100 anos do nascimento do grande filósofo Julián Marías
Julián
Marías foi uma das grandes figuras da transição e o entendimento entre espanhóis, firme na sua fé e na defesa da vida desde a razão |
Actualizado 6 de Agosto de 2014
Enrique Chuvieco / ReL
“Só me sustinha a profunda fé na ressurreição", recordava o filósofo e ensaísta Julián Marías vários anos depois da morte da sua mulher, Dolores Franco, ‘Lolita’, falecida em 1977, depois de uma vida “una” com ela, como a qualificava o mais adiantado discípulo de Ortega y Gasset.
Católico praticante, Marías estava certo de que “voltaria a vê-la e a estar com ela” já que "a evidência – mantinha - de que a pessoa que era Lolita não podia ter-se destruído por um processo corporal”.
No seu livro A felicidade humana, abunda no carácter eterno do amor quando disse: "Na medida em que se ama, necessita-se continuar vivendo ou voltar a viver depois da morte, para continuar amando".
Discípulo de Ortega... E os 3 mosqueteiros
Julián Marías Aguilera, que disse que os seus mestres foram Alejandro Dumas (leu em francês Os três mosqueteiros com 13 anos) e Ortega, nasceu em Valladolid em 17 de Junho de 1914.
A família mudou-se para Madrid quando ele tinha cinco anos, onde cursou o Bacharelato e posteriormente concluiu Filosofia na Universidade de Madrid em Junho de 1936, um mês antes de iniciar-se a Guerra Civil espanhola.
Naquelas aulas universitárias, assistirá às lições de Ortega, Zubiri, Gaos, Besteiro, García Morente. Desta faculdade diria nas suas memórias que era "a melhor instituição universitária da história espanhola, pelo menos depois do Século de Ouro”.
Militar da República
Já militar da República, passa a guerra em Madrid, escrevendo para ABC e Blanco y Negro. Depois de concluída a contenda civil, é acusado de colaborar durante a guerra com o jornal oficial soviético, Pravda, pelo que o encarceram durante vários meses.
Aparece em 1941 a sua História da Filosofia e um ano mais tarde suspende a sua tese doutoral, dirigida por Zubiri, pelo voto contrário de García Morente.
[Pode ler-se a historia da conversão do filósofo García Morente durante a Guerra Civil, sacerdote desde 1940, aqui].
Ostracismo académico
Ao evento anterior, que supôs um escândalo em círculos alheios ao franquismo, tinha somado o fim do exercício da carreira docente em Espanha por ser discípulo de Ortega, a sua posição favorável à República e colaborar com o seu antigo professor o socialista Julián Besteiro durante a guerra, de quem disse que era uma “pessoa íntegra”.
Estes acontecimentos não o fizeram perder o seu equilíbrio pessoal para julgar com equidade os eventos da Espanha do pós-guerra. Implicou na escrita, da qual viram a luz muitas das análises mais certeiras que se fizeram da história e sociedade actuais.
Um grande amor e 5 filhos
Contrai matrimónio em 1941 com a professora e escritora Dolores Franco Manero, com a qual teve cinco varões, entre eles o também escritor Javier Marías.
Em 1948, voltou Ortega a Espanha, fundam o Instituto de Humanidades, de que se encarregará com a morte de Ortega sete anos mais tarde. Previamente, tinha participado em Paris na Semana de Intelectuais Católicos e obteve o doutoramento que lhe tinham rejeitado injustamente uns anos atrás.
A par da sua dedicação ensaísta, volta ao seu saber chamado por universidades americanas e europeias, nas quais chega a contar com discípulos. Nessa época, contacta com figuras do pensamento ou da literatura, como os filósofos Heidegger, Etienne Gilson, Gadamer, ou Gabriel Marcel; o historiador Paul Hazard, os novelistas Graham Greene e Thorton Wilder.
Na Real Academia
Desde 1964 até à sua morte, formará parte da Real Academia Espanhola de Línguas. Na Transição, foi eleito senador por designação real entre 1977 e 1979. Em 1982, incorpora-se no Conselho Internacional Pontifício para a Cultura, criado por João Paulo II e em 1996 partilhou o prémio Príncipe das Astúrias da Comunicação e Humanidades com o jornalista italiano Indro Montanelli.
Fecunda obra literária
Sobre a tarefa criadora, Marías sublinha “que o Estado tem muito pouco que fazer em relação com a arte e as demais actividades criadoras. Principalmente, deixá-las ser”.
