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quarta-feira, 22 de abril de 2015

Políticos e Bem comum

1. Bispos interpelam políticos
De 13 a 16 de Abril estiveram reunidos em Fátima os bispos de Portugal, a reflectir sobre diversos assuntos da actualidade na Igreja e na sociedade portuguesa. Hoje chamo a atenção para um parágrafo do comunicado final, que alerta para o clima eleitoral que se avizinha: A sociedade ganharia se tivesse em conta princípios do pensamento social cristão, tão acentuados na programática exortação apostólica «A Alegria do Evangelho» do Papa Francisco. Causas essenciais como o respeito pelo bem comum, pelos princípios da solidariedade e da subsidiaridade, pela vida empresarial criadora de trabalho e da riqueza, pela justa promoção social dos pobres, pelo apoio aos mais frágeis, em particular os nascituros, às mães gestantes e às famílias deveriam constar nas propostas concretas e consistentes dos partidos e candidatos. No nº 205 desta Exortação o Papa escreve: Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres. É indispensável que os governantes e o poder financeiro levantem o olhar e alarguem as suas perspectivas, procurando que haja trabalho digno, instrução e cuidados de saúde para todos os cidadãos.

Isto significa que os cristãos capacitados devem participar no debate político e, através dos partidos que sintonizam com a doutrina social da Igreja, proporem-se como candidatos ao poder democrático e, uma vez eleitos, não porem de lado esses princípios.

Apesar de nenhum dos partidos da área da governação poder reclamar para si a sintonia perfeita com os princípios da doutrina social da Igreja, também não é necessário fundar nenhum partido democrático cristão. A perfeição é um objectivo de toda a vida, mas ninguém pode reclamar para si a sua plenitude. Na referida exortação o Papa expõe quatro critérios da realização do bem comum e da paz social. O primeiro é precisamente a afirmação de que o tempo é superior ao espaço. Precisamos de lançar as boas sementes, ter paciência e esperar que penetrem na terra, apodreçam, desabrochem, cresçam e se fortaleçam, no meio do joio, das ervas daninhas e dos conflitos e possam dar bons frutos de convivência fraterna, em que ninguém é marginalizado e excluído. Mesmo os cristãos precisam de resistir à tentação de criarem guetos, cantinhos e grupos aparte, espaços dos bons e dos santos. Isto seria o contrário do que Jesus apregoou e viveu: é preciso ser luz, fermento, sal e estar preparado para sofrer por causa da paz, do amor. No meio de tudo isso alegremo-nos e sejamos felizes por termos sido achados dignos de sofrer por causa do Reino, pela boa causa da paz, pela construção de uma sociedade justa e fraterna.

2. O bem comum

Um dos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja (DSI) é o bem comum. Mas como se coaduna este princípio com a tendência individualista e egoísta dos indivíduos? A defesa perante os agressores e o instinto de conservação não são possíveis sem a abertura aos outros, a união de forças, sem exclusão de ninguém. Uma antropologia personalista não é possível sem abertura aos outros, ao transcendente e ao Outro, sem consenso no bem comum do todo. Aqui podemos aplicar o quarto critério apontado pelo Papa para a realização da paz social: o todo é superior à parte. Mas isso não significa a ditadura do totalitarismo, mas uma atenção profunda à diversidade e ao bem de todas as partes.

Os governantes, democraticamente eleitos, precisam de estar habilitados para orientar as capacidades e esforços de todas as partes em ordem à melhor realização do bem comum, e não apenas de determinado grupo de amigos ou do grupo eleitoral. É significativa a expressão, quase sempre usada por todos os vencedores de eleições democráticas: a partir de agora governaremos para todos os portugueses. É difícil isso acontecer, pois os lobbies e os boys pressionam para receber a sua recompensa. No entanto, se alguma acepção de pessoas pode e deve ser feita é a opção preferencial pelos pobres, em ordem a criar uma sociedade inclusiva, onde reine a paz social.

Isto não quer dizer que se deixe de estimular quem investe na produção de riqueza. Mas como fazê-lo sem marginalizar os menos capacitados, sem criar guetos de pobres e excluídos? Sobre esta arte de bem governar, em ordem a criar uma sociedade inclusiva, onde reina a paz social, o bem-estar possível e o desenvolvimento integral de todos, voltaremos a reflectir ao abordar outros princípios da doutrina social da Igreja, pois todos se implicam na realização do bem comum de um país e da comunidade internacional. Hoje, o bem comum não pode ter fronteiras, países e continentes pobres ao lado de outros ricos e fechados sobre si no seu bem-estar. Por isso, o assim chamado primeiro mundo não pode assistir impávido ao radicalismo islâmico e aos milhões que fogem à fome e à guerra, morrendo muitos deles nas águas do mediterrâneo. Tem razão o Papa Francisco e o governo italiano quando apelam para que toda a Europa ajude a encontrar soluções para estes problemas, que não são apenas de um pais, mas de todos. As nossas fronteiras não podem ser cemitérios dos pobres em fuga à fome e à guerra. O bem comum não pode ser apenas o de um país. É preciso globalizar a solidariedade e não apenas a economia e a informação. Difícil e honrosa tarefa para os políticos do futuro.
 
† António Vitalino, bispo de Beja



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