Testemunho do padre Alessandro Coniglio, biblista e frade menor da Custódia da Terra Santa
Roma, 31 de Março de 2015 (Zenit.org) Robert Cheaib
Viver esta semana do memorial da Paixão de Jesus na Terra
Santa tem um sabor totalmente diferente. Para saborearmos um pouco essa
experiência fomos ao Pe. Alessandro Coniglio, OFM, professor de Exegese
do Antigo Testamento no Studium Biblicum Franciscanum da Flagelação em
Jerusalém.
Padre Alessandro mora em Jerusalém como frade franciscano da
Custódia da Terra Santa desde 2002. Além dos compromissos académicos, é
animador espiritual das peregrinações desde 2009. É autor, juntamente
com o Pe. Frédéric Manns, de um livro a ser publicado pela Edizioni Terra Santa, intitulado: Terra Santa sacramento della fede. Pellegrinaggio Cristiano e cammino della vita (Terra Santa, sacramento da fé. Peregrinação Cristã e caminho de vida, tradução livre).
ZENIT: Frei Alessandro, há anos você tem a graça de viver a
semana santa nos lugares do Evento e de compartilhar com os peregrinos
esta graça. Qual é o principal ponto de consciencialização que abre os
olhos do turista, transformando-o em peregrino?
Frei Alessandro: o tempo de Quaresma e da Semana Santa em Jerusalém é
um momento especial desde vários pontos de vista. O primeiro é a graça
de poder celebrar nos lugares santos da Redenção, nos próprios lugares
onde o mistério que se celebra na liturgia aconteceram. Nos santuários
da Terra Santa o hoje (hodie) da liturgia latina, que actualiza
em cada parte do mundo na hora da minha história pessoal o evento de
salvação comemorado, liga-se indissoluvelmente ao aqui (hic) da geografia da salvação, que me faz estar no mesmo lugar que foi espectador desse evento há dois mil anos.
ZENIT: Qual é a antiguidade das práticas de piedade e de memória que chegaram até nós?
Frei Alessandro: As liturgias da Igreja de Jerusalém, desde que temos
memória (ou seja, desde o séc IV, onde uma peregrina, Egéria, nos
deixou o seu diário de peregrinação à Terra Santa) são liturgias
estacionais, que representam os eventos de salvação nas várias
‘estações’ geográficas do seu acontecimento histórico. Na Quaresma de
forma particular, os frades franciscanos seguem um caminho de
progressiva aproximação ao mistério pascal através do percurso
celebrativo que, por etapas, nos leva, também fisicamente, sempre mais
próximos do lugar pascal por excelência, o Santo Sepulcro.
ZENIT: E, concretamente hoje, como acontecem estas estações?
Frei Alessandro: Começando pela segunda semana da quaresma, toda
quarta-feira é celebrada uma solene liturgia em um dos santuários da
Paixão: parte-se da Dominus Flevit, no Monte das Oliveiras, que recorda o
choro de Jerusalém à vista da Cidade Santa (cfr Lc 19,41-44), depois se
desce aos pés do monte, ao jardim do Getsêmani, para comemorar a oração
de Jesus no Jardim das Oliveiras (cfr. Mt 26,36-46), portanto, se
celebra a memória da amarga flagelação romana padecida por Jesus no
Pretório de Pilatos (cfr. Jo 18,38-39.19,1-5) na homónima Igreja da
Flagelação e então, finalmente, há uma comemoração da Via Sacra na
Igreja da condenação, no lugar do Litóstrotos de Pilatos (cfr. Jo
19,16-30). Nesta quinta semana da Quaresma, além da quarta-feira, há uma
intensificação das memórias litúrgicas, e assim, sexta-feira, chegados
ao Calvário, se faz memória das dores de Maria que estava presa à cruz
do Filho (cfr. Jo 19 25-27).
ZENIT: E agora que estamos na Semana Santa?
Frei Alessandro: Com esta memória começa para nós a celebração da
Semana Santa, a "grande semana", como era chamada pelos antigos, na qual
a mimesi litúrgica dos últimos dias de vida de Jesus é revivida pelos
cristãos locais e pelos peregrinos presentes em Jerusalém, nos lugares
originais onde aconteceram. Assim, o Domingo de Ramos, depois da
celebração solene na manhã, na Igreja do Santo Sepulcro com o Patriarca
Latino, vê, pela tarde, milhares de fieis reunidos no santuário de
Betfagé para começar uma procissão que marca a trágica entrada
messiânica de Jesus em Jerusalém em um dia semelhante há dois mil anos
(cfr. Lc 19,28-40).
ZENIT: Deveria ser especialmente significativo o Tríduo Pascal, justamente em referência ao "hic" mencionado no início!
Frei Alessandro: Efetivamente é assim! No tríduo sacro, a
correspondência entre as celebrações litúrgicas e lugares da salvação se
estreita ainda mais, porque na Quinta-feira Santa, depois de que, pela
manhã, o Patriarca celebra a Missa crismal no Santo Sepulcro, fica-se
com o Custódio da Terra Santa na sala superior do Santo Cenáculo para
comemorar o lava-pés, feito por Jesus durante a Última Ceia (cfr. Jo
13,1-15). Na Sexta-feira Santa, estamos no Calvário, para celebrar o
solene Ofício da Paixão e da Adoração da Cruz salvadora do Redentor. No
Sábado Santo, então, com um certo adiantamento do horário com relação ao
resto do mundo, celebramos a Vigília pascal da Ressurreição do Senhor
diante do santuário que envolve o túmulo vazio de Jesus. A mesma coisa
no Domingo de Páscoa. Um sinal muito significativo destas celebrações é o
canto dos quatro evangelhos da Ressurreição, os quatro pontos cardeais
com o anúncio que Cristo venceu a morte para sempre, ou , segundo o
cumprimento pascal que se dá aqui no Oriente: “Cristo ressuscitou! Sim!
Verdadeiramente ressuscitou!
ZENIT: Muitas histórias chegam às pessoas e – infelizmente –
também em vídeo, de brigas ao redor dos lugares do Cristo Ressuscitado
“nossa paz”. Qual é a mensagem que você gostaria de dar àqueles que
participam e àqueles que sonham participar de uma Páscoa na Terra Santa?
Frei Alessandro: Para mim, como frade franciscano da Custódia da
Terra Santa, é uma grande graça e um profundo motivo de gratidão a Deus,
a possibilidade que me foi dada de viver desta forma os tempos fortes
do ano litúrgico. Eles adquirem uma intensidade aqui, uma vivacidade,
que, em outro lugar, não se é capaz de experimentar. Claro, também há
confusão ao redor, existe a dificuldade da convivência no Santo
Sepulcro, com cristãos de outras confissões que seguem um calendário
litúrgico diferente do nosso, e com exigências que às vezes fazem
encurtar as nossas celebrações. Mas, no final, permanece especialmente o
gosto único de ter podido reviver os mistérios da salvação e, em
especial, da paixão, morte e ressurreição de Jesus, nos mesmos lugares
que testemunharam aqueles eventos de graça e com aquelas comunidades
cristãs que são herdeiras dos primeiros testemunhos desses mesmos
acontecimentos.
(31 de Março de 2015) © Innovative Media Inc.
in
Sem comentários:
Enviar um comentário