Ligou-se ao liberalismo quanto à organização social “porque é a condição de que a vida humana adquira qualidade e dignidade no nosso tempo. Claro está que não se pode identificar o liberalismo com as suas formas deficientes ou falsas, precisamente as que causaram a sua desaparição de boa parte do planeta”.
Neste sistema político via maiores possibilidades para o exercício da liberdade, mas observava que, se não fosse assim em alguns momentos históricos, “o decisivo é que os criadores estejam dispostos a tomar quanta liberdade seja possível”.
Na sua vasta produção literária, houve espaço para a filosofia, a procura da felicidade, a antropologia, o papel da mulher, a idiossincrasia dos povos e o cinema. Neste último sector, dedicou uma coluna jornalística a analisar a sensibilidade pessoal e social através de mais de 1.500 películas.
Entre as suas obras, já citámos a sua História da Filosofia, da qual já realizaram várias edições, destacam também, entre outras, Filosofia actual e existencialismo em Espanha, Ortega e a ideia da razão vital, O método histórico das gerações, Aqui e agora, Ensaios de teoria, Ensaios de convivência, Os Estados Unidos no escorço, Ortega e três antípodas, A Escolástica no seu mundo e no nosso, A estrutura social. Teoria e método, Ataraxia e Alcionismo, A imagem da vida humana; Ortega, circunstância e vocação; O intelectual e o seu mundo, O ofício do pensamento, Imagem da Índia, Os espanhóis, A mulher no século XX.
Crítico com o socialismo abortista
Já na democracia, foi muito crítico com os governos socialistas de Felipe González, entre outras razões, pela lei despenalizadora do aborto.
Depois da sua fugaz passagem pela política, enfrascou-se novamente na sua actividade intelectual nas vertentes descritas.
A morte da sua mulher, Lolita, em 1977 de um cancro do estômago supôs uma imensa dor para a que tinha sido a sua companheira, secretária pessoal e mãe dos seus cinco filhos, a qual fez que tivesse tido uma carreira brilhante como intelectual se não tivesse dedicado os seus desvelos ao lar e aos seus filhos. "Eu fazia livros (...), ela fazia pessoas".
[Nesta página da internet há uma recompilação de 18 artigos e entrevistas de Julián Marías contra o aborto, desde 1975 até à sua morte em 2005]
Enrique Chuvieco / ReL
“Só me sustinha a profunda fé na ressurreição", recordava o filósofo e ensaísta Julián Marías vários anos depois da morte da sua mulher, Dolores Franco, ‘Lolita’, falecida em 1977, depois de uma vida “una” com ela, como a qualificava o mais adiantado discípulo de Ortega y Gasset.
Católico praticante, Marías estava certo de que “voltaria a vê-la e a estar com ela” já que "a evidência – mantinha - de que a pessoa que era Lolita não podia ter-se destruído por um processo corporal”.
No seu livro A felicidade humana, abunda no carácter eterno do amor quando disse: "Na medida em que se ama, necessita-se continuar vivendo ou voltar a viver depois da morte, para continuar amando".
Discípulo de Ortega... E os 3 mosqueteiros
Julián Marías Aguilera, que disse que os seus mestres foram Alejandro Dumas (leu em francês Os três mosqueteiros com 13 anos) e Ortega, nasceu em Valladolid em 17 de Junho de 1914.
A família mudou-se para Madrid quando ele tinha cinco anos, onde cursou o Bacharelato e posteriormente concluiu Filosofia na Universidade de Madrid em Junho de 1936, um mês antes de iniciar-se a Guerra Civil espanhola.
Naquelas aulas universitárias, assistirá às lições de Ortega, Zubiri, Gaos, Besteiro, García Morente. Desta faculdade diria nas suas memórias que era "a melhor instituição universitária da história espanhola, pelo menos depois do Século de Ouro”.
Militar da República
Já militar da República, passa a guerra em Madrid, escrevendo para ABC e Blanco y Negro. Depois de concluída a contenda civil, é acusado de colaborar durante a guerra com o jornal oficial soviético, Pravda, pelo que o encarceram durante vários meses.
Aparece em 1941 a sua História da Filosofia e um ano mais tarde suspende a sua tese doutoral, dirigida por Zubiri, pelo voto contrário de García Morente.
[Pode ler-se a historia da conversão do filósofo García Morente durante a Guerra Civil, sacerdote desde 1940, aqui].
