30 Mar 19 | Destaques, Diálogo ecuménico e inter-religioso, Islão, Newsletter, Últimas |
O dia de sábado será para dialogar com o islão moderado, num encontro com imames, pregadores e pregadoras muçulmanos, e com imigrantes, num centro da Cáritas diocesana. O domingo será dedicado aos cristãos: um encontro com clero, religiosos e consagrados e responsáveis de outras confissões cristãs; e a celebração da eucaristia com cerca de 10 mil pessoas, último acto antes do regresso a Roma. A viagem do Papa a Marrocos, onde Francisco chega às 13h (de Lisboa) deste sábado, ali permanecendo até domingo ao fim da tarde, será mais uma ocasião de o Papa insistir em alguns dos seus temas prioritários.
Depois da sua participação no encontro inter-religioso de Abu Dhabi, no início de Fevereiro, o Papa argentino faz, desta viagem a Marrocos, mais uma etapa na sua aproximação ao islão – e, nomeadamente, ao islão que também está interessado no diálogo inter-religioso e que promove propostas de tolerância pacífica. Não por acaso, a visita a Marrocos começa com um encontro que inclui “o povo marroquino, as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático”, na esplanada de Tour Hassan, às 14h portuguesas deste sábado, 30, uma hora depois da chegada.
Há já, entretanto, um caminho feito localmente que abre esta estrada do diálogo que o Papa quer promover: a 7 de Março, decorreu em Tetuán (nordeste de Marrocos, 40 quilómetros a sul de Ceuta), um encontro inter-religioso (Os católicos serão uns 40 mil em Marrocos, onde 99 por cento da população professa o islão. A maior parte dos católicos são imigrantes provenientes da África subsariana.)
Nesse encontro, os participantes afirmaram “comprometer-se seriamente na difusão da cultura de tolerância, da convivência e da paz”. O texto final do encontro, que retoma alguns excertos do documento sobre a Fraternidade Humana, assinado pelo Papa Francisco e pelo Grande Iman de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, declara que muçulmanos e cristãos assumem a “cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta e o conhecimento recíproco como método e critério”.
Muito antes disto, em 1985, João Paulo II foi o primeiro Papa a visitar Marrocos – e o único até agora. Nessa altura, Wotyla teve um encontro com 80 mil marroquinos – sobretudo jovens – a quem disse que cristãos e muçulmanos deviam aceitar as suas diferenças e mudar a oposição e conflito registados com frequência no passado.
Foi o rei de Marrocos, Mohammed VI, quem convidou o Papa para esta viagem, a terceira de Francisco a um país esmagadoramente muçulmano (depois do Egipto, em 2017, e dos Emirados Árabes Unidos, em Fevereiro último). Apesar de o rei estar pessoalmente interessado no diálogo inter-religioso, o proselitismo ou a tentativa de conversão de um muçulmano são crimes que podem ser punidos com seis meses a três anos de prisão. Na Constituição do país, apenas o islão sunita e o judaísmo são considerados religiões nativas, apesar de ter havido comunidades cristãs no território cerca de cinco séculos antes do aparecimento do islão, como recorda o Crux.
A visita do Papa a um instituto de formação de líderes muçulmanos é, nesta perspectiva, um momento alto desta visita. A funcionar desde 2015, o Instituto Mohammed VI acolhe mais de 700 alunos por ano, como parte da estratégia governamental, que vem desde 2004, no sentido de tentar conter as correntes extremistas.
Talvez se um bispo morrer…
Outro tema no centro da viagem é o dos imigrantes e refugiados – ou seja, de uma das realidades remetidas para as periferias tão caras ao Papa. Ceuta, enclave espanhol em Marrocos, é uma das portas de entrada para muitos africanos que procuram a Europa – e que, por vezes, tentam forçar a entrada. Ainda no último Verão, recordava a AP, as autoridades reprimiram com violência tentativas de entrada em Ceuta e de atravessar o Mediterrâneo.
Marrocos tem tentado pressionar a Europa a pagar para gerir as vagas de migrantes. Mas várias organizações de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, têm denunciado as medidas adoptadas pelas autoridades do país. Desde o início do ano, dizia ainda a mesma fonte citando a Organização Internacional de Migrações, quase 47.500 migrantes chegaram à Espanha por mar, enquanto 564 morreram ou desapareceram quando tentavam chegar à Europa.
Mais de metade dos católicos marroquinos são imigrantes no país e uma boa parte deles serão ilegais. No início de Março, numa conferência de imprensa preparatória da visita, o arcebispo de Tânger, o galego Santiago Agrelo Martinez, afirmou, citado pela AP, que a Igreja “sofre com falta de fundos: podemos dar a alguns migrantes alimentos, plásticos ou cobertores, mas não lhes podemos dar o respeito que merecem”. E acrescentava: “São pessoas e não animais.”
Cristobal Lopez Romero, arcebispo de Rabat, dizia por seu turno, ainda de acordo com a mesma fonte, que o Papa Francisco “gosta de ir às fronteiras, aos lugares de trânsito”. Por isso o programa inclui um encontro com imigrantes, num centro social da Cáritas, bem como uma visita a um centro social agrário, já fora da cidade de Rabat.
Em declarações ao Crux, o bispo Santiago Agrelo afirmou ter pensado em meter-se num barco de borracha, como fazem tantos migrantes. Tinha a ilusão de que, se um bispo morresse a atravessar o Estreito de Gibraltar, talvez algo mudasse.
“Quando ouço o clamor dos imigrantes que vêm para a Europa, sonho com uma Igreja em que todos podemos cantar a vitória”, dizia o bispo. “Mas antes que esse dia chegue, para que esse dia seja possível, todos os consagrados precisam de descer ao mais profundo, aos caminhos onde jaz abandonado e rejeitado o Filho de Deus, com todos os crucificados da terra.”
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