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sábado, 6 de setembro de 2014

Crise no Iraque: Mons. Tomasi esclarece à ONU a posição da Santa Sé

Discurso bombástico do representante do Vaticano na sessão da Comissão de Direitos Humanos. O arcebispo adverte: "Os autores desses crimes contra a humanidade devem ser perseguidos com determinação"


Roma, 05 de Setembro de 2014 (Zenit.org) Salvatore Cernuzio


Até agora, é a posição mais clara expressa pelo Vaticano sobre os crimes bestiais perpetrados pelos terroristas islâmicos no Iraque e no Oriente Médio. O discurso de Mons. Silvano Maria Tomasi, observador permanente da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra, na sessão de Setembro da Comissão de Direitos Humanos, brilha pela clareza, deixando claro o trabalho "nos bastidores" desempenhado pela diplomacia do Vaticano e reiterando - não sem uma certa dureza - o ponto de vista do Vaticano.

Que, obviamente, é o ponto de vista do Papa Francisco, apesar de que ainda esteja quente a discussão sobre a alegada "incompletude" e "ambiguidade" das palavras do Santo Padre no avião voltando da Coreia: "É lícito parar o agressor injusto. Não estou dizendo bombardear, fazer a guerra, mas impedi-lo".

Enquanto o mundo se pergunta o que quis dizer o Papa com aquela expressão, Mons. Tomasi não deixa margem a dúvidas. Porém, o texto completo do seu discurso não tinha sido divulgado por nenhum órgão de informação do Vaticano, até agora, apesar da sessão da Comissão ter ocorrido no dia 1 de Setembro. Sites de notícias nacionais e internacionais o divulgaram, entre os quais o blogue “Settimo Cielo” do vaticanista do “L’Espresso” Sandro Magister. Só hoje o L’Osservatore Romano publicou o discurso.

Nele, Mons. Tomasi se dirigiu aos representantes de 47 países, incluindo a Itália e os Estados Unidos, Argentina e Brasil, Rússia e China, Nigéria e Sudão, Arábia Saudita e Qatar. Destes, o presidente é um diplomata do Gabão, Baudelaire Ndong Elias. No final dos trabalhos - relata o blog - a Comissão adoptou (sem votá-la) uma resolução para enviar uma missão no Iraque para a investigação de crimes.

Na abertura, o bispo fornece uma visão geral dos centros de violência nas diferentes regiões do mundo, particularmente no norte do Iraque, que - diz ele - "impõem às comunidades locais e internacionais a renovação dos esforços na busca da paz”. E reiteram com maior vigor “o respeito pela dignidade inviolável da pessoa humana”, que é “fundamento” de todos os direitos humanos, “mesmo antes das considerações do direito humanitário internacional e do direito bélico".

A protecção desses direitos humanos tem visto um fracasso trágico com a auto-proclamada “entidade destrutiva" que é o EIIL. Isso é demonstrado pelo aumento das violências nos últimos meses, postas em prática por terroristas islâmicos que Tomasi denuncia sem panos quentes: "As pessoas são degoladas por causa de sua fé; as mulheres são violadas sem piedade e vendidas como escravos no mercado; as crianças são forçadas a lutar; os prisioneiros são abatidos contra todas as disposições legais".

Onde, diante desta brutalidade, o governo "não é capaz de garantir a segurança das vítimas", então, é responsabilidade da protecção internacional "tomar medidas concretas com urgência e de forma decisiva para parar o agressor injusto, para restaurar uma paz justa e para proteger todos os grupos vulneráveis ​​da sociedade", afirma o representante do Vaticano.

Mas não é só a comunidade internacional - insiste o arcebispo - "todos os actores regionais e internacionais" são chamados em causa para "explicitamente condenar o comportamento brutal, bárbaro e não civilizado dos grupos criminosos que lutam no leste da Síria e no norte do Iraque".

Uma “responsabilidade da protecção” que deve ser assumida “de boa fé”, no quadro do direito internacional e do direito humanitário. Porque “a sociedade civil” no geral, e “as comunidades religiosas e étnicas" em particular, não deveriam se tornar "um instrumento de jogos geopolíticos regionais e internacionais". Nem sequer, argumenta Tomasi, deveriam ser vistas como "objecto irrelevante" por causa de sua identidade religiosa, ou porque outros actores a consideram uma "quantidade descartável". Portanto, a afirmação central de todo o discurso: "Protecção sem eficácia não é protecção".

Não falta também uma chamada às agências "ad hoc" da Organização das Nações Unidas, que, em cooperação com as autoridades locais, devem fornecer ajuda humanitária, alimentos, água, remédios e abrigo para todos aqueles que fogem da violência. Uma contribuição admirável que, no entanto, "deveria ser um auxílio temporário de emergência", disse o arcebispo. O problema, de fato, é outro, ou seja, que os cristãos expulsos à força, como também os Yazidis e outras minorias, “tenham o direito de voltar para suas casas, receber assistência para reconstruir suas casas e seus locais de culto, e viver em segurança".

De igual urgência é "parar o tráfico de armas e o mercado de petróleo ilegal", bem como "qualquer apoio político indirecto, do assim chamado "Estado islâmico". Somente desta forma, assegura Mons. Tomasi se contribuirá "para acabar com a violência."

No penúltimo parágrafo de seu discurso, o arcebispo finalmente esclarece o que o Papa quis dizer com "parar o agressor injusto." "Os autores desses crimes contra a humanidade devem ser perseguidos com determinação - insiste -. Não deve ser-lhes permitido agir com impunidade, caso contrário, há o risco da repetição das atrocidades que foram cometidas pelo assim chamado "Estado islâmico".

De fato, "o que está acontecendo hoje no Iraque aconteceu no passado e poderia acontecer amanhã em outros lugares", alerta o delegado do Vaticano. E como a experiência nos ensina, "uma resposta insuficiente, ou pior ainda, a total inércia, muitas vezes resulta em um aumento da violência”.

Por isso - e aqui o arcebispo torna-se peremptório - "uma falha de protecção para todos os cidadãos iraquianos, deixando-os se tornar vítimas inocentes desses criminosos em um clima de palavras vazias, equivalente a um silêncio global, terá consequências trágicas para o Iraque, para os países vizinhos e para o resto do mundo”.

"Também será um duro golpe para a credibilidade daqueles grupos e indivíduos que lutam pela defesa dos direitos humanos e do direito humanitário", diz Tomasi. E, antes de concluir, lança um último vigoroso apelo aos líderes das diferentes religiões, que - diz ele - "têm uma responsabilidade especial para deixar claro que nenhuma religião pode justificar estes crimes moralmente condenáveis ​​e cruéis e bárbaros", e também para lembrar a todos que "como uma única família humana, somos guardiões de nossos irmãos". 

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