O conflito que
muitos pensavam seria breve, já dura mais de quatro anos. É 8 de novembro de
1918 e um trem francês, utilizado como escritório pelo Marechal Foch,
encontra-se estacionado num ramal ferroviário na floresta de Compiègne. Quatro
representantes alemães, conduzidos por outro trem, apresentam-se diante de
Weygand e Foch para escutar as condições para assinatura do armistício: recuar
para a margem direita do Reno, entregar toda a frota e boa parte das armas.
Ezberger, secretário de Estado, mostra-se indignado enquanto o capitão de navio
Von Vanselow chora. Três dias depois retornam ao vagão e assinam.
O resto da
história deste vagão é pouco conhecido: foi exposto como troféu nos Invalides, em
Paris, recolocado na floresta e protegido em um museu. Em 1940 Hitler vai ao
local e determina que o vagão seja recolocado nos trilhos, para que os
franceses provassem da mesma amargura, experimentassem a mesma humilhação e nele
assinassem sua rendição. Levado a Berlim como troféu, foi queimado ao final da
conflagração europeia para que os franceses não o recuperassem. Mas a história
ainda não terminara. O desvario humano pode ser de tal ordem que os corrimãos
do vagão, que se salvaram do fogo, encontram-se num museu que foi reconstruído
na floresta. Qualquer semelhança com imagens que possamos supor nas refregas
entre bárbaros, nas estepes do mundo,
não é mera coincidência.
Quando nos
perguntamos como um conflito das proporções da Primeira Guerra Mundial pode ter
acontecido, aventam-se razões remotas, embaladas por visões parciais, sem que
se encontre respostas definitivas. Buscando entender as consequências do
conflito, busquei abrigo nas páginas de “O
Tratado de Versalhes”, de Jean-Jacques Becker, que detalha como os aliados rearranjaram
o mapa geopolítico a partir de 1918, comutando populações e áreas entre vários
países, de certa forma dando continuidade a intermináveis padecimentos.
Os vencedores,
dominados por interesses e sede de vingança - depois de longas, dissonantes e
arrastadas discussões,- cometeram algumas barbaridades, desrespeitando o
assentamento de populações inteiras e o decantado princípio da autodeterminação
dos povos.
Certos
acontecimentos na história da humanidade assemelham-se ao desastre de remover
uma das latas de uma pilha. Uma lata da base da pirâmide. O curioso foi a causa
imediata da guerra. Um desconhecido da “Mão
Negra”, uma conspiração sérvia, destes que se pode encontrar em meio aos
revoltados na sociedade, Gavrilo Princip, ao assassinar o arquiduque Francisco
Ferdinando e Sofia, sua esposa, numa esquina de Sarajevo, deflagraria uma
carnificina que sepultou a razão. Olhar a Europa antes e depois do conflito de
pronto revela o que aconteceu com a pilha de latas. Foram riscados do mapa
quatro impérios e surgiram países como Polônia, Letônia, Lituânia, Estônia e
Tchecoslováquia.
O autor enfatiza
algumas ideias dos franceses, como dividir a Alemanha ou recuar seu território
para a margem direita do Reno. Na prática o castigo imposto ao perdedor
resultou em “uma série de medidas
econômicas, coloniais, militares, navais, e cada uma delas feria plenamente o
espírito alemão e, inicialmente, transformavam a Alemanha em potência de
segunda ordem”. Uma das metas primordiais era destruir sua força militar.
Em 1919, na base britânica de Scapa Flow, navios alemães foram afundados,
contrariando o desejo da França de reaproveitá-los.
Para que se tenha
ideia da confusa Conferência de Paz, em 1918 o presidente norte-americano, Woodrow
Wilson, fez uma proposta bizarra: “Durante
muito tempo, dediquei-me com afinco ao problema turco e cheguei à conclusão que
a única solução possível é expulsar os turcos de Constantinopla”. Claro
está que não pretendia refundar o Império Bizantino ... O Tratado de Versalhes,
assinado no Salão dos Espelhos, jamais ratificado pelo Senado norte-americano, fracassou.
De certa forma até mesmo os que ainda não haviam nascido embarcaram naquele
vagão na floresta de Compiègne. O ovo da serpente do nazismo seria chocado na
estufa deste tratado e o resto é bem conhecido. As feridas abertas entre
Alemanha e França só começariam a cicatrizar em 1962, quando De Gaulle, em
Bonn, discursou em alemão, idioma que aprendera como prisioneiro na primeira
guerra. Em 1963, ele e Adenauer assinariam o Tratado do Eliseu, reconciliando
os dois países. Os homens aprendem, ainda que a duras penas.
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J. B. Teixeira |
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