1. Partir de Cristo para as periferias
Começa o mês de Dezembro e também o ano
litúrgico com o Advento. O fim do ano civil está à porta. No hemisfério norte
temos o inverno e no sul, o verão. Na mudança de estação acontece o Natal, para
os cristãos memória do nascimento de Jesus Cristo. Para toda a humanidade uma
data significativa pelo peso que os países do mediterrâneo tiveram na evolução
da civilização mundial, apesar da diversidade cultural e religiosa. Mas a que
se deveu esta evolução? Sem querer exaltar o meu credo cristão, vou realçar
nesta nota dois factores importantes, senão decisivos, para isto assim
acontecer.
Primeiro, o acontecimento histórico da pessoa de
Jesus Cristo, nascido na plenitude dos tempos de acordo com a revelação cristã,
embora nem o povo das suas origens biológicas nem a terra onde nasceu
estivessem no centro da civilização mediterrânica, pois o centro politico era
Roma e não Belém ou Jerusalém e o centro cultural era Atenas. Mas a narrativa
da sua vida e mensagem foram uma novidade nunca vista. Não foram o poder
económico ou politico nem muito menos o fruir dos prazeres da natureza que
orientaram a sua vida e mensagem, mas o remar contra a corrente e a paixão pelo
bem da humanidade até ao dom da própria vida.
Mais cedo ou mais tarde, tudo teria terminado,
perdido a sua força exemplar, se tudo tivesse ficado pela morte prematura e violenta
de Jesus. E passo ao segundo factor decisivo, o chamamento de alguns
discípulos, que viram, ouviram e tocaram a pessoa de Jesus, mas também foram
testemunhas da sua ressurreição, que culminou com a vinda do Espírito prometido
e os tornou testemunhas intrépidas, prontas a obedecer antes a Deus que aos
homens, sem por isso serem revolucionários ou terroristas, dispostos a imitar o
Mestre pelo dom da vida, pela fé em Jesus e o amor ao próximo.
Embora nestes dois mil anos após a morte de
Jesus nem todos os que se disseram ou dizem seus discípulos o foram de verdade,
no entanto, sempre, em todas as épocas e lugares, houve e há discípulos a sério
e à letra do Mestre Jesus. Aponto apenas para o atual sucessor do apóstolo
Pedro, o Papa Francisco, que, apesar da idade, tem um discurso e gestos que
chamam a atenção para os simples e os poderosos deste mundo. Na mais recente
viagem a três países de África, Quénia, Uganda e República Centro-africana, como
há poucas semanas a países pobres e violentos da América Latina, ele, sem medo
do terrorismo ou das guerrilhas, foi mostrar-se solidário para com os pobres e
apelar à reconciliação dos povos e das religiões, para que cesse a exploração
da natureza e dos pobres e se fomente o encontro e diálogo entre as religiões, agora
muçulmanos e cristãos e entre países pobres e ricos. No Quénia, a 2 de abril do
corrente ano, radicais islâmicos mataram 147 estudantes cristãos no campus de
uma universidade. A resposta dos cristãos não é o apelo à violência, que nunca
é solução, mas à reconciliação pelo encontro, o diálogo e o respeito mútuo. Há
lugar para todos.
2. Chamados do povo para o servir
No dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição, padroeira
e rainha de Portugal, data em que o Papa abre a Porta Santa da Basílica de S.
Pedro e dá início ao Ano Jubilar da Misericórdia, em Beja ordenamos seis
presbíteros, que há vários anos estão a discernir a sua vocação e a formar-se
entre nós, mas não têm as suas raízes familiares no Alentejo. Três vieram do
Brasil, membros do Instituto de vida consagrada Milícia de Cristo. Os seus
nomes são Adriano, Adenilson e Diogo.
Dos outros três, um veio de Lamego, o Amadeu, outro de Lisboa, o Luís e outro
da Nigéria, o Godfrey. De origens diferentes, chamados do meio do povo, não
para ser servidos, mas para ser enviados em serviço do povo, um serviço de alta
qualidade, pois não possuem prata ou ouro, mas o Espírito de Jesus, que oferece
a sua vida pelo povo, para que este tenha vida e a tenha em abundância (cf At
3,6).
Esta qualidade de vida restitui a todos os que os recebem a
dignidade de filhos de Deus e irmãos uns dos outros. E não realizam esta missão
como pessoas desesperadas, sem alternativas de vida, amargas, violentas, mas
com alegria, preferindo antes sofrer que fazer sofrer, procurando realizar nas
suas vidas o que Jesus proclama nas bem-aventuranças: Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de
Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa
da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes sereis,
quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de
calúnias contra vós, por minha causa. Exultai
e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim
perseguiram os profetas que vos precederam (Mt 5, 8-12).
A diocese de Beja alegra-se com este dom precioso da vocação
sacerdotal destes jovens, felicita as suas famílias e pede a Deus que esta meia
dúzia de discípulos de Jesus, chamados do meio do povo por intermédio da Igreja
de Beja, se tornem ministros da misericórdia de Deus.
Neste dia 8 de dezembro, há 50 anos, encerrava em Roma o
Concílio Ecuménico Vaticano II, que o bom Papa João XXIII havia anunciado a 25
de janeiro de 1959 e no discurso de abertura, a 11 de outubro de 1962, afirmava
discordar dos profetas da desgraça (IV,3)
e que a Igreja devia afirmar a verdade e validade do Evangelho usando mais o remédio da misericórdia que o
da severidade (VII, 2). Isto mesmo pretende o Papa Francisco com o Ano
Jubilar da Misericórdia, que hoje se inicia. É pela misericórdia que Deus
manifesta o seu poder.
†
António Vitalino, bispo de Beja
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