Tradução completa da Audiência aos participantes do Congresso Mundial promovido pela Congregação para a Educação Católica
Roma,
23 de Novembro de 2015
(ZENIT.org)
Publicamos abaixo a tradução de zenit da transcrição das respostas
do Papa Francisco a algumas perguntas que lhe foram feitas durante a
audiência concedida aos participantes do Congresso Mundial promovido
pela Congregação para a Educação Católica, acontecida no último sábado,
21, na Sala Paulo VI no Vaticano.
***
(Prof. Roberto Zappala, gerente escolástico do Instituto Gonzaga de Milão)
As instituições educativas católicas estão presentes em uma
grande variedade de países e contextos: nações mais ricas, nações em
desenvolvimento, nas cidades, nas áreas rurais, em nações de maioria
católica e em Países em que o catolicismo, pelo contrário, é uma
minoria. Nesta grande variedade de situações, o que, na sua opinião, faz
com que uma instituição seja verdadeiramente cristã?
(Papa Francisco)
Também nós, cristãos, somos minoria. E me vem à mente o que disse um
grande pensador: “Educar é introduzir na totalidade da verdade”. Não é
possível falar de educação católica sem falar de humanidade, porque
justamente a identidade católica é Deus que se fez homem. Avançar nas
atitudes, nos valores humanos, plenos, abre a porta para a semente
cristã. Depois vem a fé. Educar de forma cristã não é somente dar uma
catequese: essa é uma parte. Não é só fazer proselitismo – nunca façam
proselitismo nas escolas! Nunca! – Educar de forma cristã é fazer
avançar os jovens, as crianças, nos valores humanos, em toda a
realidade, e uma destas realidades é a transcendência. Hoje existe a
tendência para um neopositivismo, ou seja, educar nas coisas imanentes,
para o valor das coisas imanentes, e isso tanto nos países de tradição
cristão quanto nos países de tradição pagã. E isso não é introduzir os
jovens, as crianças, na realidade total: falta a transcendência. Para
mim, maior crise da educação, na perspectiva cristã, é este fechamento à
transcendência. Estamos fechados à transcendência. Precisamos preparar
os corações para que o Senhor se manifeste, mas, na totalidade; ou seja,
na totalidade da humanidade que tem também esta dimensão de
transcendência. Educar humanamente mas com horizonte abertos. Todo tipo
de fechamento não serve para a educação.
(Fr. Juan Antonio Ojeda, professor da Universidade de Málaga)
(Em espanhol)
Santo Padre, em seus discursos, você se refere à ruptura dos
vínculos entre a escola, a família e as outras instituições da
sociedade. Por outro lado, Santidade, você nos convida muitas vezes a
promover e a viver pessoalmente uma cultura do encontro. O que significa
isso para todos os sujeitos comprometidos na promoção da educação?
(Papa Francisco)
É verdade que não apenas os vínculos educativos foram quebrados, mas a
educação tornou-se também muito seletiva e elitista. Parece que têm
direito à educação só os povos ou as pessoas que tem certo nível ou uma
certa capacidade; mas, certamente, não têm direito à educação todas as
crianças, todos os jovens. Esta é uma realidade mundial que nos faz
sentir vergonha. É uma realidade que nos leva à uma seletividade humana,
e que, em vez de aproximar os povos, os afastam; afasta também os ricos
dos pobres; afasta uma cultura da outra... Mas isso acontece também no
pequeno: o pacto educacional entre a família e a escola quebrou-se!
Deve-se recomeçar. Também o pacto educacional entre a família e o
Estado: está quebrado. A menos que haja um Estado ideológico que quer
tirar proveito da educação para fazer avançar a sua ideologia: como
aquelas ditaduras que nós vimos no século passao. É terrível. Entre os
trabalhadores com pior salário estão os professores: o que isso quer
dizer? Isso quer dizer que o Estado não tem interesse, simplesmente. Se
tivesse, as coisas não seriam assim. O pacto educacional quebrou-se. E
qui vem o nosso trabalho, de procurar caminhos novos.
