De acordo com o jesuíta Scannone, professor de Bergoglio, a teologia do Papa Francisco é uma teologia do Povo e a sua opção pelos pobres sai do Evangelho e da Doutrina Social
Roma, 24 de Fevereiro de 2015 (Zenit.org) Ivan de Vargas
O papa Francisco não é comunista, nem peronista mas segue a
chamada "Teologia do Povo", cuja influência é evidente, especialmente na
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Essa afirmação foi feita em
entrevista exclusiva à ZENIT pelo Pe. Juan Carlos Scannone SJ, professor
emérito da Faculdade de Filosofia e de Teologia de São Miguel,
Argentina, e escritor da Civiltá Cattolica, que teve entre seus alunos
Jorge Bergoglio, o actual pontífice.
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ZENIT: Quais são as principais características da "Teologia do Povo"?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: A "Teologia do Povo" considera o povo
como uma nação: portanto, com uma história comum, um estilo de vida, uma
cultura, um projecto compartilhado de bem comum, embora possa haver
diferentes interpretações, especialmente de natureza política. Pensemos
em um povo que quer ser uma nação: na América Latina se dá uma
importância especial para a questão dos pobres, porque os pobres são
aqueles que têm mantido este estilo de vida comum e os seus interesses
legítimos: a justiça, a paz, o desenvolvimento para todos ... em uma
palavra, o bem comum.
ZENIT: Considera que esta teologia tem marcado de alguma forma o pensamento do Papa Francisco?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: Sim, eu acho que o tem influenciado. Não
é a única fonte, mas é certamente uma das mais importantes raízes
teológicas, capaz de explicar o seu pensamento e a sua acção.
ZENIT: É verdade que a "Teologia do Povo" não utiliza as categorias de análise marxista?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: A "Teologia do Povo" nunca quis usar a
análise marxista para compreender a situação dos pobres na América
Latina. Em vez disso, tentou, na história e na cultura latino-americana,
categorias de interpretação que não fossem próprias nem de uma
sociologia liberal, nem de uma sociologia marxista.
ZENIT: Pode-se entender a "Teologia do Povo", como um desenvolvimento da doutrina social da Igreja?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: Não de uma forma directa, mas há uma
relação estreita. No entanto, a "Teologia do Povo" é uma outra coisa.
Não trata só do aspecto social mas de toda a compreensão do Evangelho,
da Revelação. Portanto, compreende cada aspecto teológico, não apenas as
implicações sociais.
Hoje, a nível social, há uma ligação íntima com a Doutrina Social da
Igreja, com uma acentuação do tema dos pobres. De facto, na América
Latina, tudo isto faz parte da nossa tradição, da conferência de
Medellin aos dias hoje. No entanto, o Papa, quando na Evangelii Gaudium
discute esses quatro princípios que em seguida elenca, afirma que eles
são fundamentados nas contribuições da Doutrina Social da Igreja.
ZENIT: A "Teologia do Povo" também foi chamada de “Teologia
da cultura”. Em vários dos seus discursos, o Santo Padre falou das
culturas dos povos. Tem algo a ver com esta linha de pensamento?
O que o Papa diz é que o Evangelho deve chegar a todos os povos e a
todas as culturas. Já o tinha falado Paulo VI: a evangelização da
cultura e as culturas do homem.
Cada povo tem seu próprio estilo de vida, a sua cultura, e interpreta
de modo diverso, com várias simbologias, o sentido último da vida, que é
o que é próprio da cultura. Também na forma de comer, no modo de
vestir, mas ainda mais na arte, no pensamento, na religião, reflecte a
cultura de um povo.
O Papa disse que a Igreja, como Povo de Deus, é multifacetada.
Evangeliza todas as culturas e incultura o Evangelho em todas as
culturas. Não só na cultura europeia, que já o fez através dos séculos,
ou na América Latina, através da evangelização, mas também em todas as
culturas da Ásia, da África, etc. Fala de uma harmonia multiforme do
Povo de Deus. O que agora se chama de multiculturalismo, que pressupõe a
enculturação do Evangelho em uma cultura e o diálogo entre as culturas.
Por isso o tema do encontro, quando fala de cultura do encontro, é uma
coisa que pode-se aplicar tanto dentro da Igreja como entre os povos e
entre as culturas.
ZENIT: Alguns definem o Pontífice que veio do “fim do mundo” como um populista...
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: O populista pensa no povo como algo
uniforme, conduzido por um ditador. Em vez disso, a imagem é de um
poliedro, onde não existe uniformidade mas harmonia das diferenças. Como
acontece na Santíssima Trindade, que, de certa forma, é a união de
vários relacionamentos. E o mesmo acontece na Igreja e deveria acontecer
entre os povos.
ZENIT: O Papa Francisco é de Esquerda?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: O que significa dizer "de esquerda"? Se
queremos dizer que ele fez uma opção pelos pobres, isto é o evangelho, e
não a esquerda. A esquerda poderá também perseguir tal opção, mas não é
necessário ser de esquerda para optar pelos pobres. E Cristo optou
pelos pobres, pelos enfermos, pelos indefesos, pelas vítimas... Assim
fez a Igreja ao longo da história. E toda a teologia actual,
especialmente na América Latina, depois das Conferências de Medellín e
de Puebla, culminadas em Aparecida, onde há uma opção preferencial pelos
pobres, pelos excluídos, pelos descartados, pelas vítimas da história,
etc. Isto, então, não quer dizer que ele seja de esquerda, mas que é
cristão, fiel ao Evangelho.
ZENIT: Ou, talvez, o Papa é peronista?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: o peronismo tem sido muito influente na
Argentina, e também usava a categoria de “povo”. No âmbito cultural,
teve a sua importância e envolveu muitos argentinos. O Papa é, portanto,
peronista? Não, porque o Papa nunca se envolveu na política. Certamente
não na política argentina. Em vez disso, ele queria o diálogo com todos
os partidos e as ideologias. Agora, se por um lado o peronismo
privilegiava os trabalhadores e os pobres, por outro lado, tinha uma
concepção de "povo-nação" ... Pode acontecer que alguém compartilhe
essas posições, sem ser peronista, certo? Não se pode dizer que o Papa é
um peronista, mas há elementos no peronismo que são válidos e que são
tomados do cristianismo, alguns dos quais são explicitamente inspirados
na doutrina social da Igreja. E em tudo isso nós concordamos.
ZENIT: Qual é a mensagem que gostaria de transmitir aos leitores de ZENIT?
Pe. Juan Carlos Scannone SJ: Temos de voltar ao Evangelho, converter
pastoralmente a Igreja. Aparecida falou de uma conversão pastoral. O
Papa atribui uma grande importância ao Documento de Aparecida. E agora,
de alguma forma, vê o elemento universal que tem. Uma Igreja que não
olha apenas para si mesmo, mas olha para fora, para o sofrimento, para
as pessoas que têm necessidade de misericórdia, que não conhecem a
Cristo, é uma Igreja missionária. Uma reforma no sentido de uma
conversão pastoral. Um abandono das estruturas obsoletas, como também
diz o documento de Aparecida, e uma Igreja missionária, isto é, como
Cristo, que é a missão da pessoa. E nós levamos a Cristo a todos os
âmbitos da realidade e da sociedade, e também a toda a humanidade em
geral.
(24 de Fevereiro de 2015) © Innovative Media Inc.
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