Acordei hoje a pensar na belíssima
ária: “Uma lágrima furtiva” da ópera denominada 'O Elixir de Amor' de Gaetano Donizetti, magistralmente
cantada pelo tenor Luciano Pavarotti,
sentindo-me presa, enredada num turbilhão de pensamentos que me assolam e que
me inquietam, ao ouvir esta música, isto é, uma lágrima furtiva. Porquê tanta
inquietude? O que me quer transmitir? Parece que pretende recordar-me de que há
algo que não se encontra ainda resolvido no meu coração. A música continua:
“Ah, céus! Sim, poderia morrer… de amor. O melhor mesmo é tentar passar para o
papel os diferentes sentimentos que me invadem. Tudo tem uma explicação.
Recordo que ontem à noite, antes de me deitar, uma amiga comentava ao telefone que, quando era criança, na vila dos avós,
havia um sacerdote residente que celebrava missa diariamente. Também eram
organizadas as habituais procissões nesta
época da Quaresma. Como era arrepiante e comovente ouvir a Verónica cantar…
Agora só no domingo se celebra Missa.
Diminuiu o número de fiéis. Já não se realizam procissões. Importa procurar manter as tradições que recebemos
dos nossos antepassados.
Pois é verdade. As palavras da
minha amiga devem ter ficado no subconsciente. E acordei a pensar na falta de
amor, por isso a lágrima furtiva. Amor a Deus. Há menos sacerdotes, menos
vocações. “A seara é grande e os trabalhadores são poucos. Rogai pois ao Senhor
da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. (Lucas 10,2). O Papa
Francisco, referiu, na sua mensagem para o 56º Dia Mundial das Vocações, 2019,
subordinado ao tema: “A Coragem de Arriscar Pela Promessa de Deus”, como na
história de cada vocação acontece um encontro… vivemos a surpresa de um
encontro e naquele momento, vislumbramos a promessa de uma alegria capaz de
saciar a nossa vida… a chamada do Senhor não é uma ingerência de Deus na nossa
liberdade. Não é uma “jaula” ou um peso que nos é colocado às costas. Pelo
contrário, é a iniciativa amorosa com que Deus vem ao nosso encontro e nos
convida a entrar num grande projeto do qual nos quer participantes
apresentando-nos o horizonte de um mar mais amplo e de uma pesca
superabundante. A vocação é um convite a não ficar parado… mas seguir Jesus
pelo caminho que Ele pensou para nós, para a nossa felicidade e para o bem
daqueles que nos rodeiam. Trata-se de vocações que nos tornam portadores de uma
promessa de bem, amor e justiça. Não há alegria maior do que arriscar pelo
Senhor… que promete a alegria de uma vida nova, que enche o coração e anima o
caminho… pedindo ao Senhor que nos dê a coragem de arriscar no caminho que Ele,
desde sempre, pensou para nós.
A minha amiga ao telefone
continuou a confidenciar que várias vezes se tinha cruzado com o encontro com o
Senhor. Não o seguiu, não por falta de coragem, não porque tivesse muitos bens
porque não era esse o caso, como o do jovem rico que tinha muitos bens. A minha
amiga teve receio na sua firmeza, na grandeza da sua fé, ou seja, que esta não
fosse suficientemente forte, que não tivesse perfil…, mas pode ser igualmente, porque,
na realidade, não se proporcionou. Talvez não tivesse fé suficiente para deixar
tudo e segui-Lo, ou quem sabe, os planos de Deus a seu respeito seriam outros.
Contudo, questiona, hoje em dia desgostosa, sem compreender, com algum grau de
frequência: “Senhor, que queres tu de mim”? A minha alma através das Tuas mãos
abençoadas foi tirada da escuridão. Chamei-Te e ouviste a minha prece. Quero
cantar a Tua glória para sempre. Tudo é possível para quem tem fé. Tudo é
igualmente possível a Deus. Nunca é tarde para Amar. Há sempre tantos modos de
colaborar quer seja no apostolado, nas obras de misericórdia, através da
oração. Eventualmente, Deus não a queria na clausura como era sua intenção
inicial, mas através de atividades de bem-fazer desenvolvidas na comunidade,
uma vez que amar o próximo, é também amar a Jesus que disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
Muitas vezes me foi concedida a
oportunidade de privar com sacerdotes, na cidade de Roma. Vinham de toda a
parte do mundo fazer formação teológica. Traziam um brilho imenso nos seus
olhos e uma vontade incontestável de a todos amar ao serviço de Deus. Ainda
hoje perdura na minha memória a sua disponibilidade para acompanhar a família,
para nos mostrar os lugares santos existentes, bem como a sua alegria, quando
assistíamos à missa que celebravam, ou quando, de algum modo, nos podiam apoiar
nalguma situação com a qual nos confrontássemos. Uma verdadeira família, com
espírito de serviço. Mas sempre senti igual apoio de Bispos, Irmãs de vida
consagrada para amar. Na verdade, constituem a nossa família espiritual.
São de S. Josemaria as
seguintes frases: “Diante de Deus nenhuma ocupação é, em si mesma, grande ou
pequena. Tudo adquire o valor do Amor com que se realiza”.
“A chamada do Senhor – a vocação
– apresenta-se sempre assim: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-Me”. Sim, a vocação exige renúncia, sacrifício. Mas como
se torna prazeroso o sacrifício, - alegria e paz – se a renúncia é completa.
Termino este artigo como comecei.
Com Pavarotti. Ah céus, quantas vidas consagradas ou não, terão morrido por
Amor por esse mundo fora, ao longo de mais de dois milénios. Santa Maria,
Rainha da Esperança, intercedei junto de Jesus, também com a nossa oração que
depositamos no Vosso regaço, para que existam mais vocações, tão necessárias em
prol do bem da humanidade.
Maria Helena Paes |