Entrevista com o Padre Ignacio Maria Doñoro, sacerdote espanhol na selva amazónica do Peru. Caso esta obra seja fechada por falta de recursos, os pequenos voltarão às minas como escravos ou aos bordéis como prémio para os pedófilos
Roma, 24 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Ivan de Vargas
A vida do Padre Ignacio Maria Doñoro mudou cerca de vinte
anos atrás, ao ver crianças morrerem de desnutrição nas montanhas de
Panchimalco (San Salvador). Alguns destes pequeninos eram vendidos para
traficar os seus órgãos. Em Bogotá, também viu muitas crianças
perambulando pelas ruas, drogando-se como pagamento. Conheceu crianças
que ganhavam a vida bebendo gasolina, para depois acendê-la na boca, e
assim poder chamar a atenção e pedir umas moedas nos sinais. Sofreu o
indizível ao entrar em contacto com estas crianças submetidas a abusos de
todo tipo. Ao conhecer estas situações de extrema miséria moral e
material, este sacerdote espanhol ficou sem escolha e pediu uma licença
de ausência como capelão militar e fundar, em Puerto Maldonado (Peru) o
Hogar Nazaret (Lar Nazaré) para morar pobre entre os pobres.
Nesta entrevista a ZENIT, o padre Ignacio Maria Doñoro diz que vê
Jesus em cada um dos pequenos que atende diariamente. As crianças vêm
para o Lar em situações muito diferentes, mas com um denominador comum:
são crianças crucificadas. Sem ajuda e com muito pouco recursos, este
sacerdote se desgasta levando a mensagem da redenção a um dos lugares do
mundo com maior tráfico de menores. Agora, se não acontecer um milagre,
o padre terá que fechar esta Obra devido à falta de recursos. Algo
terrível, porque essas crianças voltarão às minas como escravos ou aos
bordéis como recompensa para os pedófilos.
ZENIT: O que foi que você perdeu na selva amazónica do Peru?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Puerto Maldonado, capital de Madre de
Dios, com mais de 300.000 habitantes, é um dos lugares com maior tráfico
de crianças do mundo.
O sistema familiar é quase inexistente. Os casais se conformam com a
convivência momentânea, sem maior vínculo, e se desfazem por qualquer
motivo.
Trazem meninos e meninas das áreas mais pobres de Cuzco,
prometendo-lhes "uma vida melhor". Quando chegam a Puerto Maldonado são
levados para a mineração ilegal.
Concebem seus filhos, na maioria das vezes, como resultado de estupro ou em meio à violência forte, álcool e drogas.
Matam crianças como pagamentos à terra. Eles acreditam que, se matam
uma criança, “a mãe terra” lhes devolverá mais ouro. Ou também os
abandonam porque são frutos de relações não desejadas, ou de outros
pais. Utilizam os meninos e meninas como escravos nas minas ou como
atracções sexuais nos bordéis. É o limiar do inferno.
ZENIT: Por que decidiu fundar o Lar Nazaré?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Eu tinha tantas perguntas... a decisão não foi fácil.
O cardeal Robert Sarah, sendo secretário da Congregação para a
Evangelização dos Povos, tinha lido o projecto do Lar Nazaré. Me chamou a
Roma. Ao entrar em seu escritório foi muito directa: "Isso é exactamente o
que o Santo Padre pede".
Deus me pedia. Não tinha que pensar mais.
ZENIT: Quem são os beneficiários desta Obra?
- P. Ignacio Maria Doñoro: As crianças crucificadas. Esta casa é sua última esperança.
Abri o Lar Nazaré no dia 1 de Janeiro de 2011 em 2011. Durante o ano
de 2011, o Lar Nazaré alojou temporariamente um total de 23 crianças.
Durante o ano de 2012, abrigamos 52 crianças e, em 2013, passaram pelo
Lar Nazaré 93 crianças.
Todas as crianças são transitórias, ou seja, por muito felizes que
possam viver no Lar Nazaré, acreditamos que pertencer a uma família é um
direito inalienável.
Uma vez que a criança está recuperada, trabalhando com a família,
sempre encontramos uma tia, avó ou irmã maior que cuida da criança com
todas as garantias.
As crianças podem ficar apenas o tempo suficiente até que sua situação de abandono moral ou material seja resolvida.
Quando chegam ao Lar Nazaré, além de dar-lhes uma grande boas-vindas,
sempre lhes abraço e lhes digo a mesma coisa: "Já passou, filho,
ninguém mais vai te machucar, já passou”. O arrancar-lhes da morte já é
um grande passo. Depois é preciso se virar para arrumar a sua situação
legal.
Inscrevê-los no registo civil. Obter sua certidão de nascimento e,
em seguida, o seu DNI. A partir daí, a criança já existe, não podem
traficar com ele... análises médicas, alguns ficam internados no
hospital. Aos poucos, vão sendo escolarizados. Vão curando as feridas da
alma, até sentir-se como em uma família normal. Ao ser família, unidos
pelo sangue de Cristo e por uma mesma vocação de amor, os jovens
deixarão a casa de uma forma natural: para contrair matrimónio, por
interesses laborais... Nós somos uma instituição que quando cheguem à
maior idade devem abandonar. São parte da família para sempre.
ZENIT: Como é a vida no Lar?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Somos uma família, uma família de verdade,
não nascida da carne, mas do sangue de Cristo. Não é um "centro" ou uma
"instituição".
Não tentamos que as crianças bloqueiem as lembranças ou fantasiem com
o seu passado, como se não tivesse existido. “Aquilo” aconteceu. Um
lema que orienta o Lar Nazaré é que: “O perdão nos reconcilia connosco
mesmos, nos liberta”. “Aprende-se a amar amando”.
Se há dois mil anos o Menino Jesus viveu na Palestina, ele, que está
presente nestas crianças, mora agora no novo Lar Nazaré de Puerto
Maldonado. Deus não quer um inferno na terra. Nós somos as suas mãos,
seus olhos.
ZENIT: Vocês recebem alguma ajuda?
- P. Ignacio Maria Doñoro: Vivemos das poucas doações da Associação
SOS Infância e das ajudas da população de Puerto Maldonado. São os
pobres que ajudam os pobres. Não recebemos nenhuma ajuda do Vicariato
Apostólico, ou seja, da Igreja ou do Estado. Não existe nenhuma
congregação religiosa por trás, nos apoiando, nenhuma diocese.
São os pobres, o que sabem o que é passar fome ou não poder comprar
um remédio e com resignação esperar a morte. São eles, os que apoiam o
Lar Nazaré.
ZENIT: O que você diria para quem lê esta entrevista?
- P. Ignacio Doñoro Maria: Seria horrível fechar esta Obra, que está
salvando tantas crianças, simplesmente devido à falta de recursos
financeiros e humanos.
Se eu fechar o Lar Nazaré essas crianças vão para o inferno na terra.
Não é que fiquem sem escola ou passem ou pouco de fome. Voltarão a
leva-las para as minas como escravas, ou aos bordéis como prémio para os
pedófilos, voltarão a ser crucificadas.
(24 de Setembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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