Porque de tanto escrever,
questiono hoje se não sou apenas mais um mero personagem que integro
habitualmente nas minhas narrativas. Será que me perdi no meio das histórias,
tendo ficado presa nalgum cantinho de um livro, de um artigo, de um poema?
Afinal quem sou eu, que sem eles já não sei viver? Vejo como desponta a
primavera. Uma flor, mais uma flor, direi mesmo, o florescer da estação. Por
analogia é assim com a escrita. Um artigo, mais um artigo, logo um livro,
talvez poesia… As flores têm vida. A escrita também. Algumas são
particularmente bonitas com um odor intenso. A narrativa também. Alguns livros
são bons, outros nem tanto, acabando numa qualquer prateleira até serem
corroídos pelas traças, ou utilizados enquanto papel de embrulho, ou outro
destino qualquer. As flores murcham, salvo algumas que se perpetuam através das
diferentes expressões de arte, num quadro… De imediato, senti um clique. Surgiu
na minha mente uma visita ao lindíssimo Palácio que alberga hoje em dia o Museu
Belvedere em Viena, Áustria, onde tive a possibilidade de visualizar durante
uma visita, um quadro que não mais esqueci e que me marcou profundamente. Representava
Nossa Senhora com o Menino, um quadro oval, todo circundado de flores de uns
tons de uma beleza rara. Tanta ternura, doçura, serenidade, um olhar repleto de
amor. Senti que nunca mais o iria esquecer durante a minha vida. Estranhamente,
não me recordo do nome do seu autor. Talvez seja de Rafael, de Rubens… Não consigo precisar de todo. Na verdade,
preencheu-me tanto este quadro, que findei a visita por ali. Queria reter esta
imagem que tanto me tinha tocado. Várias vezes tenho pensado no assunto. Procurei
uma fotografia tirada em frente ao quadro, mas sem sorte. A minha irmã que me
acompanhou nesta visita já não está entre nós. Foi a última viagem que realizou
já doente em fase terminal. Mas na altura não sabíamos a gravidade da sua
doença. Recordo que seguidamente, decidimos ir tomar um chá no café do Palácio
Belvedere, também para descansar um pouco. Comentámos o magnífico quadro e a
visita. Os jardins, os lagos, a paisagem, ficámos, igualmente impressionadas,
pela positiva, pelo espaço do café, localizado numa sala do palácio, tal como
outrora, exibindo pinturas, talhas douradas, reposteiros... Que bom descansar
neste espaço tão acolhedor. Talvez, um dia tenha oportunidade de voltar ao Museu
Belvedere, quem sabe! Fomos felizes nesse local. Vi a minha irmã sorrir,
aproveitando do melhor modo, o pouco tempo de vida que lhe restava, esquecendo
a sua doença, já que tinha uma predileção enorme por esta cidade. Voltando à
pintura, não quero pesquisar na internet, o seu autor. Ficou arrumado no
passado esse momento que vivemos. Contudo, por semelhança, importa realçar que
o importante mesmo é o legado que deixamos, não propriamente a nossa pessoa
que, salvo raras exceções, em condições normais, um dia cairá no esquecimento.
Encontrávamo-nos em Viena, com o
objetivo de participarmos numa reunião/ ação de formação, sobre a Família, que
tinha lugar nas Nações Unidas. Estava previsto a minha irmã acompanhar-me à referida
reunião. Acabaria por preferir, à última hora, permanecer no hotel enquanto eu
me deslocava à reunião. Não sentia coragem para enfrentar as pessoas conhecidas,
talvez pressentindo que não voltaria a participar nesses eventos. Não queria
que a vissem mais fragilizada. Animei-a, compreendendo, no entanto, o seu modo
de sentir. Preferia ir fazer umas compras para os netos, já que o Natal se
aproximava. Também passar por uma Igreja, a de S. Pedro, que é particularmente
bonita. Quando regressei preocupada, encontrei-a feliz, no hotel a descansar,
mostrando-me as compras que tinha feito entretanto, numa loja da sua
predileção, que tinha fatos de criança muito bonitos a um preço económico.
Respirei fundo. Ainda bem! Este sentimento de ambivalência, de querermos
cumprir o dever programado e de acompanhar quem está doente, torna-se mesmo num
sufoco. Todos perguntaram por ela. Tive de contar a verdade. Durante o jantar
frugal, que fizemos posteriormente no hotel, quis saber em pormenor tudo o que
se tinha passado na reunião. Foi assim até ao último momento da sua vida.
Sempre interessada no que eu fazia. Por esse motivo, saudosa, caem-me ainda algumas
lágrimas ao escrever estas linhas que hoje partilho. Encontro-me mais sensível.
Não posso deixar de pensar no que aconteceu em Moçambique. Que tragédia enorme,
que sensação de impotência. Também me sensibilizou um depoimento que tive
oportunidade de ver na televisão sobre a violência contra a mulher, as crianças
e também, em menor escala, contra os homens. Os diferentes atentados, que
proliferam em vários pontos do globo, entre outros acontecimentos, que muito nos
entristecem e nos causam dor.
Recordei que nos encontramos no
tempo de Quaresma. “Invocabit me et ego exaudiam
eum”. (Se me chamardes eu vos escutarei). Reparai nesta maravilha que é o
cuidado que Deus tem por nós, sempre disposto a ouvir-nos, atento em cada
momento à palavra do homem…Ele ouve-nos e não deixará de atender ao que Lhe
pede um coração contrito e humilhado.
(Sl 50,19). O Senhor ouve-nos para intervir, para se meter na nossa vida, para
nos livrar do mal e encher-nos de bem. Eu o louvarei e o glorificarei, diz do
homem. Portanto: esperança no Céu… Haverá melhor maneira de começar a Quaresma?
Renovamos a Fé, a Esperança, a Caridade…O sentido profundo do fruto das três
virtudes cardeais, na vida cristã. (S. Josemaria, in Cristo que Passa).
À laia de conclusão refiro que há
situações que não entendemos o porquê, o que Jesus espera de nós, naquela
situação concreta. Mas um dia no Céu entenderemos. A esperança da glorificação,
aceitando os acontecimentos, acentua a nossa fé e estimula a nossa caridade. Como
nos posicionamos na vida, é difícil, mas o caminho vai-se construindo, cada dia
que passa, com muita fé, acreditando que tudo concorre para o bem da
humanidade. Santa Maria, Rainha da Família e da Esperança, intercedei por todos
os que sofrem por diferentes motivos. Rainha da Paz, rogai por todos nós.
Maria Helena Paes |
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