A presidente do Movimento dos Focolares discursa na ONU e encoraja os presentes a inventarem a paz
Madrid, 24 de Abril de 2015 (Zenit.org)
A presidente do Movimento dos Focolares, Maria Voce,
discursou nesta quarta-feira na ONU durante a sessão matinal do debate
sobre tolerância e reconciliação. Ela foi convidada a participar junto
com outros líderes religiosos para ajudar a identificar estratégias que
promovam sociedades pacíficas e inclusivas, como alternativa radical às
forças que alimentam o extremismo violento.
Maria Voce participou do debate com o jovem italiano Ermanno
Perotti para mostrar "o trabalho dos Focolares em unidade entre as
gerações, enraizado no presente e voltado para o futuro". Ela falou da
experiência "contínua e fecunda" do encontro entre culturas e religiões
no movimento: um diálogo exigente e comprometido, mas que se mostra
válido para uma civilização em que todos se reconheçam livres, iguais e
irmãos, e retomou o desafio de Chiara Lubich depois dos atentados de 11
de Setembro de 2001, encorajando os ouvintes a "inventarem a paz".
Publicamos na íntegra o discurso pronunciado pela presidente dos Focolares:
* * *
Gostaria de agradecer à Organização das Nações Unidas e à Aliança de
Civilizações por ter querido este debate e me convidado a dar a minha
contribuição. Mas queria agradecer mais ainda por tudo o que fizeram e
continuam fazendo diariamente, empregando meios diplomáticos, recursos
humanos e todas as oportunidades que têm para favorecer um mundo mais
fraterno, seguro e pacífico.
Vou lhes contar uma história:
Em 1943, na terrível fase final da Segunda Guerra Mundial, um grupo
de moças se reúne na pequena cidade de Trento, norte da Itália. Em meio
às bombas, aquelas moças guiadas por uma professora muito jovem, Chiara
Lubich, animadas pela renovada compreensão da radicalidade do amor
evangélico, decidem arriscar a vida para aliviar os sofrimentos dos
pobres. Um gesto que muitos outros, antes e depois delas, fizeram e
farão (basta pensar nos campos de refugiados no Líbano, Síria, Jordânia,
Iraque, ou nas periferias degradadas das grandes cidades), mas que, em
todo caso, tem a força e a coragem de introduzir no circuito destrutivo
do conflito o empenho pela regeneração do tecido social, realizando,
para usar a linguagem desta organização, uma acção construtora de paz.
“Eram tempos de guerra e tudo desmoronava”, dirão toda vez que começarem
a narrar a história daquelas moças; mas elas decidiram romper o círculo
vicioso da violência, respondendo com gestos e actos que, no clima do
conflito, podiam parecer até irrelevantes. Não foi assim. Não é assim!
Conto este fato a vocês não como uma lembrança de um caso de estudo,
não para indicar a exemplaridade da dedicação a uma causa social, mas
para destacar que, hoje também, estamos numa situação de gravíssima
desagregação política, institucional, económica, social, que exige
respostas igualmente radicais, capazes de mudar o paradigma que
prevalece. O conflito e a violência parecem dominar grandes áreas do
planeta, envolvendo pessoas inocentes transformadas em “culpadas” pelo
simples fato de estarem num território disputado, de pertencerem a uma
determinada etnia ou de professarem uma determinada religião.
No Movimento dos Focolares, que eu tenho a honra de representar, o
encontro entre culturas e religiões (cristianismo, islão, judaísmo,
budismo, hinduísmo, religiões tradicionais) é uma experiência contínua e
fecunda, que não se limita à tolerância ou ao simples reconhecimento da
diversidade; que vai além, até, da fundamental reconciliação, e que
cria, por assim dizer, uma nova identidade, mais ampla, comum e
compartilhada. É um diálogo eficaz, que envolve pessoas das mais
variadas convicções, inclusive não religiosas, e impulsiona a olhar para
as necessidades concretas, a responder juntos aos desafios mais
difíceis no campo social, económico, cultural, político, no
comprometimento por uma humanidade mais unida e mais solidária. Isto
acontece em contextos afectados e ainda sacudidos por crises gravíssimas,
como na Argélia, Síria, Iraque, Líbano, República Democrática do Congo,
Nigéria, Filipinas.
