Na verdade não é fácil tentarmos
transformar o negativo em positivo. Mas será sempre possível, sobretudo para
quem tem bom humor, já que o sentido do humor constitui um prelúdio da
felicidade. Diz-se ainda que o sentido de humor é a disposição afetiva que
emana de uma existência feliz, sobretudo da alegria. Logo, consegue-se dar a volta
mais facilmente e ultrapassar a situação. Veio-me ao pensamento uma situação
que vivenciei há alguns anos. Tinha uma comunicação para fazer numa das mesas
de um congresso. Preparei a intervenção com o maior cuidado. Pedi
inclusivamente para ser revista por alguém da minha confiança, ciente da
responsabilidade que acarretava a minha intervenção. Talvez por ser a primeira
intervenção do dia não senti por parte da audiência um grande entusiasmo.
Fiquei um pouco pensativa, mas bem depressa me animei quando alguém referiu que
tinha gostado. Contudo, senti que não tinha alcançado o fim a que me propunha,
ou seja, motivar a audiência para os temas em debate. Bem depressa surgiu outra
oportunidade de fazer uma palestra. Desta vez, não preparei um grande discurso.
Falei unicamente com o coração, permitindo-me inclusivamente gracejar com sentido
de humor sobre um assunto que a todos preocupava. Estranhamente a audiência
sorriu e ovacionou. E mesmo um dos oradores da mesa referiu que tinha valido a
pena ter-se levantado tão cedo para participar nesta sessão de formação. O que
me parecia constituir uma quebra do protocolo, teve um efeito motivador,
colocou a audiência à vontade, criou-se um ambiente propício para um debate
profícuo. Neste dia sentia-me com uma alegria espontânea e imprevista, o que
permitiu libertar uma carga emocional positiva que com um simples gracejo
inofensivo permitiu neste ato social quebrar o gelo com suavidade tomando
alguma distância dos problemas sem perder a noção da realidade e oxigenando a
vida. Há algum tempo atrás participei num curso, na Universidade de Navarra,
promovido pelo Instituto de Ciências para a Família, denominado “A psicologia
da alegria e da tristeza”. Recordo que o Professor José B. Freire comentava que
um dos efeitos benéficos do humor é a sua capacidade para distanciar a pessoa
das coisas e dos acontecimentos sem fazer perder a sua vinculação com a
realidade. Acrescentou ainda que, se nos agarramos aos acontecimentos, estes
adquirem um caráter de imediatismo, de fronteira e assim a vida leva-nos de
emoção em emoção, de sobressalto em sobressalto, de susto em susto. Deu então
um exemplo, referindo que o panorama muda radicalmente quando se vive como se
estivéssemos a viajar de avião, acrescentando: do avião as coisas adquirem
perspetiva; e com a perspetiva, alívio e moderação. O sentido de humor imprime
perspetiva ao presente. Muito interessante mesmo, recordo que fiquei com imensa
vontade de possuir a capacidade de aprender a “arte” de viver como viajando de
avião, ou seja, ao observar a paisagem da janela do avião tomar alguma distância
dos acontecimentos apreciando as serras, os vales, uma montanha encrespada,
presságio de uma parte mais profunda de um vale e depois um barranco e ao fundo
o rio… A vida é assim! Um enlace sucessivo e alternativo, entrecruzado, de
entusiasmos e de abatimentos, de momentos e períodos prósperos, intercalados
com trechos árduos e bravios, pois só a navegar em mar calmo não se forja o
marinheiro experiente. O sentido de humor imprime alguma projeção à vida.
Por ironia do destino, viajei
muito de avião. Sei bem a que se referia o professor. Quantas vezes, sentia a
angústia da partida, ou a alegria de partir. Tudo depende do momento e dos
sentimentos que vivenciamos. Mas sim, tomamos distância dos acontecimentos e
conseguimos visualizar tudo com mais objetividade. Que bonito que é estarmos
mais alto, a uma longa distância do solo, poder observar a neve, as nuvens, o
sol, pensar que nos encontramos mais perto de Deus. Que saudades também do
tempo das aulas! Aprender, adquirir novos conhecimentos, é excelente, ajuda-nos
a crescer, a abrir novos horizontes. Quanto aos congressos em que participei,
fui melhorando nas comunicações, no interagir com a audiência, mas nem sempre
resultou conforme esperava. Recordo que a situação em que me senti pior foi num
congresso em Veneza. O voo atrasou bastante. Cheguei a Veneza, tive de apanhar
o barco que me deixou no Lido, perto do local onde decorria o evento. Cheguei a
pé, com a mala, sem ter tempo de mudar de fato e de me preparar para a
intervenção que era feita em língua inglesa. Fui direta para a sala e fiz a
minha apresentação pedindo desculpa pelo atraso e justificando-o. Na minha
modesta opinião engasguei-me algumas vezes. Contudo parece que a audiência
(talvez por simpatia e para me levantar a autoestima aplaudiu).Todos temos os
nossos dias, mas valeu muito a pena não ter desistido já que o abstract e o relatório com a
apresentação, circularam a nível internacional. Deus permita que tenha sido um
contributo, apesar de tudo, positivo e útil. Voltando às recordações da aula e
mais precisamente sobre a condição humana na qual são hóspedes habituais fixos,
a doença, a injustiça, a dor, o vício, a lacerante presença do mal, a angústia,
o sofrimento, a morte… E este espaço vital realista, conjugando as luzes e as
sombras, constrói o terreno único e idóneo para espalhar o sentido de humor.
Temos de aceitar a vida como ela
se nos apresenta, lutando sempre, adquirindo novos conhecimentos e experiência,
não baixando nunca os braços numa atitude de desalento. É difícil, mas não
impossível. Temos um exemplo de Édouard Manet.
Certo dia questionaram qual era o seu segredo para pintar uma obra de arte, ao
que ele respondeu com um verdadeiro realismo: “Se sai, sai; se não sai,
torna-se necessário voltar a começar. Tudo o demais, constituem verdadeiras
fantasias”!
Recordo que José B. Freire
concluiu esta aula referindo: “A vida sorri-nos? Bendito seja Deus! Não nos
sorri? Tentar todos os esforços para que nos sorria. Tudo o demais são
fantasias! Impossível conseguir? Pois será necessário sorrir apesar dos
acontecimentos da vida, ou… amargurar-se a vida”!
O melhor mesmo é encontrarmo-nos
preparados para quando a vida nos prove. Será muito bom que nos encontre em
paz, a usufruir de muita serenidade, aceitando os acontecimentos, vendo por
detrás deles a mão de Deus que é um Pai que não abandona nunca os seus filhos,
para assim podermos transformar os aspetos negativos em positivos. Termino
recordando a frase de Manet. “Se sai,
sai. Se não sai, torna-se necessário recomeçar. Tudo o demais são fantasias”!
Maria Helena Paes |
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