O testemunho do Senegal, do pai... (se vira para ele), você que
falou: procurar fazer o que fez Dom Bosco. Dom Bosco, nos tempos da mais
terrível maçonaria do Norte da Itália, procurou uma “educação de
emergência”. E hoje é necessário uma “educação de emergência”,
precisamos buscar uma “educação informal”, porque a educação formal
empobreceu-se por causa da herança do positivismo. Somente concebe um
tecnicismo intelectualista e a linguagem da cabeça. E por isso,
empobreceu-se. Precisamos romper este esquema. E existem experiência,
com a arte, com o desporto... A arte, o desporto, educam! É necessário
abrir-se a novos horizontes, criar novos modelos... Existem tantas
experiências: vocês conhecem aquela que vos foi apresentada, “Scholas
occurrentes”, que procura justamente abrir, abrir o horizonte a uma
educação que não seja somente de conceitos na cabeça. Existem três
linguagens: a linguagem da cabeça, a linguagem do coração, a linguagem
das mãos. A educação deve movimentar-se nestes três caminhos. Ensinar a
pensar, ajudar a sentir bem e acompanhar no fazer, ou seja, que as três
linguagens estejam em harmonia; que a criança, o jovem pensem o que
sente e que faz, sinta o que pensa e que faz, e faça o que pensa e
sente. E assim, uma educação se torna inclusiva porque todos têm um
lugar; inclusiva também humanamente. O pacto educacional foi quebrado
por causa do fenómeno da exclusão. Nós encontramos os melhores, os mais
selecionados – que sejam os mais inteligentes, ou sejam aqueles que têm
mais dinheiro para pagar a escola ou a universidade melhor – e deixamos
de lado os outros. O mundo não pode seguir adiante com uma educação
seletiva, porque não existe um pacto social que iguale a todos. E este é
um desafio: procurar caminhos de educação informal. A da arte, do desporto, tantos, tantos... Um grande educador brasileiro – há
brasileiros aqui? – um dos vossos dizia que na escola – na escola formal
– devia-se evitar cair somente em um ensinamento de conceitos. A
verdadeira escola deve ensinar conceitos, hábitos e valores; e quando
uma escola não é capaz de fazer isso, essa escola é seletiva e exclusiva
e para poucos.
Acho que a situação de um pacto educativo quebrado, como a de hoje, é
séria, é grave. Porque leva a selecionar os “super-homens”, mas somente
com o critério da cabeça e somente com o critério do interesse. Detrás
disso, sempre há o fantasma do dinheiro – sempre! – que estraga a
verdadeira humanidade. Uma coisa que ajuda é também uma certa e sadia
informalidade respeitosa; e isso faz bem, na educação. Porque se
confunde formalidade com rigidez. E volto à primeira pergunta: onde
existe rigidez não existe humanismo, e onde não existe humanismo, Cristo
não pode entrar! Tem as portas fechadas! O drama da cirurgia começa nas
raízes da rigidez. E o povo quer outra coisa, e quando falo “povo”,
falo das pessoas, de todos nós, das famílias... Querem convivência,
querem diálogo – o cardeal Versaldi destacou isso: querem diálogo. Mas
quando o pacto educacional está quebrado e existe a rigidez, não há
lugar para uma universalidade e uma fraternidade. Nas duas experiências
que eu tive aqui, no Vaticano, falando, conectando-me com estudantes dos
cinco continentes – foi organizado por “Scholas occurrentes” – vi a
necessidade de unidade; e hoje o projeto que é oferecido é justamente o
projeto da separação, não da unidade. Também da seletividade.
