Sem menoscabo da
educação universitária, acho que seria saudável para o país rediscutir a
supervalorização de um diploma de terceiro grau. Há trinta anos o número de
universidades era bem menor e os vestibulares funcionavam como um filtro, abrindo
as portas, pelo menos na média, para os melhor preparados. Não era um funil,
pelo qual acabam passando todos, mas uma peneira, apartando potenciais de
aprendizado e mérito.
Nas últimas
décadas, pelo prestígio que um diploma promete emprestar, pelo negócio
altamente rentável da educação superior e até mesmo, acreditemos, a título de qualificar
os brasileiros, foram sendo criadas faculdades a torto e a direito, sobretudo
as que demandavam tão somente quadro-negro e giz. Os vestibulares para tais
instituições foram se tornando mero formalismo, a porteira abriu-se e a fábrica
de diplomas passou a trabalhar a todo vapor. Simultaneamente a figura do mérito
foi sendo lentamente solapada. Mal percebemos, porque foi em fogo brando, como
convém no paradigmático cozimento de batráquios. Aprendi que mesmo as mudanças radicais
são possíveis, desde que feitas lentamente, ludibriando a vigilância da
sociedade que, desatenta, acaba chancelando qualquer coisa.
Multiplicaram-se
faculdades e a sociedade foi alterando a visão de mérito. Criou-se o circo das honrarias
e das premiações aleatórias, sem escrutínio algum. Homenagens de fancaria, a
premiar qualquer coisa. Explodiu a fabricação de troféus, distribuídos em
cerimônias no mais das vezes farsescas, com apresentadores a anunciar “O melhor nisto!”, “O melhor naquilo!”, no estilo me-engana-que-eu-gosto. Sem julgadores,
sem critério visível e muito menos respeitável.
Há premiações tão
fajutas que talvez nem um colecionador de medalhas - como Muttley, o sarcástico
cão de Dick Vigarista,- as desejaria. Muitas destas representações grotescas ainda
persistem entre nós. E tem mais: o agraciado com a “honraria” é normalmente achacado para contribuir com algum valor! A
que título? Bem, criatividade e cara-de-pau têm sempre resposta ...
Quem paga para
ser homenageado em geral sabe da enganação, mas fecha um olho, depois o outro e
no fundo talvez passe a acreditar que possui algum mérito para conquistar o
galardão. O me-engana-que-eu-gosto conta, portanto, com a cumplicidade da mais tola
vaidade. Pois foi nesta sociedade de méritos pífios ou inexistentes que se
multiplicaram as instituições de ensino superior, que travestem com pompa,
circunstância e toga um exército de mal formados, com duvidosa utilidade para o
país. Será que o diploma deveria constituir-se no desiderato maior? Pelo que
vejo, hoje em dia estão a promover até formatura de Jardim de Infância ... É
demais!
Alguém poderá
objetar que os eventos são importantes como rituais de passagem e que marcam
conquistas na ascensão social. Pode ser, mas a formação de terceiro grau, além
de dispendiosa, é ociosa se o mercado não demanda. Estimular a geração de diplomas, a rodo, como política de governo, até
os desmoraliza e não promove necessariamente justiça social.
Ivan Illich, o polêmico
pedagogo nascido em Viena, voltou sua artilharia contra a escolarização universal
e a medicalização. Illich afirma que “Os
pobres sempre foram socialmente impotentes. A crescente confiança nos cuidados
institucionais adiciona nova dimensão à sua impotência: impotência psicológica,
incapacidade de defender-se”. É o que resulta se não há mérito.
Quando analisamos
a atuação do Estado, demagógica e exploradora da miséria - o Estado criador de
benesses que desencorajam a laboriosidade,- a afirmação de Illich ganha força
e sugere o desastre das políticas do
coitadismo. Segundo ele “A pobreza
moderna combina a falta de poder sobre as circunstâncias com a perda de força
pessoal. Esta modernização da pobreza é um fenômeno universal e está na raiz do
subdesenvolvimento contemporâneo”. Criam-se habitantes que pensam como
ricos e vivem como pobres. Vale refletir sobre isto, afinal, criando subsídios
e administrando cotas, não estamos de fato enfraquecendo quem pensamos
proteger?
Quanto aos
diplomas, é preciso aprender sempre. Jamais esqueci o que me disse um cidadão
muito humilde em São Paulo: “A vida não
dá diploma, moço!”. Tinha toda razão. Não dá mesmo.
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J. B. Teixeira |
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