A Igreja evidencia a submissão da política à ética. Quando isso não acontece, a política se transforma em ditadura e totalitarismo.
Crato, 25 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Vitaliano Mattioli
Jesus com as famosas palavras: “Devolvei a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus” (MT 22, 21) pôs fim a um sistema de
relação entre o Estado e a Religião (Cesaropapismo) ou entre a religião e
o Estado (Teocracia).
Entre estas duas tendências, Jesus escolheu o sistema de separação,
que não é de oposição, mas de respeito mútuo pelas relativas
responsabilidades.
A palavra ‘política’ desde a cultura da Grécia antiga, tem sido
entendida como "realização do bem comum da cidadania". De acordo com
esta interpretação, pode-se legitimamente afirmar que a política não
desfruta de uma autonomia absoluta, mas sendo uma actividade humana, deve
estar dentro dos parâmetros da ética. É neste sentido que existe uma
visão cristã da política.
Pio XII, em discurso à União Latina de Alta Moda (08 de Novembro de
1957), fez referência também à moral política: "É bem verdade que a
moda, como a arte, a ciência, a política e actividades semelhantes,
chamadas profanas, tem suas próprias normas para atingir os objectivos
imediatos para os quais se destinam; No entanto, o seu sujeito é
inevitavelmente o homem, que não pode prescindir de realizar aquelas
actividades tendo em vista o último e supremo fim ao qual ele mesmo está
essencialmente e totalmente ordenado. Existe, portanto, o problema moral
da moda”; por consequência existe o problema moral da política.
A Igreja, perita em humanidade, como costumava expressar Paulo VI,
formulou a sua Doutrina Social, na qual também lida com a moralidade da
política.
Agora, entre os princípios permanentes da doutrina social da Igreja,
que constituem os verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social
católico prevalece o princípio da dignidade da pessoa humana no qual
todos os demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm
fundamento, do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade.
Estes princípios têm um carácter geral e fundamental, pois que se
referem à realidade social no seu conjunto e porque remetem aos
fundamentos últimos e ordenadores da vida social. Pela sua permanência
no tempo e universalidade de significado, a Igreja os indica como
primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e o
exame dos fenómenos sociais, necessários porque deles se podem apreender
os critérios de discernimento e de orientação do agir social, em todos
os âmbitos.
Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva, antes
de tudo, o princípio do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto
da vida social para encontrar pleno sentido. Segundo uma primeira e
vasta acepção, por bem comum se entende: “o conjunto de condições da
vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus
membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição” (Gaudium
et Spes, n. 26).
Uma sociedade que, em todos os níveis, quer intencionalmente estar ao
serviço do ser humano é a que se propõe como meta prioritária o bem
comum. A pessoa não pode encontrar plena realização somente em si mesma,
prescindindo do seu ser “com” e “pelos” outros.
As exigências do bem comum derivam das condições sociais de cada
época e estão estreitamente conexas com o respeito e com a promoção
integral da pessoa e dos seus direitos fundamentais. Entre estes
direitos fundamentais estão os direitos à vida, a viver uma vida digna
dum ser humano, o trabalho, a liberdade religiosa.
Se o bem comum empenha todos os membros da sociedade, ainda mais se
identifica com o programa do homem político. Não é possível ser ‘homem
político’ sem ter como aspiração a realização do bem comum. Por isso o
bem comum é exactamente o contrario do bem próprio e do egoísmo. É
neste sentido que a Igreja apresenta a actividade política como diaconia,
isto é: serviço.
A responsabilidade de perseguir o bem comum compete, não só às
pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o
bem comum é a razão de ser da autoridade política. Na verdade, o Estado
deve garantir coesão, unidade e organização à sociedade civil. O fim da
vida social é o bem comum historicamente realizável.
Estes princípios gerais são expressados em forma clara especialmente
em dois documentos básicos: a constituição conciliar Gaudium et
Spes (7 Dezembro 1965) e a “Nota Doutrinal sobre algumas questões
relativas à participação e comportamento dos católicos na vida
política” da Congregação para a Doutrina da Fé (24 Novembro 2002).
