Tem
dado origem a alguns equívocos por causa de uma frase relativa ao pluralismo
religioso nos desígnios de Deus (equívocos que foram bem dissipados num artigo
do Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada publicado no Observador). Mas, para além desses equívocos, parecem-me de
salientar outros aspetos que contribuem para atribuir um alcance histórico ao Documento sobre a Fraternidade em prol da
Paz Mundial e da Convivência Comum assinado pelo Papa Francisco e pela
máxima autoridade do Islão sunita (não equiparável, porém, à autoridade do Papa
na Igreja Católica), o Grande Imã da universidade Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb
Convém salientar que os signatários representam (de formas
diferentes – é certo) as duas confissões religiosas com que se identificam o
maior número de pessoas em todo o mundo. Vivemos num contexto em que se teme o
chamado conflito de civilizações, que
colocaria em confronto, entre outras, as civilizações influenciadas pelo
cristianismo e pelo Islão (como sucedeu em séculos passados). A religião islâmica
é apontada por muitos como intrinsecamente violenta. Em muitos países é em nome
dela que são perseguidas minorias cristãs. Os conflitos históricos entre
religiões servem de motivo para a tese de que é necessariamente nefasta a sua
influência social A globalização torna incontornável a convivência entre
pessoas de diferentes culturas e religiões e entre cristãos e muçulmanos.
Neste contexto, o que nos diz este documento?
Diz-nos que «as
religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio,
hostilidade, extremismo, nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue.
Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso
político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de
religião que abusaram – nalgumas fases da história – da influência do
sentimento religioso sobre os corações dos homens para os levar à realização
daquilo que não tem nada a ver com a verdade da religião, para alcançar fins
políticos e económicos mundanos e míopes.»
Afirma que «entre as
causas mais importantes da crise do mundo moderno, se contam uma consciência
humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos, bem como o
predomínio do individualismo e das filosofias materialistas que divinizam o
homem e colocam os valores mundanos e materiais no lugar dos princípios
supremos e transcendentes.»
Afirma o valor da liberdade religiosa, rejeitando «o facto de forçar as pessoas a aderir a uma
determinada religião» (o que – não podemos esquecer - sucede em países onde
são punidas as conversões do Islão ao cristianismo).
Afirma valores que vão contra a cultura hoje dominante. O da
vida como um dom «que ninguém tem o
direito de tirar, ameaçar ou manipular a seu bel-prazer», que todos devem
preservar «desde o seu início até à morte
natural». Por isso, condena «todas as
práticas que ameaçam a vida, como os genocídios, os atos terroristas, os
deslocamentos forçados, o tráfico de órgãos humanos, o aborto e a eutanásia e
as políticas que apoiam tudo isto.»
Afirma também o valor da família «como núcleo fundamental da sociedade e da humanidade, para dar à luz
filhos, criá-los, educá-los, proporcionar-lhes uma moral sólida e a proteção
familiar». Por isso, atacar «a
instituição familiar, desprezando-a ou duvidando da importância de seu papel,
constitui um dos males mais perigosos do nosso tempo.».
Sobretudo estas, mas também outras afirmações, solenes e
firmes, conferem um alcance histórico a este documento. Há que fazer tudo para
que ela tenha repercussão prática, pois, como disse a propósito o Papa
Francisco, «ou construímos juntos o futuro, ou não haverá futuro».
Pedro Vaz Patto
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