Por vezes chega a notícia de que alguém famoso teve um final
trágico, como foi o caso de Amy Winehouse. Ainda hoje entristeço ao escutá-la
cantando Body and Soul, com Tony
Bennett. O que você fez consigo, moça? Que pena! Um enorme desperdício de vida,
sobretudo, e de muito talento. Tinha
asas de águia, mas voou como ave menor. Faltou um sentido para a existência.
A falta de um norte também pode ser visível em situações coletivas,
complexas. Casos de um povo, ou mesmo de um continente. Sabe-se, por exemplo,
que os países da parte mais abastada da Europa têm taxa de natalidade
insuficiente para manterem sua população, que envelheceria e decresceria com
vigor ainda maior não fosse o aporte de imigrantes. Gente sobretudo da África e
do Oriente Médio, empurrada por conflitos armados ou pela precariedade sob a
qual viviam em seus países de origem. Tentar uma nova vida em outro lugar faz
parte da história humana e contribui para a mistura de genes e culturas desde que
o homem pisou na Terra. O próprio Noé, para tomarmos um exemplo clássico, não
aportou sua arca na mesma ravina da qual partiu ...
Brincadeiras à parte, qual a razão para que alemães, italianos e
vizinhos gerem menos filhos que o necessário para que a população simplesmente
se mantenha? Seria a pobreza? Quando eram miseráveis, quando viviam sob a
dominação de um senhor de gleba, procriavam muito mais. Estarão doentes? Seus
hospitais longe estão de estarem abarrotados, mas as maternidades andam
subutilizadas. Seria a insegurança de um futuro negro, com guerra à vista? Não
parece. A economia anda bem e a Europa talvez jamais tenha vivido um período
similar de paz.
A despeito disto, a natalidade na Itália é acachapante, algo que um
Átila ameaçando Roma não causou. Algo que a Alemanha nazista, em meio à guerra,
com seus filhos a tombar por todos os fronts, não viveu. Quem poderia imaginar
que etnias tão abastadas brigariam com o futuro? Mas se as mulheres não são inférteis, se a sexualidade jamais foi tão
livre e se os homens parecem saudáveis, como explicar que a Europa viva uma
ameaça de que nem a peste negra, nem a gripe espanhola, nem as guerras
napoleônicas, nem a peste bubônica foram capazes?
Em minhas andanças convivi com alguns casais de países chamados desenvolvidos
e não raras vezes percebi que alguns deles nunca teriam mais que um filho, dois
no máximo. Cheguei a escutar que a felicidade é não ter filhos. Como
manifestação isolada, só me resta respeitar. Ninguém é obrigado a casar e os
sacerdotes aí estão como exemplo milenar. Tampouco os que casam têm a obrigação
de gerar descendentes. Grandes homens, como Albert Schweitzer, benemérito
insuperável em terras africanas, tiveram um só filho. Outros tantos, nenhum. O que intriga é o comportamento coletivo
que conduz à decadência demográfica.
Sempre desconfiei que os fenômenos sociológicos que observamos em
algumas sociedades materialmente muito desenvolvidas tivessem a digital do
egoísmo e a contribuição de um certo agnosticismo, quando não de um ateísmo não
militante ou sequer admitido. Dias atrás tropecei no livro “The new Vichy Syndrome: Why european
intelectuals surrender to barbarism”, do psiquiatra inglês Anthony Daniels.
Em três de seus capítulos o autor dá o
recado que traduz muito do que desejaria expressar sobre a vida sem
transcendência, a transcendência neopagã e a transcendência das pequenas
causas, como a luta pelos direitos dos animais e o feminismo.
Daniels
registra também que a essência da vida sem transcendência é a busca do máximo desfrute.
Os apetites ficam no comando e o sujeito passa a viver sob a ditadura de satisfazê-los.
No passado chamava-se isto de hedonismo. Hoje utiliza-se algumas expressões
como “dei um presente para mim mesmo”,
“eu mereço”, “quero qualidade de vida” e o “temos
que aproveitar”.
Acordar de madrugada para conferir se um filho dorme bem, confortá-lo
para que vença seus medos, velar sua febre, dividir com ele seus recursos, doar
seu tempo e consolar-se com as limitações inerentes que a prole impõe, são
sacrifícios que muitos evitam. É uma escolha, mas pode trair em alguns casos mero
egoísmo, como o endeusamento da carreira, do sucesso e das comodidades miúdas. Muito
se critica os períodos da história considerados obscurantistas. Isto é matéria
para boas discussões, amaciadas com vinho tinto, mas desde já voto na vida sem
transcendência como uma das mais obscurantistas e tolas que alguém pode levar.
J. B. Teixeira |
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