Mensagem do Papa para o dia mundial do migrante e do refugiado
Roma, 23 de Setembro de 2014 (Zenit.org)
Queridos irmãos e irmãs!
Jesus é «o evangelizador por excelência e o Evangelho em pessoa» (Exort. ap. Evangelii gaudium,
209). A sua solicitude, especialmente pelos mais vulneráveis e
marginalizados, a todos convida a cuidar das pessoas mais frágeis e
reconhecer o seu rosto de sofrimento sobretudo nas vítimas das novas
formas de pobreza e escravidão. Diz o Senhor: «Tive fome e destes-Me de
comer, tive sede e destes-Me de beber, era peregrino e recolhestes-Me,
estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na
prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36). Por isso, a Igreja,
peregrina sobre a terra e mãe de todos, tem por missão amar Jesus
Cristo, adorá-Lo e amá-Lo, particularmente nos mais pobres e
abandonados; e entre eles contam-se, sem dúvida, os migrantes e os
refugiados, que procuram deixar para trás duras condições de vida e
perigos de toda a espécie. Assim, neste ano, o Dia Mundial do Migrante e
do Refugiado tem por tema: Igreja sem fronteiras, mãe de todos.
Com efeito, a Igreja estende os seus braços para acolher todos os
povos, sem distinção nem fronteiras, e para anunciar a todos que «Deus é
amor» (1 Jo 4, 8.16). Depois da sua morte e ressurreição,
Jesus confiou aos discípulos a missão de ser suas testemunhas e
proclamar o Evangelho da alegria e da misericórdia. Eles, no dia de
Pentecostes, saíram do Cenáculo cheios de coragem e entusiasmo; sobre
dúvidas e incertezas, prevaleceu a força do Espírito Santo, fazendo com
que cada um compreendesse o anúncio dos Apóstolos na própria língua;
assim, desde o início, a Igreja é mãe de coração aberto ao mundo
inteiro, sem fronteiras. Aquele mandato abrange já dois milénios de
história, mas, desde os primeiros séculos, o anúncio missionário pôs em
evidência a maternidade universal da Igreja, posteriormente desenvolvida
nos escritos dos Padres e retomada pelo Concílio Vaticano II. Os Padres conciliares falaram de Ecclesia mater para
explicar a sua natureza; na verdade, a Igreja gera filhos e filhas,
sendo «incorporados» nela que «os abraça com amor e solicitude» (Const.
dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 14).
A Igreja sem fronteiras, mãe de todos, propaga no mundo a cultura do
acolhimento e da solidariedade, segundo a qual ninguém deve ser
considerado inútil, intruso ou descartável. A comunidade cristã, se
viver efectivamente a sua maternidade, nutre, guia e aponta o caminho,
acompanha com paciência, solidariza-se com a oração e as obras de
misericórdia.
Nos nossos dias, tudo isto assume um significado particular. Com
efeito, numa época de tão vastas migrações, um grande número de pessoas
deixa os locais de origem para empreender a arriscada viagem da
esperança com uma bagagem cheia de desejos e medos, à procura de
condições de vida mais humanas. Não raro, porém, estes movimentos
migratórios suscitam desconfiança e hostilidade, inclusive nas
comunidades eclesiais, mesmo antes de se conhecer as histórias de vida,
de perseguição ou de miséria das pessoas envolvidas. Neste caso, as
suspeitas e preconceitos estão em contraste com o mandamento bíblico de
acolher, com respeito e solidariedade, o estrangeiro necessitado.
Por um lado, no sacrário da consciência, adverte-se o apelo a tocar a
miséria humana e pôr em prática o mandamento do amor que Jesus nos
deixou, quando Se identificou com o estrangeiro, com quem sofre, com
todas as vítimas inocentes da violência e exploração. Mas, por outro,
devido à fraqueza da nossa natureza, «sentimos a tentação de ser
cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor» (Exort.
ap. Evangelii gaudium, 270).
