Não podemos ficar horrorizados com um ato terrorista contra um jornal francês e silenciar diante de ataques muito piores ao redor do mundo
São Paulo, 24 de Fevereiro de 2015 (Zenit.org) Ivanaldo Santos
Diante da brutal sequência de atentados terroristas
ocorridos na França, que ficou conhecido como Atentado de Charlie Hebdo,
que chocou o mundo, e da actual onda de terrorismo que ameaça se
espalhar pelo mundo, realizam-se cinco análises.
1) Em linhas gerais a actual onda de atentados
terroristas vividos pela França, de um lado, trata-se de uma das mais
brutais e desumanas sequências de actos terroristas que ocorreram na
história contemporânea da humanidade. Do outro lado, é preciso ver que
esses ataques não foram actos isolados. Existe um grande número de grupos
terroristas actuando em escala quase planetária, entre os quais cita-se,
por exemplo, Al-Quaeda, Boko Haram, Estado Islâmico e a Frente
al-Nusra. O problema é que esses grupos são bem treinados, tem muitas e
diversificadas fontes de financiamentos e ao longo dos últimos 30 anos
vem promovendo atentados em vários países do mundo. É preciso ter
consciência do que ocorreu na França não foi apenas um ato terrorista,
mas uma grande falha nos sistemas nacionais (no caso da França) e
internacionais de segurança
2) Alguns intelectuais viram os atentados na França como um ato da direita. Essa é uma posição que deve ser respeitada. No
entanto, essa posição segue um esquema político binário tradicional,
oriundo do século XVIII, que divide a política e as acções sociais em esquerda e direita.
Essa é uma reflexão muito ingénua, pois não leva em conta as profundas
mudanças ocorridas no mundo contemporâneo. Sem contar que o terrorismo
islâmico não se enquadra em direita ou esquerda. Em
muitos aspectos, o Islão não viveu, até os dias de hoje, um
aprofundamento no campo das ideias, da literatura, da teoria política e
dos direitos humanos. Por exemplo, o Islão ainda precisa incorporar a sua
estrutura de pensamento os valores da democracia e da liberdade
oriundos dos gregos antigos. Em grande medida, o terror islâmico
pretende implantar um modelo de sociedade fechado, muito semelhante a
sociedade tribal do século VII d.C
3) Alguns críticos sociais vêem o terrorismo como uma forma de protesto social, de movimento social. É
preciso rejeitar toda forma de terrorismo, trata-se de um ato covarde
de ataque e destruição, quem mais sofre com um ataque terrorista é a
população civil, especialmente mulheres, crianças e idosos. No entanto, é
preciso ver que no mundo contemporâneo existe uma tendência de uma
minoria (ou minorias) de dominar o cenário cultural em escala quase
planetária. É comum vermos nos filmes, na TV, na media e em outros
ambientes uma propaganda e a defesa de ideias que podem ser atribuídas a
algum tipo de minoria. Entre essas ideias é possível citar, por
exemplo, o casamento homossexual, o aborto e a legalização de drogas
ilegais. O problema é que a maioria da população não compartilha com
essas ideias. O facto é que o homem comum não está se sentindo
representado pelas ideias que dominam o cenário cultural contemporâneo.
Por causa disso, a população questiona esse tipo de transmissão de
ideias. O homem comum pergunta-se: se vivemos em uma democracia, então
porque as minhas ideias não aparecem? Porque apenas valores contrários
ao que penso, aparecem? Esse tipo de situação, quase que uma ditadura de
uma minoria esclarecida, está conduzindo sectores dentro da sociedade a
apoiarem actos desesperados, como é o caso dos ataques terroristas. A
sociedade e a democracia contemporâneas precisam repensar as suas
relações com o homem comum, o homem comum precisa se sentir mais
representado, seus valores precisam aparecer mais na sociedade.
4) Fala-se muito que os atentados foram contra posições anti-religiosas do jornal Charlie Hebdo.
No século XXI fala-se muito em diálogo e liberdade, mas lamentavelmente
os grupos religiosos, que representam a maioria da população, estão
marginalizados desse diálogo. Quase ninguém quer ouvir o que esses
grupos dizem e o que pensam, são logo rotulados de conservadores, de
retrógrados, autoritários, fundamentalistas e coisas semelhantes. O
jornal francês Charlie Hebdo, que foi vítima de um brutal
ataque terrorista, é um bom exemplo disso. Esse jornal gostava de
publicar sátiras contra religiões (cristã, islâmica, et), mas não parou
para ouvir a voz que vem das religiões, o que as pessoas religiões tem a
dizer e a fazer pelo mundo. Actualmente fala-se muito em inclusão e
diversidade, mas o grande grupo humano que parece ser excluído são as
religiões. Enquanto a modernidade não conseguir incorporar as grandes
tradições religiosas (cristianismo, islamismo, judaísmo, etc) dentro dos
grandes projectos de crescimento e aperfeiçoamento social, dificilmente
haverá paz no mundo.
5) O que se pode esperar, para o mundo contemporâneo, após os ataques
na França? Inicialmente é preciso ter esperança, pois a esperança é o
sentimento que ajuda a vencer o medo. Além disso, daqui por diante é
preciso repensar a cultura do diálogo reinante no mundo contemporâneo,
uma cultura centrada nos grupos pós-modernos (homossexuais, aborto,
drogas, etc). Os ataques na França demonstraram que existe uma maioria
que não é pós-moderna e que não se sente representa pela actual cultura
dominante. É preciso ter coragem de dialogar com essa maioria, do
contrário, sem diálogo, poderemos esperar manifestações e até revoltas
populares nos próximos anos. Temos que ouvir as maiorias, pois
democracia se faz é com a maioria. Essa lei básica da democracia precisa
ser retomada no mundo actual. É preciso ver que quase todos os dias
acontecem actos terroristas e actos bem piores do que foram praticados na
França. No entanto, os actos terroristas pouco ou não são divulgados pela
grande media, pela intelectualidade e pela classe dos artistas. Existe
quase um silêncio absoluto sobre os actos terroristas que se multiplicam
no quotidiano de muitas regiões do mundo. Esse silêncio precisa ser
quebrado, não podemos ficar horrorizados com um ato terrorista contra um
jornal francês e silenciar diante de ataques muito piores ao redor do
mundo.
(24 de Fevereiro de 2015) © Innovative Media Inc.
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