Ostracismo académico
Ao evento anterior, que supôs um escândalo em círculos alheios ao franquismo, tinha somado o fim do exercício da carreira docente em Espanha por ser discípulo de Ortega, a sua posição favorável à República e colaborar com o seu antigo professor o socialista Julián Besteiro durante a guerra, de quem disse que era uma “pessoa íntegra”.
Estes acontecimentos não o fizeram perder o seu equilíbrio pessoal para julgar com equidade os eventos da Espanha do pós-guerra. Implicou na escrita, da qual viram a luz muitas das análises mais certeiras que se fizeram da história e sociedade actuais.
Um grande amor e 5 filhos
Contrai matrimónio em 1941 com a professora e escritora Dolores Franco Manero, com a qual teve cinco varões, entre eles o também escritor Javier Marías.
Em 1948, voltou Ortega a Espanha, fundam o Instituto de Humanidades, de que se encarregará com a morte de Ortega sete anos mais tarde. Previamente, tinha participado em Paris na Semana de Intelectuais Católicos e obteve o doutoramento que lhe tinham rejeitado injustamente uns anos atrás.
A par da sua dedicação ensaísta, volta ao seu saber chamado por universidades americanas e europeias, nas quais chega a contar com discípulos. Nessa época, contacta com figuras do pensamento ou da literatura, como os filósofos Heidegger, Etienne Gilson, Gadamer, ou Gabriel Marcel; o historiador Paul Hazard, os novelistas Graham Greene e Thorton Wilder.
Na Real Academia
Desde 1964 até à sua morte, formará parte da Real Academia Espanhola de Línguas. Na Transição, foi eleito senador por designação real entre 1977 e 1979. Em 1982, incorpora-se no Conselho Internacional Pontifício para a Cultura, criado por João Paulo II e em 1996 partilhou o prémio Príncipe das Astúrias da Comunicação e Humanidades com o jornalista italiano Indro Montanelli.
Fecunda obra literária
Sobre a tarefa criadora, Marías sublinha “que o Estado tem muito pouco que fazer em relação com a arte e as demais actividades criadoras. Principalmente, deixá-las ser”.
Ligou-se ao liberalismo quanto à organização social “porque é a condição de que a vida humana adquira qualidade e dignidade no nosso tempo. Claro está que não se pode identificar o liberalismo com as suas formas deficientes ou falsas, precisamente as que causaram a sua desaparição de boa parte do planeta”.
Neste sistema político via maiores possibilidades para o exercício da liberdade, mas observava que, se não fosse assim em alguns momentos históricos, “o decisivo é que os criadores estejam dispostos a tomar quanta liberdade seja possível”.
Na sua vasta produção literária, houve espaço para a filosofia, a procura da felicidade, a antropologia, o papel da mulher, a idiossincrasia dos povos e o cinema. Neste último sector, dedicou uma coluna jornalística a analisar a sensibilidade pessoal e social através de mais de 1.500 películas.
Entre as suas obras, já citámos a sua História da Filosofia, da qual já realizaram várias edições, destacam também, entre outras, Filosofia actual e existencialismo em Espanha, Ortega e a ideia da razão vital, O método histórico das gerações, Aqui e agora, Ensaios de teoria, Ensaios de convivência, Os Estados Unidos no escorço, Ortega e três antípodas, A Escolástica no seu mundo e no nosso, A estrutura social. Teoria e método, Ataraxia e Alcionismo, A imagem da vida humana; Ortega, circunstância e vocação; O intelectual e o seu mundo, O ofício do pensamento, Imagem da Índia, Os espanhóis, A mulher no século XX.
Crítico com o socialismo abortista
Já na democracia, foi muito crítico com os governos socialistas de Felipe González, entre outras razões, pela lei despenalizadora do aborto.
Depois da sua fugaz passagem pela política, enfrascou-se novamente na sua actividade intelectual nas vertentes descritas.
A morte da sua mulher, Lolita, em 1977 de um cancro do estômago supôs uma imensa dor para a que tinha sido a sua companheira, secretária pessoal e mãe dos seus cinco filhos, a qual fez que tivesse tido uma carreira brilhante como intelectual se não tivesse dedicado os seus desvelos ao lar e aos seus filhos. "Eu fazia livros (...), ela fazia pessoas".
[Nesta página da internet há uma recompilação de 18 artigos e entrevistas de Julián Marías contra o aborto, desde 1975 até à sua morte em 2005]
in
Sem comentários:
Enviar um comentário