Por a mão em
coisas antigas é sempre uma aventura. Até as ideias têm sobre si a poeira do
tempo, que é preciso remover para que se possa apreciar seu verdadeiro valor.
Há quem rejeite tudo que é velho, em nome de renovação e progresso. São
bandeiras que combinam com técnica e avanço científico, mas não as tremulo sem
filtrá-las. Afinal, somos muito mais que pressionadores de teclas. Gosto de
lembrar da historieta em que um sujeito proclama certas ideias de forma
entusiasmada e seu oponente responde que parte do discurso está correta e outra
parte, errada. E complementa: o que está certo é antigo e o que é novo está
errado.
A ideia de
atualização um dia bateu à porta da Igreja e foi então convocado o Concílio
Vaticano II, sob novos ventos. A Igreja sempre se posicionou diante dos grandes
dramas e indagações da humanidade, ainda
que não o faça com estardalhaço. Por conta de sua missão, manifesta-se através
de cartas pastorais, encíclicas e outros documentos, como o próprio catecismo.
João XXIII
convocou o Concílio em dezembro de 1961, o inaugurou em outubro de 1962 e veio
a falecer em junho de 1963. A bomba, por assim dizer, caiu no colo de Paulo VI.
Que virou-se como pôde. O Concílio realizou-se em quatro sessões e deu-se por
concluído em dezembro de 1965, com a emissão de constituições, decretos e
declarações. Me situando entre tais datas dou-me conta de que minha infância
coincidiu com este período. Até hoje o túmulo de João XXIII é um dos mais
visitados na cripta de São Pedro. Anos atrás vi seu corpo, intacto, exposto num
ataúde no interior da Basílica. Hoje canonizado, sua última Encíclica foi Pacem in Terris, em que exalta “a paz de
todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade”.
João XXIII inicia
afirmando que a paz “não se pode estabelecer nem
consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus”. Não se poderia esperar
outra coisa, é verdade, mas o documento começa pontificando a centralidade
divina, para então enaltecer os feitos da ciência e da técnica como evidência
de uma ordem nos seres vivos e na natureza, dignificando o homem por
desvendá-la e frui-la em seu proveito. A seguir João XXIII denuncia que “Contrasta clamorosamente com essa perfeita
ordem universal a desordem que reina entre indivíduos e povos, como se as suas
mútuas relações não pudessem ser reguladas senão pela força”. Recordemos
que a década de 60 foi de plena efervescência da Guerra Fria, com a construção
do Muro de Berlim, o conflito no Vietnã e a corrida espacial num clima de
Guerra Fria.
As consequências do Concílio
são comentadas até hoje e creio que o serão por muito tempo. A discussão sobre
seus eventuais erros pastorais e certos pontos da doutrina levanta considerável
controvérsia, para a qual não me sinto nem de longe habilitado. O que sei - e
para tanto não se faz indispensável maior conhecimento,- é que houve desvios
danosos no último quarto do século XX, com decorrências profundas na formação
de sacerdotes.
Reconhecer faltas é uma
exigência de honestidade intelectual. Pedir perdão é um gesto de profunda
consciência e humildade e os Papas não se têm furtado a tais demonstrações. Mas
assumir até o que não temos em nossas costas, ou martirizar a consciência por
crimes e omissões que não tivemos, é como pagar uma conta de bar muito além do
que se consumiu. Ainda há muitos católicos que não rebatem, por desconhecimento,
invectivas de que a Igreja omitiu-se diante do diabólico tráfico de escravos.
Ignoram as condenações papais de Pio II (1482), Paulo III (1557), Urbano VIII
(1639) e Benedito XIV (1741). Uma pitada de conhecimento, honestidade
intelectual e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Outra decorrência que ainda
sobrevive foram as quedas de sacerdotes em águas materialistas. Foi e segue
sendo erro flagrante que ora, na maturidade, entendo melhor. Alguns deles, seja
porque se perderam na autocrítica, seja porque lhes faltou coerência e
sabedoria, foram pescar em águas turvas, como se os cristãos tivessem a
aprender do marxismo e não o contrário. Cristo não requisitou pescadores de
latas enferrujadas ou botinas desbeiçadas.
Há consequências
e o estrago já vai grande. Sacerdotes que confundem altar com palanque expurgam
de sua missão a transcendência. Parecem esquecidos de que enquanto Marx clama
pela união dos proletários e os incita à luta, a Igreja deve manter-se fiel às
palavras de Cristo: “Deixo-vos a paz, a
minha paz vos dou; não vô-la dou como o mundo dá” (Jo 14,27).
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J. B. Teixeira |
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