Mais um fim-de-semana na Vila de Mafra com o
objetivo de participar na Missa e Procissão do Senhor Jesus dos Passos de Mafra, no dia 17 de fevereiro,
2019. Tinha lugar pelas 15h30 na Real Basílica de Nossa Senhora e de Santo António no Real
Edifício de Mafra. Esta procissão, que constitui uma antiga devoção mafrense,
remontando ao século XVIII, também é igualmente conhecida como a Procissão do
Encontro, uma vez que há dois cortejos litúrgicos que saem de diferentes locais: da Real Basílica de Nossa Senhora e de Santo António, de onde
sai o andor do Senhor Jesus dos Passos, e da Igreja de Santo André (antiga
matriz da vila de Mafra), sai o andor de Nossa Senhora da Soledade, que fora
transportado na véspera da Basílica para esta Igreja. A certa altura os dois
cortejos encontram-se, unem-se e seguem posteriormente para a Igreja de Santo
André. Decidi fazer uma caminhada até à Basílica. Estava ansiosa por observar a imagem de
Nossa Senhora da Soledade, vestida com o seu magnifico vestido novo, cópia
precisa do antigo, feita por um artesão na cidade de Sevilha e que tinha ficado
uma verdadeira preciosidade. Contudo, depois de uns dias de primavera, a tarde
apresentava-se agora com alguma nebulosidade, augurando um tempo menos favorável. Pensei interiormente ao
entrar na Basílica: ”Deus permita que não chova, já que as imagens dos andores são de roca, e sendo
assim a procissão não poderia sair”. Fui admirando o enorme trabalho de retaguarda.
Os andores encontravam-se todos preparados, com as imagens vestidas, para saírem nas diferentes nas
quatro procissões que têm lugar nos domingos da Quaresma. Esta será a primeira. Entregaram-me
uma linda pagela com a Imagem do Senhor Jesus dos Passos de Mafra de cujo texto
reproduzo um excerto: “De todo o coração Vos adoro, Vos louvo e Vos dou graças. Pelo peso da Vossa
cruz, perdoai os meus pecados, ouvi as minhas súplicas e, pela Vossa paixão, conduzi-me convosco à
vida eterna”.
Lindo e muito adequado. Presidirá hoje à celebração o Bispo Auxiliar do Patriarcado
de Lisboa, Sua Excelência Reverentíssima o Senhor Dom Daniel Henriques, oriundo
precisamente de Santo Isidro, Mafra. Feliz coincidência!
O evangelho deste II Domingo da Quaresma, refere a
subida de Jesus ao Monte Tabor (Mt 17, 1-9), a Sua transfiguração, em que o Seu
rosto ficou brilhante como o Sol, e que as vestes tornaram-se-Lhe brancas como
a Luz. Apetece-nos muito dizer: “Vultum tuum, Domine requeiram (Senhor, desejo
ver o vosso rosto)”, ou seja, almejamos ver Jesus, nos acontecimentos diários da nossa vida. Dom Daniel (ouso agora referir
algumas frases, segundo o meu modesto entender) convidou-nos a posicionarmo-nos
perante o mistério da cruz, a permanecermos, enquanto discípulos, junto da Cruz. A subirmos com Jesus ao Monte
Tabor, recordando as palavras de Jesus: “Quem quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a
sua cruz e siga-me”. Acolher Jesus com Amor, ou sofrer com desespero. Somos chamados pelo nome
pessoal, abraçados com amor, por uma feliz e bem-amada cruz que nos salva, a
quem é capaz de ter um olhar de esperança e não de desespero. Recordou ainda o convite de Deus
a Abraão: “Sai
da tua casa. Contempla na noite as estrelas do céu. Vê se as consegues contar…” Quando saímos durante a noite temos noção de que nada somos
na nossa pequenez e somos chamados a uma dignidade tão grande, ou seja, o valor
que nós temos aos olhos de Deus. Rejeitar a Cruz de Cristo, é rejeitar a nossa
cruz de todos os dias. Jesus chama-nos pelo nosso próprio nome. Convida-nos a
subir com Ele. Temos de estar dispostos à canseira da subida, atitude certa de
quem abraça a Cruz com amor, aprendendo d´Ele.
Na verdade, questiono como será a nossa vida no Céu, extinta
de todos os temores, face a face com toda a beleza, bondade, sem qualquer
inquietação, na glória que nos espera, depois de tantas vicissitudes terrenas, em que carregámos a nossa cruz de todos os
dias. Já o Apóstolo dizia: “Nem olho viu,
nem ouvido ouviu”. A missa termina. A chuva chegou. A procissão não poderá sair ao Encontro da Nossa
Senhora da Soledade. Nem sempre é possível concretizar o que temos em mente. Temos muitas vezes de nos ajustar a novas
realidades. O cortejo será dentro da Basílica, realizando-se o que estava previsto ser feito na rua.
Olhei
para o altar. Senti que recuava em sonhos vários séculos, visualizando a
existência atrás do presbitério de uma primorosa grade hoje desaparecida devido
à incúria dos homens, atrás da qual a Família Real, assistia à Santa Missa em
conjunto com os religiosos. Os tempos mudaram, agora vivemos uma nova realidade
adequada ao momento que vivenciamos. Mas é bom recordar a nossa história da
qual muito nos orgulhamos. Voltei ao momento presente.
Haveria seguidamente a leitura comovente de três
estações da Via Sacra. Estes escritos, cheios de sincera piedade, trazem-nos à mente
o Filho de Deus. Homem como nós e Deus verdadeiro, que ama e sofre, na Sua
carne, pela Redenção do mundo. Deus quer-nos contentes e a Seu lado, ainda que
em nenhum momento nos falte a Cruz. E ao Seu lado, Sua mãe,
Mãe nossa também, que nos concederá a fortaleza de que
necessitamos para seguirmos atrás dos passos do seu Filho. Depois de cada uma das
estações, Verónica entoaria o seu cântico de dor em latim, que nos trespassaria a alma.
“Vós todos que
passais pelos caminhos, parai e vede se há dor maior do que a minha dor”. Os coros da Basílica abrilhantaram a cerimónia. Dom Daniel faria
um breve comentário que se encontrava previsto para o momento do Encontro, agora sem
Encontro, adequado à nova situação, referindo que a chuva não constituía um motivo de desolação. A
chuva é um bem, mesmo que altere os planos. O Encontro é com o Filho do homem.
É o encontro permanente que nos envolve e nos convida a segui-Lo. Recordou a
necessidade de estarmos com Maria. Maria uniu-se ao Filho e tornou-se
corredentora da humanidade. No Calvário foste o lírio dos lírios… E quando a morte chegar que eu vos possa louvar à sombra
da Cruz. A banda da Escola de Música Juventude de Mafra acompanhou, com os seus
acordes, o cortejo litúrgico. Fica expresso um agradecimento muito reconhecido, à Real Irmandade
do Santíssimo
Sacramento de Mafra, pelo seu trabalho e esforços desenvolvidos para que,
discretamente, tudo corresse pelo melhor. Gostaria ainda de dar ênfase a um
momento vivenciado, que teve lugar quando Sua Excelência Reverentíssima
incensou o Lignum Crucis que a Real
Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra tem à sua custódia desde o reinado
de S.M.R. o Senhor D. José I. Graças a Deus! De enaltecer igualmente o Pároco sempre muito empenhado
em que os fiéis acompanhassem com fé as cerimónias, e a vida da sua paróquia. E
ainda a todos os que de algum modo contribuíram para que as Procissões da Quaresma se tornem
uma realidade, com, ou sem chuva.
Maria Helena Paes |
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