A coragem da fé, da esperança e da caridade permite reduzir as
distâncias que nos separam dos dramas humanos. Jesus Cristo está sempre à
espera de ser reconhecido nos migrantes e refugiados, nos deslocados e
exilados e, assim mesmo, chama-nos a partilhar os recursos e por vezes a
renunciar a qualquer coisa do nosso bem-estar adquirido. Assim no-lo
recordava o Papa Paulo VI,
ao dizer que «os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus
direitos, para poderem colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao
serviço dos outros» [Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 23].
Aliás, o carácter multicultural das sociedades de hoje encoraja a
Igreja a assumir novos compromissos de solidariedade, comunhão e
evangelização. Na realidade, os movimentos migratórios solicitam que se
aprofundem e reforcem os valores necessários para assegurar a
convivência harmoniosa entre pessoas e culturas. Para isso, não é
suficiente a mera tolerância, que abre caminho ao respeito das
diversidades e inicia percursos de partilha entre pessoas de diferentes
origens e culturas. Aqui se insere a vocação da Igreja a superar as
fronteiras e favorecer «a passagem de uma atitude de defesa e de medo,
de desinteresse ou de marginalização (...) para uma atitude que tem por
base a “cultura de encontro”, a única capaz de construir um mundo mais
justo e fraterno» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado - 2014).
Mas os movimentos migratórios assumiram tais proporções que só uma
colaboração sistemática e concreta, envolvendo os Estados e as
Organizações Internacionais, poderá ser capaz de os regular e gerir de
forma eficaz. Na verdade, as migrações interpelam a todos, não só por
causa da magnitude do fenómeno, mas também «pelas problemáticas sociais,
económicas, políticas, culturais e religiosas que levantam, pelos desafios dramáticos que colocam à comunidade nacional e internacional» [Bento XVI, Carta enc.Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 62].
Na agenda internacional, constam frequentes debates sobre a
oportunidade, os métodos e os regulamentos para lidar com o fenómeno das
migrações. Existem organismos e instituições a nível internacional,
nacional e local, que põem o seu trabalho e as suas energias ao serviço
de quantos procuram, com a emigração, uma vida melhor. Apesar dos seus
esforços generosos e louváveis, é necessária uma acção mais incisiva e
eficaz, que lance mão de uma rede universal de colaboração, baseada na
tutela da dignidade e centralidade de toda a pessoa humana. Assim será
mais incisiva a luta contra o tráfico vergonhoso e criminal de seres
humanos, contra a violação dos direitos fundamentais, contra todas as
formas de violência, opressão e redução à escravidão. Entretanto
trabalhar em conjunto exige reciprocidade e sinergia, com
disponibilidade e confiança, sabendo que «nenhum país pode enfrentar
sozinho as dificuldades associadas a este fenómeno, que, sendo tão
amplo, já afecta todos os continentes com o seu duplo movimento de
imigração e emigração» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado - 2014).
À globalização do fenómeno migratório é preciso responder com a
globalização da caridade e da cooperação, a fim de se humanizar as
condições dos migrantes. Ao mesmo tempo, é preciso intensificar os
esforços para criar as condições aptas a garantirem uma progressiva
diminuição das razões que impelem populações inteiras a deixar a sua
terra natal devido a guerras e carestias, sucedendo muitas vezes que uma
é causa da outra.
À solidariedade para com os migrantes e os refugiados há que unir a
coragem e a criatividade necessárias para desenvolver, a nível mundial,
uma ordem económico-financeira mais justa e equitativa, juntamente com
um maior empenho a favor da paz, condição indispensável de todo o
verdadeiro progresso.
Queridos migrantes e refugiados! Vós ocupais um lugar especial no
coração da Igreja e sois uma ajuda para alargar as dimensões do seu
coração a fim de manifestar a sua maternidade para com a família humana
inteira. Não percais a vossa confiança e a vossa esperança! Pensemos na
Sagrada Família exilada no Egipto: como no coração materno da Virgem
Maria e no coração solícito de São José se manteve a confiança de que
Deus nunca nos abandona, também em vós não falte a mesma confiança no
Senhor. Confio-vos à sua protecção e de coração concedo a todos a Bênção
Apostólica.
Vaticano, 3 de Setembro de 2014.
FRANCISCO
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(23 de Setembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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