"A relação sexual dentro do matrimónio defende a integridade do amor: seja a dos cônjuges entre si, seja o amor deles para com o fruto natural do matrimónio: o filho"
Roma, 12 de Agosto de 2013
Essa é uma pergunta que alguns namorados cristãos
comprometidos se fazem. Se eles sentem um amor real, por que não podem
expressá-lo num gesto de intimidade que poderia ajudar a crescer o afecto
entre os dois? Se a união corporal será comum dentro de pouco tempo,
por que não iniciá-la quando o amor parece já ser maduro? Certamente, a
maioria dos cristãos aceita que uma relação realizada por pessoas que
mal se conhecem é irresponsável e pecaminosa. Mas não seria exagerado
dizer o mesmo do ato realizado por namorados sinceros, fiéis e que estão
(quase) decididos a se casar?
Para responder a essa questão é preciso lembrar que a Igreja não
tem autoridade para mudar o que Deus revelou. A Palavra de Deus é sempre
viva e eficaz, é uma luz que guia nossos passos. E ela ensina: “O corpo
não é para a fornicação, e sim para o Senhor, e o Senhor é para o
corpo”; “Fugi da fornicação. Qualquer outro pecado que o homem comete é
fora do corpo, mas o impuro peca contra o seu próprio corpo”[1].
Esses textos expressam o valor altíssimo do corpo humano, que é templo
do Espírito Santo, e não algo que possa ser usado ou abusado. E a
fornicação (ato sexual fora do casamento) é um ato pecaminoso, porque
reduz o valor do corpo humano ao de uma coisa, a algo utilizável. As
relações sexuais não são meros actos físicos, mas devem ser expressão de
algo mais profundo: a doação total e incondicional de uma pessoa a
outra. E essa doação é real e se concretiza com o pacto matrimonial. Por
isso, o ato sexual é bom quando busca o bem do casal e está aberto à
transmissão da vida[2]. Esses são os dois fins do matrimónio.
Mas como aceitar isso nos nossos dias? Há algum motivo racional que
poderia convencer-nos da verdade desses ensinamentos? Cremos que há
vários motivos. Apresentamos agora alguns.
1. A relação sexual dentro do matrimónio defende especialmente a mulher e o possível fruto dessa relação: o filho.
Se a geração de um filho se dá antes do matrimónio, o que geralmente
ocorre? Esse novo ser passa a ser visto mais como um problema do que
como um dom. Pois a concepção de um filho não obriga ao homem (o pai) a
se casar. Se o pai é recto e tem um sentido apurado de justiça, manterá
suas obrigações financeiras para com esse filho e para com a mulher. Mas
isso não basta para a criança. Cada filho tem o direito de nascer
dentro de um matrimónio sólido, no qual os pais busquem a felicidade
juntos. Dentro do matrimónio, o filho é seu fruto natural, está
protegido social e juridicamente e é naturalmente visto como um dom, e
não como um fruto indesejável;
2. Em geral, quem vive a castidade no namoro terá menos dificuldades de viver a fidelidade ao matrimónio.
Hoje em dia, o “permissivismo” moral é grande. A “educação sexual”
transmitida pelos meios de comunicação e, às vezes, pelas escolas, diz
somente: “faça o que você quiser, desde que seja com preservativos e
escondido dos seus pais”. Para vencer nesse ambiente hostil e
irresponsável é necessária uma verdadeira educação à castidade, que é a protecção do amor autêntico. E o período de namoro serve para isso: para
que o casal cresça no conhecimento mútuo, elabore projectos comuns e
adquira virtudes indispensáveis para a vida matrimonial. Se o casal vive
bem esse período, sem chegar a ter intimidades próprias da vida
matrimonial, passará por uma verdadeira escola de castidade e de
fidelidade. Constatamos que pecar contra a castidade antes do matrimónio
é tão fácil quanto pecar contra a fidelidade dentro dele. Assim, estará
mais preparado para viver a fidelidade quem se preparou bem antes,
vivendo a castidade no namoro;
3. O amor matrimonial não se reduz a um exercício físico, mas é a comunhão total de vida.
Certa vez, disse Chesterton: «Em tudo que vale a pena, até em cada
prazer, há um ponto de dor ou tédio que deve ser preservado, para que o
prazer possa reviver e durar. A alegria da batalha vem depois do
primeiro medo da morte; a alegria em ler Virgílio vem depois do tédio de
aprendê-lo; o brilho no banhista vem depois do choque gelado do banho
do mar; e o sucesso do casamento vem depois da decepção com a
lua-de-mel»[3]. O que diz esse autor, que foi um homem bem casado
por muitos anos, é uma verdade comprovável. O prazer do ato sexual
certamente existe, mas não é tudo na vida matrimonial. O acto sexual é,
como todo ato humano, sempre ambíguo, pois ao mesmo tempo em que realiza
quem o faz, causa certa frustração, porque o coração humano é feito
para o infinito e não se contenta com actos singulares. Todo jovem deve
reconhecer isso, que faz parte de todo processo de maturação, e o ideal é
que isso ocorra dentro do matrimónio. Só quem supera a “decepção”
inicial pode ser feliz no matrimónio, pois a felicidade vem de Deus, do
amor fiel e responsável renovado diariamente em actos de doação mútua. O
amor não é o mesmo que o prazer, mas é uma entrega voluntária e fiel,
que supera todas as dificuldades.
4. Boa parte dos casais que fazem planos sérios de casamento acabam por se separar antes que isso se realize.
Nem o namoro e nem o noivado dão ao casal o mesmo nível de
comprometimento um com o outro que só dá o matrimónio. Por isso, quem
tem relações sexuais antes do casamento corre o sério risco de se
entregar a alguém com quem, ao fim, não se unirá sacramentalmente. E tal
pecado sempre marca profundamente a alma e traz sérias consequências
(principalmente afectivas), ainda que seja plenamente perdoado por Deus
após uma boa Confissão.
Nos tempos actuais as pessoas “usam” o sexo como se fosse um jogo. E o
que ocorre? Cada vez menos pessoas adquirem a capacidade de fazer
escolhas definitivas, cada vez menos pessoas se casam. O ato
matrimonial, ao qual Deus quis unir um prazer sensível, deve produzir um
prazer superior, de natureza espiritual: a alegria de saber que se está
cumprindo a vontade de Deus. E o ato de gerar um filho é algo de
milagroso, no qual se dá a união das partes materiais provenientes dos
pais e a criação de uma nova alma humana, directamente por Deus. O prazer
que os pais têm ao saber que estão colaborando com Deus é algo único.
A resposta à pergunta diz, portanto, que o amor não é somente um
sentimento vago, nem mesmo se reduz ao prazer. Mas é algo bem prático e
exigente, que implica a vontade concreta de colaborar com os planos de
Deus, que concebeu o ato matrimonial como a expressão perfeita de uma
doação integral de duas pessoas, um homem e uma mulher, colaborando
assim com a mesma obra criadora de Deus.
[1] I Cor. 6,13 e 18; cfr.: Tob. 4,13; At, 21,25; Ef. 5,3.
[2] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, § 2361-2363.
[3] Chesterton, O que há de errado no mundo, EditoraEcclesiae, Campinas2012.
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