"O que isso significa para os sujeitos envolvidos na promoção da
educação?": assim terminava a pergunta. Significa arriscar. Um educador
que não sabe arriscar, não serve para educar. Um pai e uma mãe que não
sabem arriscar, não educam bem o filho. Arriscar de forma razoável. O
que significa isso? Ensinar a caminhar. Quando você ensina uma criança a
caminhar, lhes ensina que uma perna deve estar firme, no chão que
conhece; e com a outra, procurar ir pra frente. Assim, se escorregar
pode defender-se. Educar é isso. Você está seguro nesse ponto, mas isso
não é definitivo. Deve dar um passo adiante. Talvez escorregues, mas te
levantarás, e adiante... O verdadeiro educador deve ser um mestre do
risco, mas do risco razoável, compreende-se. Como tentei explicar agora.
Não sei. Acho que respondi à pergunta...
(Ir. Pina Del Core, presidente da Faculdade de Ciências da educação Auxilium de Roma)
Santo Padre, quais desafios se abrem para os educadores nos
tempos da “terceira guerra mundial em pedaços”, a fim de não se fecharem
em si mesmos, mas de estarem e se tornarem pacientes construtores de
paz? Que incentivo quer oferecer a todos os educadores que se dedicam
com paixão a uma missão tão delicada?
(Papa Francisco)
Em primeiro lugar, gostaria de dar um testemunho com relação ao que a
Madre geral da congregação de Jesus e Maria acabou de dizer. Quando eu
era reitor da Universidade, a minha secretária era uma irmã daquela
congregação – ainda viva, madre Asunción, anciã -; mas esta irmã fazia o
trabalho de secretária na universidade, e depois, na tarde, comia um
paninho, pegava o carro e ia para a periferia, para ser a diretora de
uma escola de pobres. A secretária de uma universidade, da faculdade de
teologia, ia aos pobres. Tantas congregações como esta não perderam
nunca esta ideia. Talvez em alguns momentos destacaram mais o trabalho
entre a elite da cidade, mas têm a vocação de ir à periferia, onde
nasceram... E quantas fundadoras, quantas fundadoras de Congregações
religiosas nasceram para ajudar as jovens, ou quantos fundadores para
ajudar os meninos de rua, os pobres! Falei de Dom Bosco...
Coincidentemente a madre está aqui, e gostaria publicamente de agradecer
a Congregação e todas as congregações, masculinas e femininas, que
nunca se esqueceram da periferia!
Alguém pode dizer: "Mas nós, nós temos que formar líderes! Nós temos
que formar pessoas que pensem, que façam... Isso é verdade, deve ser
feito. Mas quando fui ao Paraguai, em uma escola de periferia tinham
realizado um encontro de alguns dias, os jovens, jovens não de rua, mas
jovens de periferia, pobres, sem o essencial; e estes jovens, moças e
rapazes entre 14 e 16 anos, escolheram falar sobre alguns temas, alguns
temas fortes. E eu ouvi a discussão entre eles, e as conclusões das
discussões sobre um dos temas: a gravidez adolescente. Eu pensei: como é
possível que estes, que vivem assim, que vivem na beira de um rio que
vai e vem [muitas vezes transborda], que têm pouco para comer, são
capazes de pensar assim? Porque tiveram um método e um educador ou uma
educadora que os levou pela mão. Ninguém, ninguém pode ser excluído da
possibilidade de receber valores, ninguém! E por isso, eis o primeiro
desafio que vos digo: deixem os lugares onde já existem muitos
educadores e vão para as periferias. Procurem ali. Ou, pelo menos,
deixem pela metade! Procurem ali os necessitados, os pobres. E eles têm
uma coisa que não têm os jovens dos bairros mais ricos – não por culpa
deles, mas é uma realidade sociológica: têm a experiência da
sobrevivência, também da crueldade, também da fome, também das
injustiças. Têm uma humanidade ferida. E penso que a nossa salvação
venha das feridas de um homem ferido na cruz. Eles, daquelas feridas,
trazem sabedoria, se há um educador valente que os leva adiante. Não se
trata de ir lá para fazer beneficência, para ensinar a ler, para dar de
comer..., não! Isso é necessário, mas é provisório. É o primeiro passo. O
desafio – e eu vos incentivo – é ir lá para fazer-lhes crescer em
humanidade, em inteligência, em valores, em hábitos, para que possam
seguir adiante e levar aos outros experiências que não conhecem.
