Ando às voltas
com a leitura da Populorum Progressio, em cuja feitura Paulo VI, um Papa
reabilitado pelo tempo, pontifica sabedoria e registra a preocupação da Igreja com
os rumos da humanidade. Em seu tempo já era bem conhecido o estrago que
correntes políticas radicais - como nazismo, fascismo e comunismo,- provocaram
e podem a qualquer momento voltar a causar. Supressoras da liberdade em nome de
um nirvana de ordem, progresso e libertação da escravidão, estas ideologias são
cativantes para países em desordem, atrasados e de fato espoliados. Remédios
sempre à mão na prateleira das utopias, operam como o carrapaticida que combate
a praga enquanto também mata o hospedeiro.
Mas não podemos
esquecer, por danosas que sejam, que o florescimento e a adoção da utopias são
precedidos por momentos históricos insustentáveis. A Alemanha, batida e
humilhada, com inflação astronômica, era caminho aberto para um histriônico
maluco, que amalgamou ares de irada divindade com o gosto alemão pela ordem. A
Rússia, atrasada até o último, desgastada por conflitos e comandada por um czar
atordoado por preocupações familiares - marcadamente pela hemofilia do herdeiro
e patéticas intervenções do mistificador Rasputin,- era terreno arado e fértil
para movimentos de violenta sedição. Da mesma forma Mussolini não brotou por
geração espontânea. Inicialmente socialista, valeu-se de poderosa oratória e
gosto pelo poder para liderar os camisas-negras e a Marcha sobre Roma, combater
os socialistas e tornar-se o Duce.
Vender terrenos
na Lua ou paraísos terrestres não é para qualquer um. É preciso reconhecer o
talento de quem o faz, por mais deplorável que isto seja. Quem compra tais
ideias o faz por inocência ou ganância, no caso dos terrenos, ou por
despreparo, leniência ou desespero, no que toca a promessa do Éden na Terra.
Tais condimentos negativos - inocência, ganância, despreparo, leniência ou desespero,-
podem ser combatidos por educação, amadurecimento e bem estar social. É sempre
bom não esquecer que os regimes milagreiros e violentos instalam-se pelo clamor
suspenso no ar, à espera de um Führer, de um Duce, de um Timoneiro. As utopias
são precipícios, mas sua sedução resulta da erosão da legitimidade do poder
constituído.
O tempo e a
verdade precisam operar no coração humano para que o impossível se torne mais
próximo, ainda que inatingível. Não é produtivo, nem sensato, pregar o
capitalismo entre desvalidos ou defender o liberalismo entre miseráveis. Como
também não passa de tempo perdido defender a extinção da propriedade privada
entre latifundiários e banqueiros.
Paulo VI, culto e
sábio, defendeu a criação de um fundo mundial para que os países menos
desenvolvidos sejam socorridos e orientados para o desenvolvimento. Em sua
exortação, porém, ressalta que “qualquer programa
feito para aumentar a produção não tem, afinal, razão de ser senão colocado ao
serviço da pessoa”, ou seja, não se pode admitir fome no campo espigado ou
condição sub humana de operários. Menciona o “Enchei a terra e sujeitai-a” para lembrar que a criação é para o
homem e que todo homem tem o direito “de
nela encontrar o que lhe é necessário”. Rafael López Jordán, comentando a
Encíclica, faz uma referência à obra “Eclissi
dell´intellettualle”, de Elémire Zolla, publicada em 1959, que responsabiliza
a tecnificação progressiva pela crescente desumanização e não vê caminho de
saída porque a técnica tem “um poder
despótico sobre o homem”. Zolla combateu o conformismo, tão bovino entre os
homens.
A má distribuição
da riqueza mundial é de estarrecer e por certo a tecnificação, guante novo na
mão dos mais ricos, acelerou a desigualdade. Os números podem oscilar, mas a
Oxfam International, entidade criada em Oxford em 1942, que combate a injustiça
que causa a pobreza, informa que algo em torno de 80% da riqueza mundial
encontram-se nas mãos de 1% da humanidade. Paulo VI não furtou-se de realçar
truísmos: “as especulações egoístas devem
ser banidas” e “os povos pobres ficam
sempre pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos”.
Em geral bem acolhida
no mundo, com a autoridade da Cátedra de Pedro, ainda que não tratando de
artigos de fé, a Populorum Progressio também enfrentou oposições, como a do New
York Times, que sugeriu que a Encíclica tinha cunho marxista. Na meca do
capitalismo, não foi surpresa. Este é um embate sem fim, que coloca os homens
em polos opostos. Num destes polos rosnam lobos. Tudo parece tão claro mas, ainda
assim, mesmo conhecendo os meandros da desigualdade e dos egoísmos tantos, há
quem faça pouco caso do pecado original.
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J. B. Teixeira |
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