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sábado, 25 de abril de 2015

Vencer a violência com o extremismo do diálogo

A presidente do Movimento dos Focolares discursa na ONU e encoraja os presentes a inventarem a paz


Madrid, 24 de Abril de 2015 (Zenit.org)


A presidente do Movimento dos Focolares, Maria Voce, discursou nesta quarta-feira na ONU durante a sessão matinal do debate sobre tolerância e reconciliação. Ela foi convidada a participar junto com outros líderes religiosos para ajudar a identificar estratégias que promovam sociedades pacíficas e inclusivas, como alternativa radical às forças que alimentam o extremismo violento.

Maria Voce participou do debate com o jovem italiano Ermanno Perotti para mostrar "o trabalho dos Focolares em unidade entre as gerações, enraizado no presente e voltado para o futuro". Ela falou da experiência "contínua e fecunda" do encontro entre culturas e religiões no movimento: um diálogo exigente e comprometido, mas que se mostra válido para uma civilização em que todos se reconheçam livres, iguais e irmãos, e retomou o desafio de Chiara Lubich depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001, encorajando os ouvintes a "inventarem a paz".

Publicamos na íntegra o discurso pronunciado pela presidente dos Focolares:

* * *

Gostaria de agradecer à Organização das Nações Unidas e à Aliança de Civilizações por ter querido este debate e me convidado a dar a minha contribuição. Mas queria agradecer mais ainda por tudo o que fizeram e continuam fazendo diariamente, empregando meios diplomáticos, recursos humanos e todas as oportunidades que têm para favorecer um mundo mais fraterno, seguro e pacífico.

Vou lhes contar uma história:

Em 1943, na terrível fase final da Segunda Guerra Mundial, um grupo de moças se reúne na pequena cidade de Trento, norte da Itália. Em meio às bombas, aquelas moças guiadas por uma professora muito jovem, Chiara Lubich, animadas pela renovada compreensão da radicalidade do amor evangélico, decidem arriscar a vida para aliviar os sofrimentos dos pobres. Um gesto que muitos outros, antes e depois delas, fizeram e farão (basta pensar nos campos de refugiados no Líbano, Síria, Jordânia, Iraque, ou nas periferias degradadas das grandes cidades), mas que, em todo caso, tem a força e a coragem de introduzir no circuito destrutivo do conflito o empenho pela regeneração do tecido social, realizando, para usar a linguagem desta organização, uma acção construtora de paz. “Eram tempos de guerra e tudo desmoronava”, dirão toda vez que começarem a narrar a história daquelas moças; mas elas decidiram romper o círculo vicioso da violência, respondendo com gestos e actos que, no clima do conflito, podiam parecer até irrelevantes. Não foi assim. Não é assim!

Conto este fato a vocês não como uma lembrança de um caso de estudo, não para indicar a exemplaridade da dedicação a uma causa social, mas para destacar que, hoje também, estamos numa situação de gravíssima desagregação política, institucional, económica, social, que exige respostas igualmente radicais, capazes de mudar o paradigma que prevalece. O conflito e a violência parecem dominar grandes áreas do planeta, envolvendo pessoas inocentes transformadas em “culpadas” pelo simples fato de estarem num território disputado, de pertencerem a uma determinada etnia ou de professarem uma determinada religião. 

No Movimento dos Focolares, que eu tenho a honra de representar, o encontro entre culturas e religiões (cristianismo, islão, judaísmo, budismo, hinduísmo, religiões tradicionais) é uma experiência contínua e fecunda, que não se limita à tolerância ou ao simples reconhecimento da diversidade; que vai além, até, da fundamental reconciliação, e que cria, por assim dizer, uma nova identidade, mais ampla, comum e compartilhada. É um diálogo eficaz, que envolve pessoas das mais variadas convicções, inclusive não religiosas, e impulsiona a olhar para as necessidades concretas, a responder juntos aos desafios mais difíceis no campo social, económico, cultural, político, no comprometimento por uma humanidade mais unida e mais solidária. Isto acontece em contextos afectados e ainda sacudidos por crises gravíssimas, como na Argélia, Síria, Iraque, Líbano, República Democrática do Congo, Nigéria, Filipinas.