Vemos que hoje não há tempo para a mediocridade. Se existe um
extremismo da violência, responde-se a ele, mesmo com a necessidade de
se defender e de defender principalmente os fracos e os perseguidos, com
igual radicalidade; mas de um modo estruturalmente diferente, com o
“extremismo do diálogo”! Um diálogo que requer o máximo empenho, que é
arriscado, exigente, desafiante, que exige cortar as raízes da
incompreensão, do medo, do ressentimento.
No âmbito desta instituição opera a iniciativa da “Aliança de
Civilizações”, que propõe uma narração alternativa e construtiva da
interacção global e tende a sublinhar aquilo que une a humanidade em
todas as suas múltiplas expressões, mais do que aquilo que, à primeira
vista, pareceria dividi-la. Portanto, é um grande mérito falar de uma
aliança de civilizações!
Mesmo assim, temos que nos perguntar se hoje não podemos ir ainda
mais à raiz desta nova perspectiva, visando não só uma aliança das
civilizações, mas uma “civilização da aliança”; uma civilização
universal que faça os povos se considerarem parte do grande
acontecimento, plural e fascinante, do caminho da humanidade rumo à
unidade. Uma civilização que faça do diálogo o caminho para nos
reconhecermos livres, iguais, irmãos.
Entre as muitas organizações que estão representadas aqui,
permitam-me recordar também a New Humanity, organização não
governamental que representa o nosso Movimento nesta sede, que promove e
sustenta as suas iniciativas e que é também parceira oficial da UNESCO.
Diante de uma assembleia tão ampla e inclusiva, eu não posso evitar
que me surja uma pergunta: a ONU não deveria voltar a pensar na sua
própria vocação, reformular a sua missão fundamental? O que quer dizer,
hoje, ser a organização das “Nações Unidas”, se não uma instituição que
trabalha de verdade pela unidade das nações, no respeito das suas
riquíssimas identidades? Certamente é fundamental trabalhar para manter a
segurança internacional, mas a segurança, embora indispensável, não
necessariamente equivale à paz.
Os conflitos internos e internacionais, as profundas divisões que
registamos em escala mundial, junto com as grandes injustiças locais e
planetárias, exigem uma verdadeira conversão nos fatos e nas escolhas da
governança mundial, que realize o lema cunhado por Chiara Lubich e
lançado neste lugar em 1997: “Amar a pátria dos outros como a própria”,
até a edificação da fraternidade universal.
Não devemos, pois, ceder terreno a quem tenta apresentar muitos dos
conflitos em andamento como “guerras de religião”. A guerra é, por
definição, a irreligião. O militarismo, a hegemonia económica, a
intolerância em todos os níveis são causas de conflito juntamente com
muitos outros factores sociais e culturais, dos quais a religião, com
frequência, constitui somente um trágico pretexto. O que estamos vendo
em muitas regiões do planeta, do Oriente Médio à África, incluindo a
tragédia de centenas de mortos fugindo da guerra e vítimas do naufrágio
no Mediterrâneo, tem muito pouco a ver com a religião. De qualquer ponto
de vista, deveríamos falar não de guerra de religião, mas, mais
concreta, real e prosaicamente, de religião da guerra.
O que fazer então? Chiara Lubich escreveu com esperança e firme
convicção depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e das
intervenções militares no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003): “Não
nos rendamos! (….) São muitos os sinais para que, da grave conjuntura
internacional, possa emergir, finalmente, uma nova consciência da
necessidade de agirmos juntos pelo bem comum, povos ricos e menos ricos,
sofisticados ou menos sofisticados em seus armamentos, confessionais ou
não, com a coragem de ‘inventar a paz’. Acabou o tempo das ‘guerras
santas’. A guerra nunca é santa e nunca foi. Deus não a quer. Só a paz é
verdadeiramente santa, porque Deus mesmo é a paz”.
E é a esta nova consciência que as religiões podem e querem dar uma
válida contribuição: sendo fiéis à inspiração fundamental e à regra de
ouro que une a todos. As religiões querem ser elas mesmas, não um
instrumento usado por outros poderes, mesmo que para fins muito nobres;
não uma fórmula estudada numa mesa para resolver conflitos e crises, mas
um processo espiritual que se encarna e vira comunidade, que
compartilha e dá sentido às alegrias e sofrimentos do homem de hoje,
encaminhando tudo à realização da única e universal família humana.
Agradeço pela sua escuta e espero poder oferecer durante a sessão da tarde algum testemunho concreto.
(24 de Abril de 2015) © Innovative Media Inc.
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