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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Tirar a máscara e sair à luz

Continuam as meditações do Pe. Secondin nos Exercícios Espirituais. No centro das reflexões de ontem à tarde e na manhã de hoje estava o convite a livrar-se de toda ambiguidade e viver uma vida autenticamente cristã


Roma, 24 de Fevereiro de 2015 (Zenit.org) Salvatore Cernuzio


"Tirar toda máscara”, “sair à luz” e ter a “coragem” de uma vida autenticamente cristã. Se na manhã de ontem o padre Secondin convidava a seguir o mandamento do Senhor a Elias de "ficar de lado" e deixá-lo agir, na meditação da tarde – a segunda dos exercícios espirituais da Quaresma em Ariccia para o Papa e a Cúria -, convida a uma acção directa para retomar com sinceridade nas mãos a própria história e redescobrir a "verdade mais profunda de nós mesmos."

O carmelita segue ainda o caminho do profeta, como narrado pelas Escrituras. Mas o faz por cenas, personagens, sugestões, por referências e provocações, sem seguir qualquer ordem ou fio lógico das passagens do Primeiro Livro dos Reis. No entanto, o pregador utiliza o capítulo XVIII como base para sua reflexão, que retrata o povo de Israel e o rei Acab esgotados por uma longa fome causada pelo culto idólatra de Baal.

Elias, que sob as ordens do Senhor vivia na solidão, agora é chamado por Deus para quebrar esta "clandestinidade” e apresentar-se a Acab para trazê-lo de volta ao caminho certo. Um convite, portanto, para “sair à luz” e livrar-se das “ambiguidades” atrás da qual, muitas vezes, os cristãos se escondem. Muitas vezes – observou Secondin – também nós vivemos na ‘clandestinidade’, escondidos por trás de uma religiosidade só exterior, disfarçada de coragem da verdade.

“Vá a Acab” diz Deus para Elias: ele que queria desaparecer, agora deve ir ao encontro do perigo de encontrar-se cara a cara com aquele rei que o considera um inimigo. Isso não é também uma referência clara à nossa vida? Para todos aqueles que, na Igreja, sempre fazem seus cálculos, se desculpam constantemente e "se retiram”, comentou o Pe. Bruno.

Estes são "vítimas das palavras e das diplomacias", disse; enquanto que, pelo contrário, Deus prepara para os cristãos sempre "novas aventuras", das quais “ninguém pode escapar com a desculpa das ameaças de um Acab de plantão”, nem por estar condicionados pelos prejuízos ou pelas conveniências das “amizades e dos acordos”.

"Sair à luz”, então. Juntamente com Elias, o mesmo convite é dirigido a Abdia, ‘mordomo’ do rei Acab convidado pelo soberano para contactar o profeta. Também esse personagem diz algo: Abdias – destacou Secondin – vive de um fato duplo entre a sua pertença “a uma tradição diferente” e o desejo de não renunciar “às vantagens do poder”. Como tantos hoje, é, portanto, movido interiormente a defender a verdade, mas, com medo, a ponto de não querer ousar para não perder as suas seguranças.

Para ele e para o povo, Elias  dirige um forte apelo: “Até quando pulareis de galho em galho?”. Em outras palavras, observou o Pe. Secondin, o profeta lhes diz: “Parem com essa encenação!”. O problema é que o povo diante das intimidações do profeta nem sequer responde, cala, porque “o sistema matou a sua consciência".

Também isso é uma referência à realidade actual: “Quantas vezes – exclamou o carmelita – ainda actualmente, os regimes, os sistemas sangram os povos”. E quantas vezes olhamos como “espectadores medrosos” as guerras travadas ou – no âmbito da vida religiosa – ficamos maravilhados com “aparelhos electrónicos, mega-catedrais, mega-complexos”, esquecendo dos pobres e dos últimos.

Este povo aniquilado precisa, portanto, de uma sacudida. Eis então que Elias o coloca diante de uma prova de fogo: o confronto entre a suposta força de Baal e aquela do Senhor de Israel. E o povo permanece fascinado por esta “religiosidade espectacular”. Um pouco como acontece hoje quando a fé “é medida com as estatísticas” e se resolve em “manifestações diante das quais não se sabe se estamos diante de happening ou de verdadeira fé”.

O aspecto mais importante desta passagem é o gesto do profeta que “se aproxima do povo para envolve-lo”, revelou o padre Secondin. E, parou nesse ponto para continuar na meditação da manhã de hoje. O pregador começou com uma pergunta: “Temos a coragem de envolver o povo, ou giramos as sete igrejas para questioná-lo? Tratamos as coisas importantes entre poucos íntimos ou sabemos ter uma estratégia de visibilidade que destrói o sistema?".

A experiência mostra que "certas questões sensíveis" provocaram grandes “sofrimentos”, observou Pe. Bruno, exortando a “não esconder os nossos escândalos”, porque é importante que “as vítimas da injustiça sejam levadas à cura com a nossa humildade de reconhecer os erros”. Também isso é um modo de “tirar a máscara” e “sair à luz”.

O reconhecimento das culpas na Igreja, porém, deve ser medido. Muitas vezes a Igreja, ao longo dos séculos, cometeu actos violentos: como Elias que – recordou o pregador – executou terrivelmente os profetas de Baal, “também nós queimamos pessoas, matamos”. E continuamos a fazer ainda hoje, “sem a espada”, mas utilizando outras formas como a língua ou “o teclado” de um computador que “mata mais do que a espada!”.

Continuando o caminho da meditação de ontem, Pe. Secondin disse para ter a coragem de sair à luz e dizer a verdade sobre si mesmo, sem anestesiar a consciência. A tudo isso acrescenta um outro passo a ser realizado para aproximar-se sempre mais da conversão: percorrer “caminhos de liberdade”, talvez eliminando todas aquelas atitudes que nos fazem “balançar de um lado para o outro”.

Um é justamente aquele culto “barulhento e supersticioso" que até hoje encontramos e que recorda os rituais violentos, "teatral” com o qual o povo de Israel invocava Baal, que Elias zomba porque "não edifica a verdadeira fé". Depois, toda a série de "ídolos": "Orgulho, ambição, cultura, carreira...”.

Tudo isso torna instável – comentou Pe. Bruno -, quando, pelo contrário “não podemos duvidar da misericórdia de Deus que tudo seca, tudo transforma". Elias, de fato, reconstrói um altar com as doze pedras que recordam as doze tribos de Israel justamente porque quer "chamar todos a uma identidade". E como o profeta, também nós devemos "pegar o despertar da consciência das pessoas", talvez usando estratégias inteligentes.

Antes de o fazer, no entanto, melhor parar por um momento e perguntar a si mesmo. Por exemplo, sugeriu Secondin: “O nosso coração pertence realmente ao Senhor” ou nos contentamos com atitudes externas? "A nossa oração é ousada e invoca o bem do povo? É cadenciada por um sentido de Igreja?". Ou ainda: "Sentimos a urgência de viver experiências fortes, extraordinárias, que deixam uma marca, ou ficamos satisfeitos?".

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