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domingo, 31 de março de 2019

Como nos Posicionamos?

Porque de tanto escrever, questiono hoje se não sou apenas mais um mero personagem que integro habitualmente nas minhas narrativas. Será que me perdi no meio das histórias, tendo ficado presa nalgum cantinho de um livro, de um artigo, de um poema? Afinal quem sou eu, que sem eles já não sei viver? Vejo como desponta a primavera. Uma flor, mais uma flor, direi mesmo, o florescer da estação. Por analogia é assim com a escrita. Um artigo, mais um artigo, logo um livro, talvez poesia… As flores têm vida. A escrita também. Algumas são particularmente bonitas com um odor intenso. A narrativa também. Alguns livros são bons, outros nem tanto, acabando numa qualquer prateleira até serem corroídos pelas traças, ou utilizados enquanto papel de embrulho, ou outro destino qualquer. As flores murcham, salvo algumas que se perpetuam através das diferentes expressões de arte, num quadro… De imediato, senti um clique. Surgiu na minha mente uma visita ao lindíssimo Palácio que alberga hoje em dia o Museu Belvedere em Viena, Áustria, onde tive a possibilidade de visualizar durante uma visita, um quadro que não mais esqueci e que me marcou profundamente. Representava Nossa Senhora com o Menino, um quadro oval, todo circundado de flores de uns tons de uma beleza rara. Tanta ternura, doçura, serenidade, um olhar repleto de amor. Senti que nunca mais o iria esquecer durante a minha vida. Estranhamente, não me recordo do nome do seu autor. Talvez seja de Rafael, de Rubens… Não consigo precisar de todo. Na verdade, preencheu-me tanto este quadro, que findei a visita por ali. Queria reter esta imagem que tanto me tinha tocado. Várias vezes tenho pensado no assunto. Procurei uma fotografia tirada em frente ao quadro, mas sem sorte. A minha irmã que me acompanhou nesta visita já não está entre nós. Foi a última viagem que realizou já doente em fase terminal. Mas na altura não sabíamos a gravidade da sua doença. Recordo que seguidamente, decidimos ir tomar um chá no café do Palácio Belvedere, também para descansar um pouco. Comentámos o magnífico quadro e a visita. Os jardins, os lagos, a paisagem, ficámos, igualmente impressionadas, pela positiva, pelo espaço do café, localizado numa sala do palácio, tal como outrora, exibindo pinturas, talhas douradas, reposteiros... Que bom descansar neste espaço tão acolhedor. Talvez, um dia tenha oportunidade de voltar ao Museu Belvedere, quem sabe! Fomos felizes nesse local. Vi a minha irmã sorrir, aproveitando do melhor modo, o pouco tempo de vida que lhe restava, esquecendo a sua doença, já que tinha uma predileção enorme por esta cidade. Voltando à pintura, não quero pesquisar na internet, o seu autor. Ficou arrumado no passado esse momento que vivemos. Contudo, por semelhança, importa realçar que o importante mesmo é o legado que deixamos, não propriamente a nossa pessoa que, salvo raras exceções, em condições normais, um dia cairá no esquecimento.

Encontrávamo-nos em Viena, com o objetivo de participarmos numa reunião/ ação de formação, sobre a Família, que tinha lugar nas Nações Unidas. Estava previsto a minha irmã acompanhar-me à referida reunião. Acabaria por preferir, à última hora, permanecer no hotel enquanto eu me deslocava à reunião. Não sentia coragem para enfrentar as pessoas conhecidas, talvez pressentindo que não voltaria a participar nesses eventos. Não queria que a vissem mais fragilizada. Animei-a, compreendendo, no entanto, o seu modo de sentir. Preferia ir fazer umas compras para os netos, já que o Natal se aproximava. Também passar por uma Igreja, a de S. Pedro, que é particularmente bonita. Quando regressei preocupada, encontrei-a feliz, no hotel a descansar, mostrando-me as compras que tinha feito entretanto, numa loja da sua predileção, que tinha fatos de criança muito bonitos a um preço económico. Respirei fundo. Ainda bem! Este sentimento de ambivalência, de querermos cumprir o dever programado e de acompanhar quem está doente, torna-se mesmo num sufoco. Todos perguntaram por ela. Tive de contar a verdade. Durante o jantar frugal, que fizemos posteriormente no hotel, quis saber em pormenor tudo o que se tinha passado na reunião. Foi assim até ao último momento da sua vida. Sempre interessada no que eu fazia. Por esse motivo, saudosa, caem-me ainda algumas lágrimas ao escrever estas linhas que hoje partilho. Encontro-me mais sensível. Não posso deixar de pensar no que aconteceu em Moçambique. Que tragédia enorme, que sensação de impotência. Também me sensibilizou um depoimento que tive oportunidade de ver na televisão sobre a violência contra a mulher, as crianças e também, em menor escala, contra os homens. Os diferentes atentados, que proliferam em vários pontos do globo, entre outros acontecimentos, que muito nos entristecem e nos causam dor.

Recordei que nos encontramos no tempo de Quaresma. “Invocabit me et ego exaudiam eum”. (Se me chamardes eu vos escutarei). Reparai nesta maravilha que é o cuidado que Deus tem por nós, sempre disposto a ouvir-nos, atento em cada momento à palavra do homem…Ele ouve-nos e não deixará de atender ao que Lhe pede um coração contrito e humilhado. (Sl 50,19). O Senhor ouve-nos para intervir, para se meter na nossa vida, para nos livrar do mal e encher-nos de bem. Eu o louvarei e o glorificarei, diz do homem. Portanto: esperança no Céu… Haverá melhor maneira de começar a Quaresma? Renovamos a Fé, a Esperança, a Caridade…O sentido profundo do fruto das três virtudes cardeais, na vida cristã. (S. Josemaria, in Cristo que Passa).

À laia de conclusão refiro que há situações que não entendemos o porquê, o que Jesus espera de nós, naquela situação concreta. Mas um dia no Céu entenderemos. A esperança da glorificação, aceitando os acontecimentos, acentua a nossa fé e estimula a nossa caridade. Como nos posicionamos na vida, é difícil, mas o caminho vai-se construindo, cada dia que passa, com muita fé, acreditando que tudo concorre para o bem da humanidade. Santa Maria, Rainha da Família e da Esperança, intercedei por todos os que sofrem por diferentes motivos. Rainha da Paz, rogai por todos nós.

Maria Helena Paes



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