A vida é cara nos campos, mas eles cuidam uns dos outros e são ajudados pela Caritas
Beirute, 05 de Setembro de 2014 (Zenit.org)
Quando raia o dia no Vale de Bekaa, no Líbano, Fatima
Ibrahim, seus dois meninos e três meninas começam a se levantar. Eles
vivem numa tenda em um dos muitos campos improvisados de refugiados
sírios que se espalham pelo interior libanês.
O Líbano é o pais que abriga a maior quantidade de refugiados
sírios: mais de um milhão. E Bekaa é a região do Líbano que abriga a
maior parte deles: mais de 400 mil.
As crianças das tendas vizinhas se levantam para alimentar as cabras e
as galinhas. As mulheres começam a assar o pão sobre o fundo de grandes
potes redondos, aquecidos, por baixo, por pequenas fogueiras.
Fátima, de 41 anos, também está pensando no café-da-manhã. "A minha
maior preocupação é alimentar os meus filhos", diz ela. Fátima não tem
nada para comer nesta manhã. Ela vai até a tenda de um vizinho e volta
com um pequeno prato de azeitonas, um pouco de pão e chá.
"Nós somos uma grande família. Cada um cuida do outro", conta ela.
"As crianças sempre pedem mais comida, porque são crianças normais, mas
eu não posso dar mais nada".
A vida é cara para os refugiados sírios no Líbano. Não há campos
oficiais de refugiados. Eles têm que pagar o aluguel da terra em que
montaram as tendas, além da electricidade, da água e da recolha do lixo.
Custa 1.300 dólares por ano manter uma tenda como a de Fátima.
A Caritas fornece aos recém-chegados ao campo um primeiro kit com
fogareiros, roupa de cama, cobertores e cestas básicas. Às vezes, um
pouco de dinheiro para o aluguel. Mas com a crise humanitária já
avançando terceiro ano adentro, o sofrimento dos refugiados não parece
diminuir.
"Nós diversificamos nossas actividades", comenta Najla Chahda,
directora do Centro Caritas Líbano de Migrantes. "O nosso foco é menos
nas distribuições e mais em desenvolver habilidades para a vida, para
que eles possam encontrar trabalho".
Algumas das mulheres vão para os campos ali próximos. Bekaa é uma
região agrícola. Há trabalho para o dia todo, na colheita e na limpeza
dos legumes. Os homens também estão muito ocupados, fazendo escavações
no acampamento para melhorar a drenagem e, com ela, a higiene do lugar.
A maioria dos refugiados não tem renda. "Quando vem o fornecedor de
verduras, eu pego fiado. O único jeito de sobreviver aqui é fazendo
dívida", relata Fátima.
No topo dos custos de Fátima estão as despesas de saúde do filho de
12 anos, Mohammed. Ele perdeu um braço na explosão de uma bomba em
Idlib, na Síria.
Uma clínica médica móvel da Caritas fica aberta durante a manhã para oferecer cuidados básicos aos refugiados sírios.
Outra das refugiadas é Khairiya, mãe de quatro meninas e de um menino
ainda bebé. As meninas estão doentes. O acampamento deles fica à beira
de um rio entupido de lixo. Há muitas moscas, além da poeira. O bebé tem
refluxo. Ele nasceu num hospital próximo dali, mas já passou no campo
de refugiados todos os demais dias desde que nasceu.
Khairiya está feliz por ter tido um menino depois de quatro meninas,
em parte porque a sua maior preocupação é justamente com a segurança
delas. "Eu as mantenho dentro da tenda o dia inteiro. Você ouve falar
que as meninas estão sofrendo abusos por aí".
Se o marido tiver encontrado algum bico para aquele dia, a família
poderá almoçar. Se não, eles ficarão simplesmente sem comer. "Na Síria
tinha bombas e fome. Aqui no Líbano só tem a fome", comenta uma das
amigas de Khairiya.
As meninas não vão para a escola, apesar de que um dos maiores
sucessos da Caritas foi conseguir colocar os filhos dos refugiados
sírios em um segundo turno de funcionamento das escolas libanesas. A
Caritas fornece transporte, mochilas e livros e ajuda a matricular as
crianças. "Garantir que 60.000 crianças frequentem a escola é uma
conquista imensa", afirma Chahda.
Outra das mães refugiadas é Nisrayeh. Seus filhos estão se
beneficiando do programa da Caritas. Eles vivem num prédio inacabado,
com outras 60 famílias. "Mandar os meus filhos para a escola é uma coisa
muito importante. Eu prefiro passar fome, mas não quero que eles fiquem
fora da escola. As escolas têm tratado as crianças muito bem. Eles
foram muito acolhedoras".
Nisrayeh tenta tornar a vida o mais normal possível para os filhos. "Eu trabalho duro. Mas eles enxergam a realidade".
Um dos lamentos no campo foi que a televisão que as famílias
compartilhavam pifou. Com isso, o filho de 12 anos não pôde assistir à
Copa do Mundo no Brasil.
Pode surpreender que haja tantos televisores e antenas parabólicas nos
campos de refugiados, mas eles são um vínculo crucial com a terra
natal. "A cada duas ou três horas, passam algumas notícias da Síria",
conta Rasha, que vive num shopping abandonado na região norte do país.
"As pessoas estão obcecadas com notícias da Síria".
Faz parte do trauma que eles passaram. Os refugiados evitam a
realidade presente e se envolvem, mesmo à distância, com o que está
acontecendo na sua terra.
"Não é fácil. O barulho, as crianças, a falta de privacidade... É
como estar preso num hospício ou numa cadeia", conta Rasha, que prepara a
refeição da noite. "Vai ser feijão com limão ou feijão sem limão".
Depois, eles vão dormir. Todas as noites, ela chora até pegar no sono,
pensando nos pais que teve que deixar para trás, lá na Síria.
Quando o sol se põe em Bekaa, Khairiya também tenta dormir, exausta,
na tenda que divide com mais seis pessoas. E não é só o choro do bebé
com cólicas o que a mantém angustiada, mas a preocupação com o dia
seguinte. Já faz três anos que eles estão refugiados no Líbano.
"A vida aqui não piora", diz ela. "Mas também não melhora. A única coisa que nós queremos é ir de volta para a nossa casa".
* * *
Este texto foi escrito a partir dos relatos de Patrick Nicholson, director de comunicações da Caritas Internationalis. Ele acaba de fazer uma visita aos campos de refugiados no Líbano.
(05 de Setembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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