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domingo, 31 de março de 2019

Uma lágrima furtiva

Acordei hoje a pensar na belíssima ária: “Uma lágrima furtiva” da ópera denominada 'O Elixir de Amor' de Gaetano Donizetti, magistralmente cantada pelo tenor Luciano Pavarotti, sentindo-me presa, enredada num turbilhão de pensamentos que me assolam e que me inquietam, ao ouvir esta música, isto é, uma lágrima furtiva. Porquê tanta inquietude? O que me quer transmitir? Parece que pretende recordar-me de que há algo que não se encontra ainda resolvido no meu coração. A música continua: “Ah, céus! Sim, poderia morrer… de amor. O melhor mesmo é tentar passar para o papel os diferentes sentimentos que me invadem. Tudo tem uma explicação. Recordo que ontem à noite, antes de me deitar, uma amiga comentava ao telefone que, quando era criança, na vila dos avós, havia um sacerdote residente que celebrava missa diariamente. Também eram organizadas as habituais procissões nesta época da Quaresma. Como era arrepiante e comovente ouvir a Verónica cantar… Agora só no domingo se celebra Missa. Diminuiu o número de fiéis. Já não se realizam procissões. Importa procurar manter as tradições que recebemos dos nossos antepassados.

Pois é verdade. As palavras da minha amiga devem ter ficado no subconsciente. E acordei a pensar na falta de amor, por isso a lágrima furtiva. Amor a Deus. Há menos sacerdotes, menos vocações. “A seara é grande e os trabalhadores são poucos. Rogai pois ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. (Lucas 10,2). O Papa Francisco, referiu, na sua mensagem para o 56º Dia Mundial das Vocações, 2019, subordinado ao tema: “A Coragem de Arriscar Pela Promessa de Deus”, como na história de cada vocação acontece um encontro… vivemos a surpresa de um encontro e naquele momento, vislumbramos a promessa de uma alegria capaz de saciar a nossa vida… a chamada do Senhor não é uma ingerência de Deus na nossa liberdade. Não é uma “jaula” ou um peso que nos é colocado às costas. Pelo contrário, é a iniciativa amorosa com que Deus vem ao nosso encontro e nos convida a entrar num grande projeto do qual nos quer participantes apresentando-nos o horizonte de um mar mais amplo e de uma pesca superabundante. A vocação é um convite a não ficar parado… mas seguir Jesus pelo caminho que Ele pensou para nós, para a nossa felicidade e para o bem daqueles que nos rodeiam. Trata-se de vocações que nos tornam portadores de uma promessa de bem, amor e justiça. Não há alegria maior do que arriscar pelo Senhor… que promete a alegria de uma vida nova, que enche o coração e anima o caminho… pedindo ao Senhor que nos dê a coragem de arriscar no caminho que Ele, desde sempre, pensou para nós.

A minha amiga ao telefone continuou a confidenciar que várias vezes se tinha cruzado com o encontro com o Senhor. Não o seguiu, não por falta de coragem, não porque tivesse muitos bens porque não era esse o caso, como o do jovem rico que tinha muitos bens. A minha amiga teve receio na sua firmeza, na grandeza da sua fé, ou seja, que esta não fosse suficientemente forte, que não tivesse perfil…, mas pode ser igualmente, porque, na realidade, não se proporcionou. Talvez não tivesse fé suficiente para deixar tudo e segui-Lo, ou quem sabe, os planos de Deus a seu respeito seriam outros. Contudo, questiona, hoje em dia desgostosa, sem compreender, com algum grau de frequência: “Senhor, que queres tu de mim”? A minha alma através das Tuas mãos abençoadas foi tirada da escuridão. Chamei-Te e ouviste a minha prece. Quero cantar a Tua glória para sempre. Tudo é possível para quem tem fé. Tudo é igualmente possível a Deus. Nunca é tarde para Amar. Há sempre tantos modos de colaborar quer seja no apostolado, nas obras de misericórdia, através da oração. Eventualmente, Deus não a queria na clausura como era sua intenção inicial, mas através de atividades de bem-fazer desenvolvidas na comunidade, uma vez que amar o próximo, é também amar a Jesus que disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida.

Muitas vezes me foi concedida a oportunidade de privar com sacerdotes, na cidade de Roma. Vinham de toda a parte do mundo fazer formação teológica. Traziam um brilho imenso nos seus olhos e uma vontade incontestável de a todos amar ao serviço de Deus. Ainda hoje perdura na minha memória a sua disponibilidade para acompanhar a família, para nos mostrar os lugares santos existentes, bem como a sua alegria, quando assistíamos à missa que celebravam, ou quando, de algum modo, nos podiam apoiar nalguma situação com a qual nos confrontássemos. Uma verdadeira família, com espírito de serviço. Mas sempre senti igual apoio de Bispos, Irmãs de vida consagrada para amar. Na verdade, constituem a nossa família espiritual.

São de S. Josemaria as seguintes frases: “Diante de Deus nenhuma ocupação é, em si mesma, grande ou pequena. Tudo adquire o valor do Amor com que se realiza”.

“A chamada do Senhor – a vocação – apresenta-se sempre assim: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me”. Sim, a vocação exige renúncia, sacrifício. Mas como se torna prazeroso o sacrifício, - alegria e paz – se a renúncia é completa.

Termino este artigo como comecei. Com Pavarotti. Ah céus, quantas vidas consagradas ou não, terão morrido por Amor por esse mundo fora, ao longo de mais de dois milénios. Santa Maria, Rainha da Esperança, intercedei junto de Jesus, também com a nossa oração que depositamos no Vosso regaço, para que existam mais vocações, tão necessárias em prol do bem da humanidade.

Maria Helena Paes



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