“Praça Central”
O cardeal Seán Patrick O’Malley, arcebispo de Boston (EUA), disse hoje à centena e meia de participantes no encontro Praça Central, que decorreu em Almada, que os católicos são chamados a liderar o combate à xenofobia e ao racismo.
“Aqueles que levantam muros acabarão por ser escravos dentro dos próprios muros que construíram”, afirmou o colaborador do Papa, apresentando a solidariedade como “antídoto” para qualquer discriminação.
Citado pela Ecclesia, o cardeal falou do legado “devastador” da violência racial, alertando para o ressurgimento de nacionalismos, com “novas formas de egoísmo e uma perda do sentido social”.
“A escravatura e o colonialismo engendraram a atitude venenosa do racismo no coração de muitas pessoas”, declarou, na sua intervenção feita em vídeo, intitulada “O Tikun Olam do Samaritano”, numa alusão ao conceito judaico que significa “consertar o mundo”.
Esta tarefa, explicou O’Malley perante os participantes membros de movimentos católicos, visa criar uma sociedade onde se reflicta “a justiça e a misericórdia de Deus”, a construção da “civilização do amor” no ensinamento cristão.
Recordando a “animosidade” e a “guerra fria” que existia entre judeus e samaritanos no tempo de Jesus Cristo, o cardeal que também preside à Comissão de Protecção de Menores, do Vaticano, este responsável católico recordou também que Jesus escolheu um samaritano na parábola, como modelo de “amar o próximo como a si mesmo”. O samaritano é alguém que não cria distância com o necessitado, alguém que se coloca “no caminho do perigo” e poderia ser acusado de ser ele próprio o ladrão.
“Como acontece com pessoas de cor nos Estados Unidos, que se queixam de a polícia mandar parar o seu carro, pedindo os seus documentos, pela simples razão de conduzir sob o efeito de ser negro”, observou o cardeal. “Digo sempre que o pecado original da América é o racismo”, acrescentou.
O’Malley apelou ainda a uma “mudança de coração”, que leve a acompanhar os “invisíveis” e “insignificantes” na sociedade contemporânea. “Os deveres de solidariedade exigem mais do que prestar assistência a outros necessitados, devemos também comprometer-nos com as práticas e políticas que impedem a exclusão e a exploração.”
“A pergunta que devemos fazer não é ‘quem é o meu próximo?’, mas sim ‘que tipo de próximo sou eu?’”, acrescentou o cardeal, avisando ainda contra a desconfiança e “divisão social” que a pandemia da covid-19 tem provocado.
“Fazer escolhas éticas”
O cardeal falou em português pois, antes de Boston, esteve como bispo em Fall River, onde há muitos portugueses, tendo aprendido a falar a língua para poder comunicar melhor com eles.
Partindo da sua vivência como franciscano capuchinho, o arcebispo referiu a figura de São Francisco de Assis (1182-1226) como inspiração do pontificado do Papa Francisco, para a proposta de “uma nova visão da solidariedade e da amizade social”, sublinhando ainda a defesa da vida, na rejeição do aborto e da eutanásia.
Noutra intervenção no mesmo encontro, o médico Luís Parente Martins contou como cristãos de diferentes denominações se reuniram para criar, há 12 anos, o Encontro Cristão de Sintra. Afirmando que os cristãos devem fazer “verdadeiras escolhas éticas”, sublinhou a importância de “iniciar uma amizade pessoal com um membro de outra religião”, corrigir modelos de ação social ou “implementar a amabilidade”.
Na mesa-redonda que se seguiu, ainda de acordo com o relato da Ecclesia, Manuel Carvalho da Silva, investigador e antigo responsável pela CGTP, referiu o parágrafo 162 da encíclica Fratelli Tutti, onde o Papa escreve que “a grande questão é o trabalho”, como dimensão essencial da vida social. Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, referiu-se à importância de “encontrar soluções com os recursos que temos”, e Rita Sacramento Monteiro, gestora de voluntariado corporativo e membro da iniciativa A Economia de Francisco – Portugal, referiu a sua experiência como voluntária, alimentada pelo “desejo de ajudar os outros”.
A edição deste ano da Praça Central, promovida pela Conferência Nacional do Apostolado dos Leigos, teve como tema “A difícil arte da amizade social. Como é importante sonhar juntos!”, inspirado na encíclica Fratelli Tutti. Durante a tarde, decorreram várias mesas-redondas sobre quatro temas centrais – cidadania, política, cultura e diálogo –, com quase 50 intervenientes.
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