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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Bento XVI adiantou para o cardeal Bertone a intenção de renunciar

Em entrevista, o secretário emérito de Estado fala dos desafios enfrentados junto com o papa Ratzinger


Roma, 11 de Fevereiro de 2014 (Zenit.org) Rocio Lancho García


Bento XVI queria renunciar "antes do Natal", mas, depois de uma "posterior reflexão e oração, tomou a decisão irrevogável de fazer o anúncio na memória de Nossa Senhora de Lourdes", em 11 de Fevereiro de 2013. Quem faz esta declaração é o cardeal Tarcisio Bertone, um dos homens mais próximos do papa emérito e seu secretário de Estado durante sete anos.

Bertone concedeu uma entrevista a Marinella Bandini, do Il Giornale, precisando que soube da notícia em meados de 2012. Quando pensava na viagem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, em Julho de 2013, o papa dizia: "Estou idoso e não me sinto capaz".

O purpurado conta como viveu o período da renúncia de Bento XVI: "O papa tinha amadurecido a decisão já havia tempo. Ele me falou dela em meados de 2012. Sentia o peso da idade, em especial porque, para governar a barca de Pedro e para enfrentar os desafios da Igreja em nosso tempo, era necessário, como ele disse, o vigor tanto do corpo quanto da alma". O cardeal comenta ainda que o papa emérito tinha pensado em anunciar a renúncia antes do Natal, mas "eu, que era o único que sabia, lhe disse: Sua Santidade deve publicar o volume sobre a infância de Jesus; não fiquemos sem este presente para a Igreja". Além disso, "estava em andamento a encíclica sobre a fé e tínhamos iniciado havia pouco tempo o Ano da Fé; por isso, eu procurava insistir no adiamento... Mas ele, depois de posteriores reflexões e orações, tomou a decisão de fazer o anúncio na festa de Nossa Senhora de Lourdes". O cardeal ressalta: "Bento XVI repetiu várias vezes: é o Senhor quem guia a Igreja. Este ato deve ser interpretado e compreendido na fé da Igreja, não por meio de leituras puramente humanas".

O antigo secretário de Estado fala também da sua relação com Bento XVI. E, embora ela tenha começado quando ele chegou a Roma como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Bertone já o conhecia e estimava como estudioso desde a época do concílio. "Nossas relações sempre foram marcadas pela estima e pela confiança recíproca", afirma. "Sempre houve uma obediência filial e uma colaboração total. Neste ano também eu o visitei várias vezes, conversei com ele por telefone. Ele está intelectualmente lucidíssimo, dotado de uma memória extraordinária".

Bertone afirma que Bento XVI "será lembrado como um grande papa também pelas iniciativas de reforma, pela capacidade de comunicar alegria e pela santidade pessoal, que tem o selo da ternura e da humildade. Quem mais o recorda é precisamente o papa Francisco, que está muito unido a ele como a um sábio conselheiro. Ele quer muito bem ao papa emérito e isto é um exemplo para todos".

Falando da reforma da cúria, o cardeal Bertone afirma que, em tempos mais recentes, “recordamos a reforma querida por Paulo VI, profundo conhecedor dos dinamismos do governo central da Igreja, e a de João Paulo II". Ele explica que ambos dialogaram intensamente com os sujeitos envolvidos e com as conferências episcopais de todo o mundo.

"Agora, com o número crescente de organismos, a cúria precisa definir melhor as competências, racionalizar e fazer um esforço de coordenação. Até agora, o secretário de Estado é a referência entre os dicastérios e o papa, o coordenador da unidade dos direccionamentos e da harmonização dos actos", explica o cardeal. Por isso, ele menciona que foi proposta a figura de um moderador da cúria, que deveria desempenhar exactamente essa tarefa. Bertone acrescenta que o conselho dos oito cardeais, entre outras coisas, tem a difícil tarefa de harmonizar as diversas funções dos chefes da Igreja.

Bento XVI estava consciente da multiplicidade de organismos da cúria e da necessidade de coordenação e de racionalização, garante o cardeal. "Ele tinha esse problema em mente e estava convicto da necessidade de enfrentá-lo. Mas a sua reforma se concentrou, em grande medida, na conversão dos corações das pessoas, em questões urgentes e difíceis, como a de dotar a Igreja de uma legislação contra a pedofilia, contra a lavagem de dinheiro e contra qualquer possibilidade de financiamento do terrorismo", assegura o ex-secretário de Estado.

A entrevista aborda também o delicado caso Vatileaks. O cardeal responde: "Não vejo em que deveria pedir perdão sobre o vazamento de documentos sigilosos que estavam na mesa do papa". Mesmo assim, Bertone lamenta não ter podido travar o escândalo. “Com o papa Bento, nós compartilhamos este sofrimento e eu tenho que dizer que senti o apoio da sua confiança. Era um exemplo de paciência e de rectidão de juízo. Conhecendo bem o meu compromisso e a minha fidelidade, ele sempre me defendeu. O papa Francisco, no primeiro encontro na Capela Sistina depois da eleição, também me disse: ‘Quero agradecer pela sua fidelidade e lealdade’".

O purpurado se diz convencido de que, ao menos em parte, as decisões de Francisco são orientadas pela leitura das conclusões de investigações e pelas conversas com Bento XVI. “Mas não acho que esse dossier seja tão determinante”. Ele se refere ao documento que os cardeais Herranz, Tomko e De Giorgi elaboraram a pedido do papa emérito após o escândalo do vazamento de documentos. Bertone acredita que as decisões de Francisco, ao mesmo tempo, "são motivadas pelas reflexões que os cardeais fizeram durante as congregações gerais antes do conclave e pelas informações progressivamente levantas na grande rede de relações que ele mantém".

Outro tema delicado da entrevista é o Instituto para as Obras de Religião (IOR), equivocadamente conhecido como “banco do Vaticano”. O cardeal explica que, algumas vezes, “foi atribuído um poder quase absoluto ao secretário de Estado, como se tudo derivasse de uma única vontade de centralização, enquanto há competências específicas que são exercidas em conformidade com o Estatuto”. Bertone recorda também que a Junta do Conselho de Superintendência, a Direcção Geral e a Comissão Cardinalícia de Vigilância desenvolvem, cada uma, tarefas específicas.

Ao encerrar a entrevista, o cardeal Bertone destaca que não há nenhuma mudança na doutrina moral, mas uma atitude pastoral voltada às situações do nosso tempo e aos desafios que a cultura dominante nos impõe. A Igreja Mãe vem ao encontro de todos com misericórdia, mas vê com clareza as dificuldades enfrentadas pelos jovens, pelas famílias e por toda a sociedade.

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