Nesta mesma sala, há duas semanas - eu acho - recebemos, como hoje,
7.000 ciganos de toda a Europa. Rom. E a apresentação foi feita por um
que cresceu num bairro rom e agora é um parlamentar eslovaco. E pode
dar uma experiência diferente aos que não conhecem a periferia. E as
realidades se compreendem melhor das periferias do que do centro, porque
você, do centro, sempre está coberto, você, no centro, sempre está
defendido...
Pacto educativo quebrado, seletividade, exclusão, legado de um
positivismo seletivo: essas coisas precisam ser resolvidas. E seguir em
frente, seguir adiante com este desafio. Certa vez eu disse para uma
congregação de irmãs que tem uma especial vocação na Argentina, no sul
da Argentina, pela Patagónia: “Por favor, fechem a metade dos colégios
da capital de Buenos Aires e enviem as irmãs lá, naquela periferia da
Pátria”; porque de lá virão as novas contribuições, os novos valores, e
virão também as pessoas capazes de renovar o mundo. Ir à periferia. Mas
quero sublinhar isso: ir à periferia não é só fazer beneficência. É, em
educação, levar pela mão, pelo caminho, até onde podem. Aos Salesianos,
em Turim, disse: “Façam aquilo que fez Dom Bosco, naquele tempo, onde
haviam tantas crianças de rua, tantas. Educação de emergência. Educação
variada”.
Outra coisa, porque a freira perguntava também "quais desafios se
abrem aos educadores nos tempos da ‘terceira guerra mundial em
pedaços’”. Qual é a maior tentação das guerras, neste momento? Os muros.
Defender-se, os muros. O maior fracasso que pode ter um educador, é
educar “dentro dos muros”. Educar dentro dos muros: muros de uma cultura
seletiva, os muros de uma cultura de segurança, os muros de um setor
social que está bem e não vai mais para a frente.
Quero terminar, convidando, bem na linha desta pergunta, os
educadores e as educadoras a repensar – é uma tarefa de casa! Mas deve
ser feita em comunidade! – a repensar as obras de misericórdia, as 14
obras de misericórdia; repensar como fazê-las, mas na educação. Eu não
pedirei a vocês para levantarem as mãos, aqueles que conheço bem, de
memória não. Uma vez fiz isso nessa sala: estava cheia... E levantaram a mão só uns vinte... Mas, pensar: neste ano da Misericórdia,
misericórdia é somente dar esmola?, ou na educação, como posso fazer as
obras de misericórdia? Ou seja, são as obras do Amor do Pai; a primeira
palavra que o cardeal Versaldi falou: as obras do amor. Como posso fazer
para que esse amor do pai que vem especialmente destacado neste ano da
misericórdia, chegue nas nossas obras educativas?
E agradeço muito a vocês, educadores e educadoras – mal pagos -,
agradeço pelo que vocês fazem. Devemos reeducar muitas civilizações.
Devemos reeducar a Europa. Me dizia o reitor jesuíta de uma escola o
trabalho que ele tem para fazer mudar a mentalidade, para reeducar no
caminho que a Igreja quer hoje. E assim pode-se chegar também àqueles
que não acreditam. E quero agradecer também um educador que tornou-se
educador por meio do caminho do direito canónico – não sei como se
consegue, mas ele conseguiu -: o cardeal Grocholewski. Ele está presente
aqui. E ele é um exemplo que responde à primeira pergunta: ele tem
feito acordos com universidades de todo o mundo, católicas e
não-católicas. Por quê? Porque a paixão da educação conduz a isto: a
"humanizar" as pessoas. E também para ele, publicamente eu digo:
Obrigado, Eminência.
Não sei como continua o programa... acabou? Obrigado pelo vosso trabalho. E vos desejo um bom almoço.
E agora rezamos juntos à Nossa Senhora: Ave Maria,
(Tradução ZENIT)
(23 de Novembro de 2015) © Innovative Media Inc.
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