Entrevista com o autor da tese doutoral "Aproximação dos aspectos morais do uso das redes sociais digitais
Roma, 27 de Abril de 2015 (Zenit.org) Jorge Henrique Mújica
No mês de Março desse ano, Juan Carlos Vásconez defendeu uma
tese de doutorado bem singular: as redes sociais, desde o ponto de
vista da teologia moral. O título explica melhor: "Aproximação aos
aspectos morais do uso das redes sociais digitais”. Para conhecer mais
de perto este binómio teologia-tecnologia fizemos uma entrevista com o
Dr. Vásconez. Acompanhe-a a seguir:
***
ZENIT: Não se passaram muitos anos desde que a internet
começou a se tonar global. A tecnologia tem crescido a um ritmo
acelerado, mas parece que a ética que deve acompanhar esse crescimento
ficou para trás. É assim mesmo? Existe um divórcio entre ética e
tecnologia, especialmente no ambiente digital?
- John Carlos Váscone: a tecnologia é essencial, em boa parte, para
os homens e mulheres de hoje, e temos que aprender a contar com ela e
canalizá-la para que o seu uso nos ajude a desenvolver-nos como pessoas.
A forma mais adequada de fazê-lo é aprender a viver as virtudes nesse
âmbito, em vez de desqualificar uma realidade que, por outra parte, não
está necessariamente predeterminada ao mal. Todos nós temos testemunhado
como o progresso, em mãos erradas, pode transformar-se, e se
transformou, e em um avanço terrível do mal. Se o progresso técnico não
caminha junto com a formação ética do homem, com o crescimento do homem
interior (cf. Ef 3, 16; 2 Cor 4,16), não é um progresso, mas uma ameaça
para o homem e para o mundo. Na verdade, surge um perigo quando o
progresso técnico não é contrabalançado com a reflexão e a
responsabilidade, quando o homem se pergunta só o como, ao invés de
considerar os porquês que o levam a agir. São muitos os autores que nos
previnem deste perigo. Infelizmente, muitas vezes, ao imperativo ético
"se deves, podes”, os interesses comerciais tentam estabelecer o
contrário: “se podes, deves”. É quase impossível rejeitar a inovação
tecnológica, mas não pode levar-nos a esquecer que o seu uso deve ser
virtuoso: este será sempre o melhor comportamento ético. Nem tudo o que
experimentamos no corpo e na alma deve ser resolvido desabafando. Nem
tudo o que é possível fazer deve ser feito. Nem todos os avanços
tecnológicos ou todos os recursos são bons para todas as pessoas. É
necessário pensar. Aos poucos, a sociedade vai estabelecendo normas
básicas de “etiqueta digital”, o mínimo para comportar-se bem. Mas isso
não é suficiente; convém perguntar-se em cada caso: "isso, para mim, em
que me ajuda ou em que me obstaculiza?” e agir em conformidade. Agora,
não é possível definir normas predeterminadas para todas as pessoas, mas
cada um deve ver quais coisas lhe convém, não só porque facilitam o seu
trabalho, mas porque melhoram a sua relação com os demais e com Deus.
ZENIT: Não é muito comum encontrar teses doutorais que, a
partir da teologia, abordem as redes sociais. Em si, a literatura
especializada nesta área é bastante escassa. Por que escolher este
caminho? O que as redes sociais contribuem para a teologia e o que a
teologia às redes sociais?
- Juan Carlos Váscone: é cada vez maior o número de pesquisadores que
estudam o fenômeno, embora as abordagens sejam muito diferentes.
Alguns, como Clay Shirky ("Cognitive surplus”) ou Andy Clark
("Supersizing the mind"), destacam as forças revolucionárias da
democratização da informação e da expansão da consciência que o
desenvolvimento tecnológico causou. Enquanto que outros, como Nicholas
Carr ("Surperficiales") ou Sherry Turkle ("Alone Together") lamentam a
perda de capacidade de reflexão e de socialização no mundo real e
defendem a superioridade das formas por acima da transmissão cultural.
Eu acho que para entender o papel do homem com relação à tecnologia da
comunicação, especificamente as redes sociais, são muito enriquecedoras
as contribuições de Bento XVI. A maioria de seus escritos sobre o tema
estão concentrados nas mensagens para as Jornadas Mundiais das
Comunicações Sociais. Tem sido uma das principais fontes para este
trabalho de pesquisa que foi dirigido na Pontifícia Universidade da
Santa Cruz em Roma. Parece-me que o estudo permite conjecturar que a
principal motivação para usá-las é o carácter relacional que têm e que
potenciam, a necessidade de aumentar as formas de se relacionar com
outras pessoas, a facilidade para estar em constante contacto com amigos
ou familiares. Por tanto, não é errado afirmar que as redes sociais são
uma resposta contemporânea para uma realidade muito humana: a
necessidade do outro. A necessidade de socializar responde à natureza
humana. Pode variar em sua forma de acordo com os tempos, mas é sempre
uma manifestação do homem modelado à imagem e semelhança de Deus. Neste
sentido se poderia afirmar que as redes sociais destacam o aspecto
social do ser humano.
ZENIT: Em sua tese doutoral fala que Deus pode querer dizer-nos algo perante este auge digital. Qual seria essa mensagem?
