família para sempre.

ZENIT: Como é a vida no Lar?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Somos uma família, uma família de verdade, não nascida da carne, mas do sangue de Cristo. Não é um "centro" ou uma "instituição".

Não tentamos que as crianças bloqueiem as lembranças ou fantasiem com o seu passado, como se não tivesse existido. “Aquilo” aconteceu. Um lema que orienta o Lar Nazaré é que: “O perdão nos reconcilia connosco mesmos, nos liberta”. “Aprende-se a amar amando”.

Se há dois mil anos o Menino Jesus viveu na Palestina, ele, que está presente nestas crianças, mora agora no novo Lar Nazaré de Puerto Maldonado. Deus não quer um inferno na terra. Nós somos as suas mãos, seus olhos.

ZENIT: Vocês recebem alguma ajuda?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Vivemos das poucas doações da Associação SOS Infância e das ajudas da população de Puerto Maldonado. São os pobres que ajudam os pobres. Não recebemos nenhuma ajuda do Vicariato Apostólico, ou seja, da Igreja ou do Estado. Não existe nenhuma congregação religiosa por trás, nos apoiando, nenhuma diocese.

São os pobres, o que sabem o que é passar fome ou não poder comprar um remédio e com resignação esperar a morte. São eles, os que apoiam o Lar Nazaré.

ZENIT: O que você diria para quem lê esta entrevista?
- P. Ignacio Doñoro Maria: Seria horrível fechar esta Obra, que está salvando tantas crianças, simplesmente devido à falta de recursos financeiros e humanos.
Se eu fechar o Lar Nazaré essas crianças vão para o inferno na terra. Não é que fiquem sem escola ou passem ou pouco de fome. Voltarão a leva-las para as minas como escravas, ou aos bordéis como prémio para os pedófilos, voltarão a ser crucificadas.

Sem comentários:

Enviar um comentário