Vemos que hoje não há tempo para a mediocridade. Se existe um extremismo da violência, responde-se a ele, mesmo com a necessidade de se defender e de defender principalmente os fracos e os perseguidos, com igual radicalidade; mas de um modo estruturalmente diferente, com o “extremismo do diálogo”! Um diálogo que requer o máximo empenho, que é arriscado, exigente, desafiante, que exige cortar as raízes da incompreensão, do medo, do ressentimento.

No âmbito desta instituição opera a iniciativa da “Aliança de Civilizações”, que propõe uma narração alternativa e construtiva da interacção global e tende a sublinhar aquilo que une a humanidade em todas as suas múltiplas expressões, mais do que aquilo que, à primeira vista, pareceria dividi-la. Portanto, é um grande mérito falar de uma aliança de civilizações!

Mesmo assim, temos que nos perguntar se hoje não podemos ir ainda mais à raiz desta nova perspectiva, visando não só uma aliança das civilizações, mas uma “civilização da aliança”; uma civilização universal que faça os povos se considerarem parte do grande acontecimento, plural e fascinante, do caminho da humanidade rumo à unidade. Uma civilização que faça do diálogo o caminho para nos reconhecermos livres, iguais, irmãos.

Entre as muitas organizações que estão representadas aqui, permitam-me recordar também a New Humanity, organização não governamental que representa o nosso Movimento nesta sede, que promove e sustenta as suas iniciativas e que é também parceira oficial da UNESCO.

Diante de uma assembleia tão ampla e inclusiva, eu não posso evitar que me surja uma pergunta: a ONU não deveria voltar a pensar na sua própria vocação, reformular a sua missão fundamental? O que quer dizer, hoje, ser a organização das “Nações Unidas”, se não uma instituição que trabalha de verdade pela unidade das nações, no respeito das suas riquíssimas identidades? Certamente é fundamental trabalhar para manter a segurança internacional, mas a segurança, embora indispensável, não necessariamente equivale à paz.

Os conflitos internos e internacionais, as profundas divisões que registamos em escala mundial, junto com as grandes injustiças locais e planetárias, exigem uma verdadeira conversão nos fatos e nas escolhas da governança mundial, que realize o lema cunhado por Chiara Lubich e lançado neste lugar em 1997: “Amar a pátria dos outros como a própria”, até a edificação da fraternidade universal.

Não devemos, pois, ceder terreno a quem tenta apresentar muitos dos conflitos em andamento como “guerras de religião”. A guerra é, por definição, a irreligião. O militarismo, a hegemonia económica, a intolerância em todos os níveis são causas de conflito juntamente com muitos outros factores sociais e culturais, dos quais a religião, com frequência, constitui somente um trágico pretexto. O que estamos vendo em muitas regiões do planeta, do Oriente Médio à África, incluindo a tragédia de centenas de mortos fugindo da guerra e vítimas do naufrágio no Mediterrâneo, tem muito pouco a ver com a religião. De qualquer ponto de vista, deveríamos falar não de guerra de religião, mas, mais concreta, real e prosaicamente, de religião da guerra.

O que fazer então? Chiara Lubich escreveu com esperança e firme convicção depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e das intervenções militares no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003): “Não nos rendamos! (….) São muitos os sinais para que, da grave conjuntura internacional, possa emergir, finalmente, uma nova consciência da necessidade de agirmos juntos pelo bem comum, povos ricos e menos ricos, sofisticados ou menos sofisticados em seus armamentos, confessionais ou não, com a coragem de ‘inventar a paz’. Acabou o tempo das ‘guerras santas’. A guerra nunca é santa e nunca foi. Deus não a quer. Só a paz é verdadeiramente santa, porque Deus mesmo é a paz”.

E é a esta nova consciência que as religiões podem e querem dar uma válida contribuição: sendo fiéis à inspiração fundamental e à regra de ouro que une a todos. As religiões querem ser elas mesmas, não um instrumento usado por outros poderes, mesmo que para fins muito nobres; não uma fórmula estudada numa mesa para resolver conflitos e crises, mas um processo espiritual que se encarna e vira comunidade, que compartilha e dá sentido às alegrias e sofrimentos do homem de hoje, encaminhando tudo à realização da única e universal família humana.

Agradeço pela sua escuta e espero poder oferecer durante a sessão da tarde algum testemunho concreto.

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