- John Carlos Vascone: A tecnologia está cada vez mais presente no quotidiano de grande parte da humanidade. O fácil acesso a telefones
celulares e computadores, juntamente com a dimensão global e a presença
capilar da Internet, multiplicaram os meios para enviar instantaneamente
palavras e imagens a longa distâncias, em segundos. Desta nova cultura
de comunicação se derivam muitos benefícios: as famílias podem
permanecer em contacto, embora os seus membros estejam muito distantes
uns dos outros; os estudantes e pesquisadores têm acesso fácil e
imediato a documentos, fontes e descobertas científicas; etc. Além
disso, a natureza interactiva dos novos meios de comunicação facilita
formas mais dinâmicas de aprendizagem e de comunicação que contribuem
para o progresso social. Temos muito trabalho ainda, começando por
cobrir a brecha digital (neste sentido é muito valiosa a iniciativa do
Papa de Scholas Occurrentes). A necessidade do outro, a capacidade de
ficar conectados com as pessoas que amamos, sem importar as distâncias, a
fabulosa capacidade de dar informação valiosa – e o que é mais valioso
do que a Boa Nova – a um grande número de pessoas, são muitas das
vantagens que podemos gozar hoje em dia para construir um mundo melhor.
ZENIT: A tese de doutorado na qual trabalhastes durante anos
se propõe oferecer pautas para o comportamento cristão nas redes
sociais. Existe uma maneira cristã de habitar a web?
- Juan Carlos Váscone: Claro que existe um estilo cristão de habitar a
web: é o que está marcado pela caridade, pelo amor a Deus e aos outros,
começando com as pessoas mais próximas a você. Portanto, é oportuno
reflectir sobre como essas tecnologias nos afectam na vida diária, como
mudam as nossas relações com os outros e, é claro, como influenciam na
nossa relação pessoal com Deus. Por exemplo, é importante proteger
alguns momentos de silêncio durante o dia para cultivar um
relacionamento com Deus. São João Paulo II falava de "zonas de silêncio
efectivo e uma disciplina pessoal, para facilitar o contacto com Deus".
Recentemente, o Papa Francisco disse: "Hoje, os meios de comunicação
mais modernos, que são indispensáveis, especialmente para os mais
jovens, podem tanto dificultar como ajudar a comunicação na família e
entre famílias”. É necessário, portanto, aprender a usar as ferramentas
de comunicação, para que realmente sejam meios que unam as pessoas, e
não obstáculos que as separem e levem ao isolamento. É uma tarefa que
não pode reduzir-se ao seguimento de umas normas, mas que implica o
desenvolvimento de atitudes pessoais e hábitos positivos: se trata, em
definitiva, de aprender a viver as virtudes no mundo digital. A Igreja
como mestra de humanidade, tem muito a dizer para o mundo e, perante o
progresso técnico, não aconselha somente prudência e cautela, mas também
coragem e decisão. O crescimento nas virtudes é o único caminho que
permitirá implementar este conselho.
ZENIT: Dado que a sua investigação foca especialmente nas
virtudes cardeais e sua relação com as redes sociais (especialmente a
virtude da prudência), qual contribuição, linha de acção ou relação as
virtudes têm com o uso das redes sociais? É possível falar de um uso
“virtuoso” das redes sociais ou de um modo virtuoso de relacionar-se
nelas?
- Juan Carlos Váscone: Embora a caridade sempre será a virtude mais
importante, devemos enfatizar a primazia da prudência entre as virtudes
humanas necessárias para agir de forma coerente no mundo digital. A
prudência com relação às redes sociais está presente desde o primeiro
momento, já que é preciso esclarecer previamente se realmente constitui
uma melhoria para a própria vida, se é necessário ou conveniente
participar ou não; e determinar em qual ou quais vale a pena ter um
perfil, etc. Cada rede social tem a sua própria dinâmica de
funcionamento que é preciso entender antes de começar a interagir.
Também é um comportamento maduro ponderar com quais meios ou
dispositivos se revisará ou se publicará. A forma de interagir dentro de
uma plataforma também deverá estar marcada pela prudência que, em
muitas ocasiões aconselha focar a atenção mais na qualidade das próprias
conexões que na quantidade. É mais importante seleccionar temas que vale
a pena escrever, e reflectir sobre eles o suficiente para que as
contribuições sejam valiosas, ou seja, do que dizer muitas coisas
insignificantes rapidamente. Serão actos de prudência: cancelar ou
silenciar contactos da própria lista quando estes compartilhem informação
que possa ser nociva ou irritante; rever as opções de privacidade para
saber quem pode ver os conteúdos que publicamos; cuidas as normas de
etiqueta digital (não escrever com maiúsculas, não usar palavrões, não
publicar fotografias pessoais ou de terceiros, que sejam irritantes,
etc.). Também será um acto da prudência desenvolver algumas habilidades
práticas que vêm do conhecimento técnico, já que nos preparam para
aproveitar mais eficazmente a rede social. Para formar a virtude da
prudência é indispensável pedir conselho e, nos meios digitais, é talvez
mais importante encontrar um bom conselheiro. Diz Santo Tomas de Aquino
que até mesmo “é uma nota de excelência contar com outras pessoas que
possam ajudar-nos”. Sempre vale a pena pedir a alguém com discernimento
para consultar o nosso perfil e nossas interacções para dar-nos sugestões
e recomendações: não se trata de um "controle externo", mas
simplesmente de deixar-nos ajudar em nossa vida nos ambientes digitais
para ir formando critério.
ZENIT: Em alguns momentos da sua tese você fala da "santificação" das redes sociais. O que você quer dizer com isso?
- Juan Carlos Váscone: Quero dizer que as redes sociais não são
apenas uma ferramenta que melhora a extensão e o nível da comunicação,
mas que, de certo modo, passaram a constituir um ambiente, um lugar.
Tornaram-se em um dos tecidos conectivos da cultura, através do qual se
expressa a identidade, se desenvolve o trabalho e nos relacionamos uns
com os outros. Portanto, poderíamos acrescentar que parte da tarefa do
cristão que participar nelas será santifica-las, porque também devem ser
um espaço para expressar com alegria e naturalidade a sua identidade
cristã.
(27 de Abril de 2015) © Innovative Media Inc.
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