Conferência mundial em Fátima
Trata-se de, “mantendo a identidade e aceitando as diferenças, ser também uma porta de entrada para crianças e jovens, baptizados ou não”. E, ao mesmo tempo, “trabalhar cada vez mais a realidade e universalidade do diálogo inter-religioso”. Com estas afirmações, Ivo Faria, chefe nacional do Corpo Nacional de Escutas (CNE) – Escutismo Católico Português, define um dos objectivos da organização ao acolher a Conferência Internacional Católica do Escutismo (CICE), em Fátima.
O escutismo com uma filiação confessional concreta como o CNE é um caso raro no mundo, explica Ivo Faria. Espanha, França, Itália e pouco mais são os países que têm uma organização similar ao CNE enquanto estrutura católica de escutismo. Por isso, a CICE, cuja conferência internacional se realizou entre os dias 11 e 14, reúne não apenas esse punhado de organizações, como também os escuteiros católicos que integram as estruturas escutistas genéricas nos seus países.
Umas e outros têm pedido à CICE que ajude com ferramentas e materiais para trabalhar a realidade do diálogo inter-religioso. “Os escuteiros têm a percepção de que há outras crianças e jovens no escutismo e fora dele que não são católicos, e por isso é importante trabalhar essa dimensão com eles.” Até porque, acrescenta Ivo Faria ao 7MARGENS, “os melhores evangelizadores no escutismo não são os dirigentes, são os jovens”.
O tema da reunião mundial foi precisamente “A nossa tenda está aberta a todas as religiões”. Na base das conversas esteve um documento sobre a visão católica da religião no escutismo.
Mantendo a identidade, diz o chefe nacional do CNE, “o movimento escutista tem de estar vocacionado para os que, sendo católicos, vivem diariamente a sua fé, mas também para outros que o não são”. E pode ser um “porto de abrigo para crianças que nasceram católicas” mas se foram afastando.
Isso é possível e obrigatório, acrescenta o libanês Georges El-Ghorayeb, presidente do comité mundial da CICE. O escutismo, justifica, “baseia-se em valores humanos e no Evangelho” – ou naquilo que no Médio Oriente é designado como “os livros do céu”, ou seja, a Bíblia, o Evangelho, o Alcorão.
“O escutismo nasceu com uma matriz religiosa”, diz El-Ghorayeb: “A promessa de Baden Powell, um protestante, é baseada em valores que encontramos no Evangelho: por exemplo, fazer o bem aos outros, estar atento e ajudar no que as pessoas precisam, ver nos outros o rosto de Deus. É por isso que devemos respeitar as outras pessoas e não nos zangarmos.”
A realidade inter-religiosa
Considerando-se como “um espaço de encontro, reflexão, partilha e comunhão dos escuteiros católicos de todo o mundo”, a CICE, que tem estatuto consultivo junto da Organização Mundial do Movimento Escutista, pretende “contribuir para a formação integral dos jovens através do escutismo do ponto de vista da fé católica”.
Outros objectivos são o de “cooperar no desenvolvimento da dimensão espiritual do escutismo e assegurar que os escuteiros católicos estejam activamente presentes na Igreja”, garantindo ainda a comunicação entre a Igreja Católica e o movimento escutista mundial.
“O escutismo pode dar muito à Igreja”, defende ainda El-Ghorayeb. “Fazemos parte da Igreja e identificamo-nos com os seus valores, mas Jesus Cristo é o nosso guia, é ele o nosso irmão.” E esse fundamento é que deve importar a todos os cristãos, diz, referindo o que o Papa Francisco propõe nas encíclicas Fratelli Tutti (2020) e Laudato Si’ (2015).
O presidente do escutismo católico mundial dá o exemplo do seu próprio país: “No Líbano, há 18 comunidades religiosas diferentes”, entre cristãos e muçulmanos. “Não é possível o escutismo sem ter em conta esta realidade inter-religiosa.” E, tendo em conta a actual situação política do país, os escuteiros tentam “unir, não dividir – essa é a promessa escutista”.
Sendo o movimento escutista caracterizado pela proximidade com a natureza, é normal que os escuteiros olhem para o final da Cimeira do Clima, em Glasgow, com especial atenção: “As causas que preocupam os jovens devem servir para transmitir a mensagem, que também preocupa o Papa”, diz Ivo Faria, o chefe nacional.
Georges El-Ghorayeb confirma que os escuteiros católicos querem “contribuir para a a protecção e cuidado da casa comum”. Daí que a CICE promova projectos vários nesta área, incluindo a colaboração com iniciativas como a petição “Planeta são, pessoa sã”, o Tempo da Criação ou a participação no Movimento internacional Laudato Si’.
Esta conferência com o tema “A nossa tenda está aberta a todas as religiões” elegeu novos país membros (Macau, Guiné Bissau, El Salvador, Egito, Malawi, Venuzuela e Niger) e ainda a nova equipa para o Comité Mundial da CICE, para os próximos três anos.
Durante a reunião mundial da CICE, que contou com 69 participantes de 24 países em Fátima e mais 70 pessoas remotamente em outros 24 países, foram admitidos como novos membros Macau, Guiné Bissau, El Salvador, Egipto, Malawi, Venezuela e Níger. As seis dezenas de membros da CICE dividem-se em quatro regiões: Europa-Mediterrâneo, Inter-Americana, Ásia e África.
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