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domingo, 3 de março de 2019

Diploma

Sem menoscabo da educação universitária, acho que seria saudável para o país rediscutir a supervalorização de um diploma de terceiro grau. Há trinta anos o número de universidades era bem menor e os vestibulares funcionavam como um filtro, abrindo as portas, pelo menos na média, para os melhor preparados. Não era um funil, pelo qual acabam passando todos, mas uma peneira, apartando potenciais de aprendizado e mérito.

Nas últimas décadas, pelo prestígio que um diploma promete emprestar, pelo negócio altamente rentável da educação superior e até mesmo, acreditemos, a título de qualificar os brasileiros, foram sendo criadas faculdades a torto e a direito, sobretudo as que demandavam tão somente quadro-negro e giz. Os vestibulares para tais instituições foram se tornando mero formalismo, a porteira abriu-se e a fábrica de diplomas passou a trabalhar a todo vapor. Simultaneamente a figura do mérito foi sendo lentamente solapada. Mal percebemos, porque foi em fogo brando, como convém no paradigmático cozimento de batráquios. Aprendi que mesmo as mudanças radicais são possíveis, desde que feitas lentamente, ludibriando a vigilância da sociedade que, desatenta, acaba chancelando qualquer coisa.

Multiplicaram-se faculdades e a sociedade foi alterando a visão de mérito. Criou-se o circo das honrarias e das premiações aleatórias, sem escrutínio algum. Homenagens de fancaria, a premiar qualquer coisa. Explodiu a fabricação de troféus, distribuídos em cerimônias no mais das vezes farsescas, com apresentadores a anunciar “O melhor nisto!”, “O melhor naquilo!”, no estilo me-engana-que-eu-gosto. Sem julgadores, sem critério visível e muito menos respeitável.

Há premiações tão fajutas que talvez nem um colecionador de medalhas - como Muttley, o sarcástico cão de Dick Vigarista,- as desejaria. Muitas destas representações grotescas ainda persistem entre nós. E tem mais: o agraciado com a “honraria” é normalmente achacado para contribuir com algum valor! A que título? Bem, criatividade e cara-de-pau têm sempre resposta ...

Quem paga para ser homenageado em geral sabe da enganação, mas fecha um olho, depois o outro e no fundo talvez passe a acreditar que possui algum mérito para conquistar o galardão. O me-engana-que-eu-gosto conta, portanto, com a cumplicidade da mais tola vaidade. Pois foi nesta sociedade de méritos pífios ou inexistentes que se multiplicaram as instituições de ensino superior, que travestem com pompa, circunstância e toga um exército de mal formados, com duvidosa utilidade para o país. Será que o diploma deveria constituir-se no desiderato maior? Pelo que vejo, hoje em dia estão a promover até formatura de Jardim de Infância ... É demais!

Alguém poderá objetar que os eventos são importantes como rituais de passagem e que marcam conquistas na ascensão social. Pode ser, mas a formação de terceiro grau, além de dispendiosa, é ociosa se o mercado não demanda. Estimular a geração de  diplomas, a rodo, como política de governo, até os desmoraliza e não promove necessariamente justiça social.

Ivan Illich, o polêmico pedagogo nascido em Viena, voltou sua artilharia contra a escolarização universal e a medicalização. Illich afirma que “Os pobres sempre foram socialmente impotentes. A crescente confiança nos cuidados institucionais adiciona nova dimensão à sua impotência: impotência psicológica, incapacidade de defender-se”. É o que resulta se não há mérito.

Quando analisamos a atuação do Estado, demagógica e exploradora da miséria - o Estado criador de benesses que desencorajam a laboriosidade,- a afirmação de Illich ganha força e  sugere o desastre das políticas do coitadismo. Segundo ele “A pobreza moderna combina a falta de poder sobre as circunstâncias com a perda de força pessoal. Esta modernização da pobreza é um fenômeno universal e está na raiz do subdesenvolvimento contemporâneo”. Criam-se habitantes que pensam como ricos e vivem como pobres. Vale refletir sobre isto, afinal, criando subsídios e administrando cotas, não estamos de fato enfraquecendo quem pensamos proteger?

Quanto aos diplomas, é preciso aprender sempre. Jamais esqueci o que me disse um cidadão muito humilde em São Paulo: “A vida não dá diploma, moço!”. Tinha toda razão. Não dá mesmo.

J. B. Teixeira



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