24 Mar 19 | Destaques, Igreja Católica, Newsletter, Últimas |
Temas como o poder, o celibato, a moral sexual e a participação de mulheres e leigos têm de ser discutidos, defendeu o arcebispo de Munique. Mas há quem note que a reforma pretendida ainda não avançou e que as declarações colocam o cardeal Marx “a fazer figura de palrador”.
As recentes declarações do cardeal alemão Reinhard Marx, defendendo uma reforma profunda da Igreja que passe pela discussão de temas como os abusos clericais e sexuais, o papel das mulheres na Igreja, a moral sexual católica e o celibato, provocaram reacções genericamente positivas mas também algumas reservas, ao longo desta última semana.
A televisão e rádio NDR leu as declarações como reflexo de que “os bispos reconheceram que as coisas não podem continuar assim” e de que “temas como o poder, o celibato, a moral sexual e a participação de mulheres e leigos têm de ser discutidos”. No entanto, o mesmo comentário acrescentava que “não faltam vozes críticas a dizer que não vêem algo de novo a irromper nas estruturas rígidas da Igreja”.
No final da assembleia dos bispos, em Lingen, dia 14 de Março, o arcebispo de Munique e presidente da Conferência Episcopal Alemã disse que as reformas “exigem procedimentos especiais”. Citado numa reportagem de Zita Fletcher, no Catholic News Service (traduzida no Instituto Humanitas Unisinos, do Brasil), o cardeal admitiu que o escândalo dos abusos e os pedidos de reforma mudaram o catolicismo alemão: “A Igreja na Alemanha está vivendo uma ruptura. A fé só pode crescer e aprofundar-se se nos libertarmos do pensamento bloqueado, buscando debates livres e abertos e a capacidade de assumir novas posições e seguir novos caminhos.”
Para o cardeal Marx, “a Igreja precisa de um avanço sinodal” que, acrescentou, tem sido encorajado pelo Papa. “Vamos criar formatos para debates abertos e vincular-nos a procedimentos que facilitem a participação responsável de mulheres e homens das nossas dioceses.”
Na Bayerischer Rundfunk, a radiotelevisão pública da Baviera, as declarações do cardeal foram comentadas como um desafio a toda os católicos no sentido de aproveitarem a Quaresma “para entrar num processo de mudança” de carácter “urgente”, em temas centrais como o “poder, abuso do poder e controlo do poder”.
Sempre de acordo com as fontes já citadas, o cardeal Marx acrescentou, nas suas declarações, que os bispos estão determinados em prosseguir um caminho de reforma, na sequência dos escândalos de abusos sexuais que atingiram também a Alemanha e de outros problemas urgentes. “Ouvem-se muitas vozes a dizer que deve haver uma lista concreta de medidas. Em resposta, só posso dizer que temos essa lista e ainda estamos trabalhando” sobre vários pontos, acrescentou.
“Figura de palrador”
O facto de este processo ainda não estar concluído leva a algumas críticas por parte de outras vozes. Por exemplo no Die Zeit, um dos jornais de referência do país, Raoul Löbbert escrevia, sexta-feira, 22, que o cardeal “tinha prometido uma limpeza da Igreja” mas que isso ainda não aconteceu. “Que Marx e alguns outros bispos tenham reconhecido a gravidade da situação e queiram mudar a sua Igreja, é possível, mesmo provável. Mas um ou dois bispos a travar [as reformas] bastam para paralisar a Conferência Episcopal e assim levar o seu presidente, com tantas promessas, a fazer figura de palrador perante a sociedade.”
O próprio cardeal reconhecera, no seu balanço da assembleia dos bispos, a desilusão que atinge mitos crentes: “Nesta assembleia, vimos, ouvimos e experimentamos que vocês, os fiéis a cujo serviço estamos e com os quais nos sentimos ligados em comunidade, acompanham as nossas consultas com críticas. Gostaríamos de lhes dizer que vos vemos e ouvimos, nas críticas, preocupações, dificuldades, dúvidas e buscas.”
Na mesma ocasião, Reinhard Marx acrescentara que os casos de abusos clericais traem “a confiança das pessoas em busca de firmeza e de orientação religiosa”. Defendendo um caminho sinodal, com mais participação de todos os crentes nas decisões que à comunidade católica, admitiu também que o debate sobre o celibato exige mais reflexão e que nem sempre os bispos entendem as questões da moral sexual contemporânea – durante a assembleia, foram ouvidos vários teólogos, administradoras mulheres dentro da Igreja e outros especialistas.
Arcebispo francês: sim à ordenação de homens casados, mais mulheres a pregar na Igreja
Se o cardeal Marx diz que o celibato obrigatório do clero ainda deve ser debatido, já o arcebispo francês Pascal Wintzer, de Poitiers, declarou-se com mais certezas a favor da ordenação de homens casados. Em declarações à RCF (Rádio Católica de França), a 8 de Março, o bispo disse ter escolhido o celibato porque isso correspondia à sua identidade. Mas, acrescentou, pensa que, tal como acontece nas Igrejas Orientais, “os homens casados podem ser chamados a ser padres, enquanto continuam nos seus empregos”, bem como as suas vidas familiares e profissionais.
Citado pelo La Croix International, Pascal Wintzer afirmou: “Aos domingos, eles [homens casados ordenados] presidiriam à assembleia litúrgica, dirigindo a oração e anunciando o evangelho”. E acrescentou que também desejaria ver “mulheres não a presidir à missa mas a pregar mais vezes” na Igreja.
Sobre os casos de abusos sexuais e encobrimento que atingiram também a Igreja em França, o arcebispo de Poitiers disse ser positivo viver “num país secular onde cada cidadão tem de prestar contas perante a justiça” e que isso inclui os bispos. O último caso que abalou a Igreja Católica em França foi a condenação do cardeal Philippe Barbarin, arcebispo de Lyon, por encobrimento de abusos cometidos por um padre. O cardeal Barbarin apresentou a sua demissão ao Papa, que a recusou, uma vez que se aguarda ainda o resultado do recurso apresentado pelo arcebispo. Mesmo assim, Barbarin decidiu afastar-se por um tempo do governo da diocese.
(Este texto teve o contributo de Joaquim Nunes, em Offenbach, Alemanha)
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