“Mudanças profundas” à vista
O Papa Francisco anunciou que o Sínodo católico sobre a sinodalidade terá duas assembleias decisórias e não apenas uma: a primeira em Outubro de 2023, que estava já prevista, e a segunda em Outubro de 2024. Foi o próprio Papa quem o disse, na sua alocução do Ângelus deste domingo, 16 de Outubro, com a Secretaria do Sínodo a confirmar a notícia pouco depois, acrescentando algumas razões para a resolução.
“Esta decisão decorre do desejo de que o tema da Igreja Sinodal, devido à sua amplitude e importância, possa ser objecto de um discernimento prolongado não só pelos membros da Assembleia Sinodal, mas por toda a Igreja”, diz a Secretaria do Sínodo, numa informação enviada ao 7MARGENS.
“Além disso, esta escolha está em continuidade com o actual percurso sinodal, ao qual o próprio Papa se referiu esta manhã”, diz a nota. “O Sínodo não é um acontecimento, mas um processo, no qual todo o Povo de Deus é chamado a caminhar juntos em direcção àquilo que o Espírito Santo o ajuda a discernir como sendo a vontade do Senhor para a sua Igreja.”
Esta convocatória mais dilatada no calendário significa que “é preciso tempo” e que, conforme refere o comunicado, “o Sínodo é um processo”, diz ao 7MARGENS o padre Paulo Terroso, de Braga, que integra a Comissão do Sínodo para os Média. “Vai haver mudanças profundas” com o processo sinodal que está em marcha, e este deve ser aprofundado e debatido, porque será também “muito longo”.
O padre Terroso considera que a participação na reflexão preparatória foi, até agora, excepcional: houve 112 conferências episcopais de todo o mundo (num universo de 114) que enviaram contributos – o que significa milhares de grupos envolvidos e a participar com textos e respostas ao questionário inicial.
“Este é um processo verdadeiramente inédito”, sublinha Paulo Terroso, que esteve também no recente encontro dos membros das diferentes comissões preparatórias do sínodo, que decorreu em Frascati, nos arredores de Roma, como preparação da fase continental [ver 7MARGENS]. “Muitas pessoas ainda não tomaram consciência do processo em que estamos envolvidos” e o facto de o Papa convocar uma segunda sessão da assembleia decisória significa que há muitas questões ainda para considerar – mesmo que não estivessem previstas em sentido estrito nos documentos preparatórios. Os novos ministérios, o papel e lugar das mulheres na Igreja, as formas de participação nas decisões e no governo da Igreja, as questões de género são alguns dos temas que têm aparecido em muitas das sínteses enviadas para Roma.
“Este processo sinodal é quase um concílio Vaticano III em acção”, diz o padre Paulo Terroso, referindo-se à reunião de todos os bispos do mundo que, entre 1962 e 1965, produziu um conjunto de documentos que pretendiam dinamizar a reforma da Igreja Católica nos campos litúrgico, bíblico, pastoral e teológico.
A maior transformação da Igreja depois do Vaticano II
Ao anunciar a decisão de alargar o sínodo, o Papa invocou a constituição apostólica Episcopalis Communio, que prevê já a possibilidade de uma assembleia sinodal em diferentes fases.
De acordo com a nota de imprensa já citada, a assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos decorrerá em duas sessões, com um ano de intervalo: a primeira de 4 a 29 de Outubro de 2023, a segunda em Outubro de 2024. “Assumirá também uma dimensão processual, configurando-se como ‘um caminho no caminho’, a fim de promover uma reflexão mais amadurecida para o maior bem da Igreja”, diz a nota.
Paulo Terroso insiste, sublinhando o ineditismo do processo, em que “há claramente um desejo de mudança”, porque as respostas que a Igreja tem “já não servem”. E exemplifica: “Nem os apóstolos [no tempo de Jesus] tinham tudo claro sobre o que seria a sua vida e a sua missão, sobre a Igreja que estava prestes a nascer…”
A ideia de alargar o tempo e o processo não foi falada especificamente em Frascati, diz Paulo Terroso, mas esta nova convocatória do Papa corresponde à ideia de muitos contributos recebidos, que referiam ser necessário mais tempo. Agora, isto “irá de certa forma obrigar os episcopados e a Igreja Católica no seu conjunto a amadurecer e alargar formas de debate e participação”.
Para o mesmo responsável, o Sínodo sobre a sinodalidade é a concretização do Vaticano II em muitos aspectos: ele “produzirá a maior transformação do catolicismo depois do Concílio Vaticano II e ajudará a perceber que a Igreja se constrói a partir do baptismo e não do ministério ordenado”. Na sua perspectiva, implicará várias mudanças nos campos do direito canónico, da liturgia, da teologia e da formação dos seminários. “A grande transformação é sempre cultural e é sempre muito lenta”, insiste, “até chegar a uma Igreja onde se respeita toda a gente como baptizada, em que as coisas são dialogadas, em que se valorizam os conselhos económicos e pastorais e a participação de todas as pessoas, em que se mudam as formas como reunimos, como rezamos ou tomamos decisões.”
O Sínodo ainda reservará muitas surpresas, admite Paulo Terroso, tendo em conta que é uma intuição presente desde o início do pontificado de Francisco, que o considerou como a concretização do “sonho do Papa Paulo VI”.
Este processo sinodal foi iniciado em 2021 pelas Igrejas locais, ou seja, em todas as dioceses católicas do mundo; milhares de contributos deram origem a 112 sínteses das Conferências Episcopais e dos Sínodos das Igrejas Católicas Orientais. Abriu-se, agora, a etapa continental, diz a nota da Secretaria do Sínodo, “que culminará com a celebração das Assembleias Sinodais Continentais, entre Janeiro e Março de 2023, convocadas para rever a viagem feita, para continuar a escuta, o discernimento a partir do documento da Etapa Continental e de acordo com as especificidades socioculturais das suas respectivas regiões, com o objetivo de dar um último passo neste caminho espiritual”.
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