A Gaudium et Spes no n. 76 fala sobre ‘A comunidade política e a Igreja’.
Neste nº. 76 são enunciados alguns princípios básicos de grande importância.
Primeiro: “A Igreja que, em razão da sua missão e competência, de
modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer
sistema político determinado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguarda da
transcendência da pessoa humana”.
Segundo: “No domínio próprio de cada uma, comunidade política e
Igreja são independentes e autónomas. Mas, embora por títulos diversos,
ambas servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens”.
Terceiro: “O homem não se limita à ordem temporal somente”.
Quarto: ‘É certo que as coisas terrenas e as que, na condição
humana, transcendem este mundo, se encontram intimamente ligadas; a
própria Igreja usa das coisas temporais, na medida em que a sua missão o
exige. [...] Ela não coloca a sua esperança nos privilégios que lhe
oferece a autoridade civil”.
Quinto: “Sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira
liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade; exercer sem
entraves a própria missão entre os homens; e pronunciar o seu juízo
moral mesmo acerca das realidades políticas”.
Com estes princípios a Igreja reivindica a sua autonomia do Estado, a
trascendência do ser humano, reafirma a moralidade da actividade
política.
Em seguida a Igreja escreveu uma Nota em forma ainda mais explícita.
Nesta reafirma o primado da pessoa humana, a sua dignidade e declara
que o fim da actividade política deve ser a busca do bem comum.
Além disso, evidencia as características do político católico. Ele
deve saber que a sua pertença a um partido não pode ser superior à sua
pertença à Igreja e que cada expressão legislativa não pode ser a última
referência normativa. Se assim não fosse, pode-se chegar a um absurdo:
isto é, que alguns homens, com as leis, possam atribuir a si o direito
de estabelecer os confins entre o bem e o mal.
Defende também a verdadeira laicidade do Estado, pressuposto
fundamental para que o político crente possa expressar a si mesmo em
conformidade à sua consciência, e se opõe quando a laicidade se
transforma em ideologia.
Agora prefiro citar algumas expressões mais significativas.
“Os fiéis leigos desempenham também a função que lhes é própria de animar
cristãmente a ordem temporal (n. 1).
“A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a ideia
relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a
mesma verdade e o mesmo valor, mas sobre o fato de que as actividades
políticas visam, vez por vez, a realização extremamente concreta do
verdadeiro bem humano e social, num contexto histórico, geográfico, económico, tecnológico e cultural bem preciso. [...] Se o cristão é
obrigado a admitir a legítima multiplicidade e diversidade das opções
temporais, é igualmente chamado a discordar de uma concepção do
pluralismo em chave de relativismo moral, nociva à própria vida
democrática, que tem necessidade de bases verdadeiras e sólidas, ou
seja, de princípios éticos que, por sua natureza e função de fundamento
da vida social, não são “negociáveis. [...] A estrutura democrática,
sobre que pretende construir-se um Estado moderno, seria um tanto
frágil, se não tiver como seu fundamento a centralidade da pessoa (n.
3).
“Não é consentido a nenhum fiel apelar para o princípio do
pluralismo e da autonomia dos leigos em política, para favorecer
soluções que comprometam ou atenuem a salvaguarda das exigências éticas
fundamentais ao bem comum da sociedade. Por si, não se trata de ‘valores
confessionais’, uma vez que tais exigências éticas radicam-se no ser
humano e pertencem à lei moral natural” (n. 5).
Esta é a visão política da Igreja que emerge analisando os seus
documentos. Ela não pede privilégios para si mesma. A única preocupação
é de trabalhar para o bem comum da humanidade e de defender o valor
absoluto e primário da pessoa humana. Por isso a Igreja evidencia a
submissão da política à ética. Quando isso não acontece, a política se
transforma em ditadura e totalitarismo. A actividade política não está
mais a serviço do homem, mas se transforma num grande seu inimigo, como
infelizmente a história do século passado pode testemunhar.
(25 de Setembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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